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Corte dos CMEC: Governo deixou passar prazo

Para cortar as rendas não falta apoio europeu, parlamentar ou regulatório. Falta só vontade e coragem para enfrentar a EDP. Será inconveniente reconhecer o abuso quando a justiça investiga a criação das rendas excessivas?

Há poucos dias, António Costa voltou a referir-se à existência de “uma atitude hostil” da EDP contra o governo, a propósito da recusa da empresa de pagar a Contribuição Extraordinária do Setor Energético, a CESE. O primeiro-ministro já tinha usado essa expressão em junho passado, quando explicou no parlamento que mantinha a CESE em vigor porque existe em Portugal “uma situação desproporcionada de encargos e responsabilidades no quadro da energia”. Se a situação era desproporcionada, desproporcionada continuou com o recuo do governo na contribuição das renováveis proposta pelo Bloco e ainda mais desproporcionada fica agora, com a recusa do pagamento da CESE por parte da EDP.

“Hostilidade” da EDP não é nova

Como se não bastasse, a EDP acaba de aumentar os seus preços no mercado liberalizado em 2,5%, quando este ano (pela primeira vez em quase duas décadas) a tarifa elétrica regulada não registou qualquer aumento. O Presidente da República já prometeu posicionar-se perante este escândalo.

Na verdade, a postura hostil da EDP é de sempre - e não começou com este governo. É a do abuso contra os consumidores de energia a quem a empresa extrai os seus superlucros. E se o Estado é humilhado pela EDP quando esta recusa pagar o imposto devido, é o próprio governo que não se impõe quando ultrapassa os prazos legais para a revisão das rendas excessivas. Ao fim de dez anos a pagar os CMEC (custos de manuteñção do equilíbrio contratual) estas rendas deveriam ter sido revistas, por força de lei, em 2017.

Sem revisão dos CMEC, a fatura não baixou

O governo não cumpriu o calendário inscrito no artigo 170º da lei do orçamento para 2017: a ERSE não divulgou publicamente o estudo da revisão dos CMEC que devia ter publicado em julho e o governo não fechou o processo até ao final do ano. Assim, o corte nos CMEC é residual. Mas se a revisibilidade final dos CMEC já estivesse concluída em linha com as orientações divulgadas pela ERSE, a tarifa para 2018 teria tido uma redução relevante.

De facto, em outubro, a ERSE comunicou a entrega ao governo do “estudo sobre o cálculo do valor final dos CMEC”, apontando para uma redução de apenas 15 milhões anuais na parcela variável da remuneração. Essa redução foi entretanto foi refletida na tarifa. Mas o mais importante do comunicado do regulador era a proposta de um conjunto de medidas de governo que poderiam reduzir os encargos com CMEC em 500 milhões de euros. Nenhuma delas avançou até agora.

Porque falhou o prazo?

No debate quinzenal com o primeiro-ministro, Catarina Martins perguntou porque não foi ainda divulgado o estudo da ERSE e o que impediu a deliberação do governo sobre a revisibilidade final dos CMEC dentro do prazo legal. António Costa não se comprometeu com datas nem com resultados, muito menos com a adoção das recomendações da ERSE sobre a redução de encargos. Preferiu a estafada referência à “estabilidade contratual” e aos “nossos compromissos”. Neste caso, em que que os conselhos recebidos das instituições internacionais até vão no sentido correto, o PS faz orelhas moucas. Recorde-se que, em 2016, o relatório da OCDE sobre Portugal recomendava claramente "uma ação mais forte para reduzir esquemas de remuneração herdados do passado - através da renegociação desses contratos anteriores e da aceleração do calendário de retirada dos esquemas de preços garantidos – poderia resultar em preços da energia mais competitivos" (pg 37).

Em junho de 2017, o Parlamento aprovou, com a única abstenção do PSD, a resolução proposta pelo Bloco de Esquerda recomendando ao governo as iniciativas necessárias à eliminação das rendas excessivas no setor elétrico – seja “no âmbito do processo de revisibilidade final dos CMEC, seja mediante tributação específica do produtor - e que esse resultado se refletisse nas tarifas para o ano 2018 e seguintes”.

Para cortar as rendas não falta apoio regulatório, parlamentar ou europeu. Falta só vontade e coragem para enfrentar a EDP. Ou será que corrigir o abuso é inconveniente no momento em que a justiça investiga a criação destas rendas excessivas?

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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