Este foi o meu 25 de Abril mais triste de sempre.
Queria estar em Lisboa para dizer adeus, abraçado aos meus amigos de sempre.
Miguel nos deixou.
E ficamos todos mais sozinhos.
E o nosso mundo ficou menor, ficou mais pequeno, ficou mais escuro.
Ele era aquele que sempre nos animava com aquela alegria, uma luz imensa como o céu da Lisboa que ele tanto amava.
Tinha uma grandeza de horizontes.
Engajava-se com paixão em cada projeto, porque o Miguel só sabia viver assim, a mil, com pressa.
Vivia um caso de amor com o futuro.
Essa voracidade alimentou uma inteligência mordaz, feroz, conquistadora.
Mas quem conheceu o Miguel sabe que ele era um doce de pessoa.
Olho para trás, para o dia que o conheci no Liceu D. Pedro V, e ainda éramos imberbes.
A revolução nos fez adultos precoces.
Ela nos fez acreditar que era possível, e isso foi o bastante.
Empurrados pela história que nos despertou para a vida, mergulhamos na vertigem, à procura de um novo Abril.
Mesmo depois de tantos anos e tantas derrotas, Miguel era dos que sabiam que valia a pena perseverar.
Abraçamos a mesma promessa, mas seguimos estradas diferentes.
A distância nunca foi grande para nos separar.
Ao longo destes quase quarenta anos nossos reencontros, sempre que um de nós cruzava o Atlântico, foram uma felicidade.
E redescobríamos, um nos olhos do outro, o que a vida nos fez.
Miguel era muito divertido, e me ajudou muitas vezes a me fazer rir de mim mesmo.
É para que isso que os amigos servem.
Me lembro, comovido, da sua vibração militante, um corajoso.
Porque tudo no Miguel era intenso.
Tinha um entusiasmo incansável pela vida, e uma imaginação política incomum.
Tudo isso e muito mais, no Miguel, transbordavam.
Ele sempre foi avassalador.
É assim que quero recordá-lo.
Tudo isso nos unia.
Não fosse o bastante, quis a ironia da vida que, em momentos diferentes, o amor pela mesma mulher, também nos uniu.
Nesta quarta feira, um 25 de abril sombrio e chuvoso em São Paulo, fui fazer uma palestra sobre a revolução portuguesa em um Teatro.
Levei Miguel comigo, para que não me faltassem as forças.