Cortar acesso a internet viola direitos humanos, alerta ONU

20 de August 2022 - 14:49

Bloqueios impostos pelos governos causam danos profundos à vida quotidiana de milhões de pessoas e põem em causa direitos humanos, em primeiro lugar o direito à liberdade de expressão.

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Foto de Trusted Reviews.

De acordo com o relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, muitas vezes, “os principais canais de comunicação ou redes de comunicação inteiras são retardados ou bloqueados, às vezes sem reconhecimento ou justificação oficial”, privando milhares ou mesmo milhões de pessoas “do seu único meio de alcançar seus entes queridos, continuar o seu trabalho ou participar em debates políticos ou tomadas de decisão”.

O seu “alcance indiscriminado e amplos impactos”, implica que, muito raramente atendem aos requisitos fundamentais de necessidade e proporcionalidade”. Na realidade, “os seus impactos adversos em vários direitos muitas vezes estendem-se além das áreas ou períodos da sua implementação, tornando-os desproporcionais, mesmo quando se destinam a responder a ameaças genuínas”, acrescenta a ONU.

No documento é assinalado que “o surgimento e a disseminação de bloqueios da Internet devem ser vistos no contexto de um cenário digital em evolução que apresentou imensos desafios para os direitos humanos e contribuiu para o retrocesso democrático em todas as regiões do mundo”. E que os mesmos têm vindo a complementar “outras medidas digitais usadas para suprimir a dissidência, como censura, filtragem sistemática de conteúdo e vigilância em massa, bem como o uso de exércitos de trolls patrocinados pelo governo, ataques cibernéticos e vigilância direcionada contra jornalistas e defensores dos direitos humanos”.

“Um desastre para a democracia”

Muitas dos bloqueios são impostos em momentos de protestos e tensões políticas elevadas, incluindo eleições. Conforme alerta a coligação #KeepItOn, embora o corte no acesso à internet durante as eleições sejam “um desastre para a democracia”, as autoridades governamentais continuam a impô-las antes, durante ou imediatamente após uma votação.

Em 2021, o grupo documentou sete cortes da Internet relacionados com eleições em seis países: Chade, República do Congo, Irão, Níger, Uganda e Zâmbia.

Berhan Taye, investigador independente que aconselha grupos de direitos digitais, explica que os cortes de internet “acontecem quando os países estão em período eleitoral, quando há protestos nas ruas e quando há uso excessivo da força pela aplicação da lei, quando há exames escolares”.

"Acho que temos que voltar à questão de por que os cortes acontecem. Eles normalmente escondem violações flagrantes dos direitos humanos”, frisa.

Taye, que é etíope e tem vindo a monitorizar as violações de direitos humanos durante o conflito na região de Tigray, refere que os cortes de internet têm um grande impacto em muitos direitos humanos, afetando desde o direito das pessoas de entrar em contacto com parentes e entes queridos durante emergências ou a aceder a serviços de saúde.

“Os governos podem usar (os cortes da internet) como justificativa para a segurança nacional, mas o que realmente sabemos é que quando a internet é desligada, ocorrem violações de direitos humanos”, aponta Taye.

No caso de áreas afetadas por conflitos, bloquear o acesso a ferramentas digitais utilizadas para documentar e denunciar abusos pode contribuir para mais violência e encobrir atrocidades em zonas de conflito, acrescenta o investigador.

Em Myanmar, o acesso à internet foi interrompido durante o golpe militar de 1º de fevereiro de 2021, o que foi denunciado por especialistas denunciaram como uma tentativa de estabelecer uma “ditadura digital”. As restrições tiveram um impacto severo em muitas liberdades e restringiram os direitos humanos de mais de 50 milhões de pessoas, incluindo o direito à segurança, proteção, saúde, educação, alimentação, abrigo, sustento e liberdade de expressão. O corte de internet condicionou também o trabalho de jornalistas e investigadores que documentam violações de direitos humanos.

Em agosto de 2021, em plenas eleições, o governo da Zâmbia bloqueou o acesso a redes sociais e desativou várias páginas de internet dos media, privando milhões de zambianos do direito à liberdade de expressão e acesso à informação. Susan Mwape, ativista de direitos digitais na Zâmbia, afirmou que o corte foi um caso claro de policiamento do ciberespaço e de repressão das vozes críticas ao governo. A Chapter One Foundation entrou com uma ação contestando a interrupção da Internet no dia da eleição e, dois dias depois, o Supremo Tribunal da Zâmbia ordenou que o governo restaurasse o acesso à Internet imediatamente. A decisão foi uma importante vitória contra os ataques à democracia.