Adeus Miguel

porValério Arcary

Neste 25 de abril sombrio e chuvoso em São Paulo, fui fazer uma palestra sobre a revolução portuguesa. Levei Miguel comigo, para que não me faltassem as forças.

29 de abril 2012 - 19:04
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Este foi o meu 25 de Abril mais triste de sempre.

Queria estar em Lisboa para dizer adeus, abraçado aos meus amigos de sempre.

Miguel nos deixou.

E ficamos todos mais sozinhos.

E o nosso mundo ficou menor, ficou mais pequeno, ficou mais escuro.

Ele era aquele que sempre nos animava com aquela alegria, uma luz imensa como o céu da Lisboa que ele tanto amava.

Tinha uma grandeza de horizontes.

Engajava-se com paixão em cada projeto, porque o Miguel só sabia viver assim, a mil, com pressa.

Vivia um caso de amor com o futuro.

Essa voracidade alimentou uma inteligência mordaz, feroz, conquistadora.

Mas quem conheceu o Miguel sabe que ele era um doce de pessoa.

Olho para trás, para o dia que o conheci no Liceu D. Pedro V, e ainda éramos imberbes.

A revolução nos fez adultos precoces.

Ela nos fez acreditar que era possível, e isso foi o bastante.

Empurrados pela história que nos despertou para a vida, mergulhamos na vertigem, à procura de um novo Abril.

Mesmo depois de tantos anos e tantas derrotas, Miguel era dos que sabiam que valia a pena perseverar.

Abraçamos a mesma promessa, mas seguimos estradas diferentes.

A distância nunca foi grande para nos separar.

Ao longo destes quase quarenta anos nossos reencontros, sempre que um de nós cruzava o Atlântico, foram uma felicidade.

E redescobríamos, um nos olhos do outro, o que a vida nos fez.

Miguel era muito divertido, e me ajudou muitas vezes a me fazer rir de mim mesmo.

É para que isso que os amigos servem.

Me lembro, comovido, da sua vibração militante, um corajoso.

Porque tudo no Miguel era intenso.

Tinha um entusiasmo incansável pela vida, e uma imaginação política incomum.

Tudo isso e muito mais, no Miguel, transbordavam.

Ele sempre foi avassalador.

É assim que quero recordá-lo.

Tudo isso nos unia.

Não fosse o bastante, quis a ironia da vida que, em momentos diferentes, o amor pela mesma mulher, também nos uniu.

Nesta quarta feira, um 25 de abril sombrio e chuvoso em São Paulo, fui fazer uma palestra sobre a revolução portuguesa em um Teatro.

Levei Miguel comigo, para que não me faltassem as forças.

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