Serrana d’Ayre, Rosa Silvestre, Helena Torres ou, simplesmente, MARIA LAMAS

06 de December 2016 - 11:04

No dia em que passam 33 anos da sua morte, recordamos Maria Lamas e a sua divisa “Sempre mais alto” que escolhera como mote de vida. Artigo de Margarida Moleiro.

porMargarida Moleiro

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Maria Lamas
Maria Lamas discursando numa sessão do Congresso da Paz, 1957. Imagem recolhida a partir de frame da entrevista conduzida por Maria Antónia Palla e Antónia de Sousa, no programa Nome de Mulher: Maria Lamas, gravado para a RTP, em 1974.

«Olhei à minha volta e comecei a reparar melhor nas outras mulheres:
umas resignadas e heróicas na sua coragem e silêncios…»*

«havia, por momentos, a sensação esmagadora da injustiça e do sofrimento que ao longo do milénio têm ferido e ferem ainda, na maior parte do Mundo,
a metade feminina do género humano.»**

Maria Lamas

 

 

 

33 anos passados da morte de Maria Lamas, fica a doce lembrança de um sorriso meigo e de um indicador em riste, que se levantava para dar força às palavras proferidas… E permanece o legado inspirador de uma vida de luta pelos direitos das Mulheres, pela Paz, pela Liberdade.

Maria da Conceição Vassalo e Silva da Cunha Lamas, nascida em Torres Novas, em 1893, foi autora de romances e contos infantis, tradutora, jornalista, editora, ativista política.

Entre outros trabalhos e projetos, criou revistas infantis e dirigiu a Modas e Bordados, transformando a revista num espaço para "escutar" as mulheres, num movimento silencioso e subtil de transformação pelas mulheres portuguesas que, responsáveis pela educação dos filhos, surgiam como motor de uma engrenagem mais vasta de mudança nas mentalidades e nas práticas quotidianas.

Maria Lamas era uma mulher de causas e de ação, pensava os projetos e punha-os em andamento: organizou exposições (como «Mulheres Portuguesas − Exposição da obra feminina antiga e moderna de carácter literário e scientifico», em 1930, ou a exposição de livros escritos por mulheres de todo o mundo, em 1947), dirigiu e colaborou em numerosos periódicos e, a partir dos anos 40, teve uma ativa intervenção cívica e política no Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, no Movimento Democrático de Mulheres e no Movimento Unidade Democrática.

Ainda na década de 40, empreendeu uma grande viagem pelo país em busca das suas «irmãs portuguesas», da professora à operária, de Lisboa a Trás-os-Montes e ilhas. A edição do retrato social (real) d’ As mulheres do meu país (1948-50) foi a sua resposta à indiferença do governo em relação à condição feminina em Portugal e ao encerramento do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas.

Tendo assistido às duas guerras mundiais e ao desespero do espectro de uma guerra nuclear, nos anos 50, Maria Lamas assumia a sua militância pela Paz: proferiu conferências, esteve na fundação da Comissão Nacional para a Defesa da Paz e foi membro do Conselho Mundial da Paz, posição que lhe abriu as portas para a participação em congressos vários, muitos deles hoje considerados históricos, como o Congresso dos Povos para a Paz (em Viena, em 1952) ou a Conferência Mundial Contra as Bombas A e H e pelo Desarmamento (em Tóquio, em 1957).

Tendo sido presa várias vezes pela PIDE, momentos que a debilitaram e a levaram a estados de depressão e de quase loucura, Maria Lamas refugiou-se, então, na Madeira e acabou por exilar-se, em 1962, em Paris, onde recebia portugueses de todos os quadrantes sociais: intelectuais, artistas, políticos e outros emigrantes que aí chegavam em busca de trabalho. Estava alojada num hotel no Quartier Latin, perto da Sorbonne, no coração das manifestações do Maio de 68, a que assistiu esfusiante, jovem – apesar dos seus quase 75 anos – e entusiasmada com os novos amanhãs que se cantavam.

Maria Lamas
Maria Lamas. Foto de Isabel Soares.

Com o 25 de Abril de 1974, Maria Lamas rejuvenesce, participando em movimentos democráticos, com grande esperança no futuro do país: «senti [no dia 25 de Abril] uma alegria diferente: uma alegria de viver […] foi qualquer coisa de novo que surgiu na terra portuguesa. […] Portugal vai nascer das suas próprias amarguras. Vai fazer um caminho de Paz. Não há força nenhuma que possa destruir as raízes de um futuro de democracia verdadeira…»***, dizia Maria Lamas aos 81 anos, em entrevista à RTP, expressando uma vontade arrebatada, vibrante, de viver, de fazer parte deste novo Portugal de «liberdade autêntica»***.  

Recordamos hoje Maria Lamas, lembrando a sua divisa “Sempre mais alto” que escolhera como mote de vida. Relemos a sua biografia, o seu álbum, como património imaterial, intemporal, como inspiração para as lutas de hoje.

 «Apesar do sofrimento, estou convencida de que as únicas coisas que valem a pena na vida são sonhar e lutar.»
Maria Lamas, Torres Novas - 6 outubro de 1893/Lisboa-6 dezembro de 1983

Notas:

*Maria Lamas, As Mulheres do Meu País, Lisboa: Actualis, 1948-1950, p. 5

**Maria Lamas, A Mulher no Mundo, Rio de Janeiro: Livraria Ed. Casa do Estudante do Brasil, 1952-1954, 646

***Maria Lamas, em depoimento oral, recolhido em entrevista por Maria Antónia Palla e Antónia de Sousa - Nome de Mulher: Maria Lamas. RTP, 1974.

 

Margarida Moleiro
Sobre o/a autor(a)

Margarida Moleiro

Diretora do Museu Carlos Reis - Torres Novas, Técnica Superior de Cultura