Índia: Neoliberalismo e sistema de castas

24 de May 2014 - 15:52

Narendra Modi é o novo primeiro-ministro da Índia. O seu partido, o direitista Bharatiya Janata (BJ), triunfou espetacularmente nas últimas eleições e conseguiu a maioria absoluta no parlamento. Esta vitória deve-se a um facto fundamental: nos últimos 20 anos, o BJ e Modi promoveram o fundamentalismo nacionalista hindu. Por Alejandro Nadal

porAlejandro Nadal

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Nos últimos 20 anos, o BJ e Modi promoveram o fundamentalismo nacionalista hindu

O capital apresenta-se como força de progresso no terreno material e político. E até no âmbito religioso, o capital ostenta-se como fator próximo de uma visão secular da sociedade. Mas quando acha conveniente apoia-se nas forças mais reacionárias e retrógradas, inclusive no fanatismo religioso. Em dado momento tudo lhe pode ser útil, desde o fascismo até ao sistema de castas. Mas cuidado, alguns aliados não gostam que tentem domesticá-los.

Narendra Modi é o novo primeiro-ministro da Índia. O seu partido, o direitista Bharatiya Janata (BJ), triunfou espetacularmente nas últimas eleições e conseguiu a maioria absoluta no parlamento. Esta vitória deve-se a um facto fundamental: nos últimos 20 anos, o BJ e Modi promoveram o fundamentalismo nacionalista hindu. A sua visão do Estado baseia-se numa reinterpretação da história e na ideia de uma hegemonia cultural indiana. A palavra-chave é Hindutva, que se traduz como as características essenciais do hindu.

O BJ teve várias experiências no poder: a nível nacional esteve no comando entre 1998-2004, convertendo-se no primeiro partido que derrotou o partido do Congresso, marcado pela dinastia Nehru. Durante a sua gestão, o BJP impôs a viragem irreversível para o neoliberalismo. A nível estatal (especialmente em Gujarat) o BJ também aplicou uma linha dura para promover o Hindutva.

O descalabro eleitoral a nível nacional em 2004 convenceu a direção do BJ sobre a necessidade de mudar de estratégia. A postura moderada em assuntos religiosos foi culpada por essa derrota. Tinha chegado o momento de adotar uma atitude mais militante e decidiram o regresso ao Hindutva

O descalabro eleitoral a nível nacional em 2004 convenceu a direção do BJ sobre a necessidade de mudar de estratégia. A postura moderada em assuntos religiosos foi culpada por essa derrota. Tinha chegado o momento de adotar uma atitude mais militante e decidiram o regresso ao Hindutva. O estado de Gujarat converteu-se em laboratório político do novo enfoque.

Em 2002 produziram-se choques entre muçulmanos e indianos em Gujarat com um saldo de 2 mil mortos e múltiplos atos de barbárie. O governador de Gujarat era Narendra Modi e esteve à cabeça da lista de suspeitos de ter tolerado e incitado à violência. Uma investigação especial ilibou-o de todas as acusações, em 2012, mas muitas pessoas pensam que esse inquérito suprimiu provas que o incriminavam: vários chefes da polícia distribuíram, em diversas comunidades, panfletos com nomes e moradas de muçulmanos, inflamando os ânimos para o linchamento. Muitos analistas estão convencidos de que Modi e os seus amigos foram co-responsáveis por uma tentativa de limpeza étnica.

O neoliberalismo é o mesmo, seja na versão do partido do Congresso (com Manmohan Singh à cabeça) ou na do BJ. Ambos os partidos creem nas virtudes do livre mercado, preferem as grandes empresas (nacionais ou estrangeiras), as privatizações, o corte na despesa pública e em especial da despesa social e as suas prioridades estão submetidas ao capital financeiro. Mas o BJ propõe um novo componente para a ideologia neoliberal. Na sua visão da economia política, a afirmação do Hindutva é a chave para o crescimento do PIB e para a prosperidade. O ressurgimento do fundamentalismo hindu seria agora a chave do progresso económico e a saída da pobreza para as massas do subcontinente.

O neoliberalismo é o mesmo, seja na versão do partido do Congresso ou na do BJ. Mas o BJ propõe um novo componente para a ideologia neoliberal. O ressurgimento do fundamentalismo hindu seria agora a chave do progresso económico

A vitória eleitoral deste fundamentalismo pode soar a estranho, mas é explicável pelo desencanto com o desempenho neoliberal dos últimos anos. O partido do Congresso carregou com a fatura da estagnação provocada pela crise e pelas contradições do modelo neoliberal. A desigualdade crónica (hoje em agravamento) acrescentou mais um ingrediente à mistura explosiva.

O fundamentalismo hindu apoia-se no sistema de castas, o que foi decisivo para manter a exploração social. Todas as grandes experiências de dominação reconduziram o sistema de castas para cimentar as novas formas de espoliação. Os média, o ressurgimento ideológico e o atraso político foram importantes para consegui-lo. Um erro trágico da esquerda institucional na Índia foi deslocar-se para a direita e abandonar a bandeira da erradicação do sistema de castas.

Um erro trágico da esquerda institucional na Índia foi deslocar-se para a direita e abandonar a bandeira da erradicação do sistema de castas

Desde a sua origem o sistema de castas na Índia serviu para manter a opressão e facilitar a exploração. A sua ordem hierárquica baseada no patriarcado e na manutenção das clientelas é particularmente útil para conservar uma ordem propícia aos espoliadores. A desigualdade é a sua essência e a sua base é a crença em forças universais com um esquema de organização em que cada pessoa nasce no seu lugar próprio. É um excelente disfarce da exploração de classes que hoje é reconduzido para acompanhar os dogmas neoliberais da prosperidade para alguns e permitir o triunfo das forças reacionárias do Bharatiya Janata.

Um último ponto. Durante o primeiro governo do BJ, em 1998, foram autorizadas duas séries de testes nucleares. Hoje a Índia possui entre 80 e 100 ogivas nucleares implantadas em mísseis balísticos e em aviões de combate. Tudo isso para encher de orgulho o peito nacionalista e a fé religiosa que, como dizia Gramsci, degenerou em superstição.

Artigo de Alejandro Nadal, publicado em 21 de maio de 2014 no jornal “La Jornada”. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

Alejandro Nadal
Sobre o/a autor(a)

Alejandro Nadal

Economista, professor em El Colegio do México.