Conheci o Miguel em 1998. Precisava de um apresentador para a série “Mar das Índias” e o Miguel foi a minha escolha. Começámos a rodagem, já não me lembro qual foi a ordem de sítios a filmar , mas sei que estávamos num qualquer lugar da Índia quando surgiu a notícia: o Miguel ficara retido em Lisboa… pela política. A articulação destas duas artes foi sempre um empecilho.
Fomos adiantando as filmagens nas grutas de Elora e o Miguel finalmente aterrou vindo de Lisboa. Expliquei-lhe a minha Índia. O Miguel apanhou-a rapidamente e, também muito rapidamente reproduziu-a.
E assim continuamos a rodagem pelo Iémen, pela Etiópia, pela Tanzânia e por Moçambique.
Naqueles anos, viajar pela Etiópia era como passear pela Bíblia, mas era, também, ver e cheirar o Inferno. Não um inferno literário, mas um inferno que, afinal, existe e que está bem perto de nós… é aqui na Terra.
O Miguel provava e adorava todas as comidas e nunca ficava doente. Nós, os acautelados, os bem comportados, lá íamos aguentando a viagem à força de Dimicina.
Passado uns anos, o Miguel inventou o que viria a ser a série “Périplo” e convidou-me para ser o realizador. Foi duro aturar e enganar as ditaduras da Líbia, da Síria, do Egito e os seus fiéis associados… Durante estes trabalhos, duros, exigentes, a política intrometia-se sempre e fazia o Miguel chegar às filmagens, quase sempre, tarde ou exausto. À noite, no hotel, eu contava-lhe a “realidade”, ele imaginava-a e lá íamos gravando os pivots.
Muitas vezes me confessou a vontade de fazer mais séries e, quando passava por minha casa, naquele frenesim que todos lhe conhecíamos, esticava-se no chão com a cabeça pousada na almofada de kilim que tínhamos trazido de Damasco e eu punha a tocar a “Arte da Fuga” de J.S. Bach, no piano de Alice Adler, de que muito gosto…
A obra termina num grandioso sobressalto. Também o Miguel saiu da minha vida como a música de Bach. De repente… num sobressalto.