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Washington assiste impotente à intervenção do Irão no Iraque

Diante do desmoronamento do Exército iraquiano, foram as milícias xiitas, organizadas, armadas e dirigidas por oficiais iranianos, que detiveram o avanço do Estado Islâmico em direção a Bagdade. Por Luis Leiria
O general iraniano Qassim Suleimani passou mais tempo no Iraque que no Irão desde o verão do ano passado. Foto Isna
O general iraniano Qassim Suleimani passou mais tempo no Iraque que no Irão desde o verão do ano passado. Foto Isna

Doze anos depois da invasão do Iraque pelas tropas dos EUA, do Reino Unido e de outros países, o governo de Bagdade não controla um terço do seu território, o Exército iraquiano derreteu-se há menos de um ano, diante da ofensiva do Estado Islâmico, e a mais importante operação militar contra esta organização tem predominância das milícias xiitas, e não do que resta das tropas iraquianas. Mais: os cerca de 30 mil militares envolvidos na tentativa de reconquistar a cidade de Tikrit ao Estado Islâmico, que está atualmente em curso, são comandados não pelos oficiais iraquianos, mas por militares vindos do Irão, com destaque para o general Qassim Suleimani e outros do Corpo da Guarda Revolucionária daquele país.

Uma extraordinária realização”

Ora foi há pouco mais de três anos, no final de 2011, que as últimas tropas dos Estados Unidos saíram do Iraque, saudadas pelo presidente Barack Obama, que definiu o momento como histórico e afirmou que os Estados Unidos deixavam atrás “uma extraordinária realização”.

Diante de uma audiência de militares em Fort Bragg, o presidente afirmou que chegara ao fim um dos mais extraordinários capítulos da história militar americana. E que o futuro do Iraque estaria nas mãos do seu povo. “A guerra da América no Iraque acabou”, anunciou.

Hoje, Washington assiste, sem interferir, à intervenção do Irão em apoio às milícias xiitas do Iraque, fornecendo oficiais e armamento. Sem este apoio, o avanço do Estado Islâmico poderia ter sido catastrófico e chegado a Bagdade.

Nessa altura, a tensão entre Washington e Teerão estava num dos seus pontos mais altos, com os EUA a decretarem novas sanções económicas ao Irão, e a União Europeia a anunciar um embargo ao petróleo iraniano em resposta ao programa de enriquecimento de urânio deste país.

Hoje, Washington assiste, sem interferir, à intervenção do Irão em apoio às milícias xiitas do Iraque, fornecendo oficiais e armamento. Sem este apoio, o avanço do Estado Islâmico poderia ter sido catastrófico e chegado a Bagdade. E a atual contraofensiva iraquiana não teria ocorrido.

20 mil milhões de dólares desfeitos no ar

Esta é talvez a melhor demonstração de que a “extraordinária realização” dos Estados Unidos nada durou, e que os mais de 20 mil milhões de dólares gastos por Washington na reconstrução do Exército iraquiano se desfizeram no ar no verão de 2014, quando quatro divisões do Exército iraquiano debandaram quase sem combate diante do avanço do Estado Islâmico.

A marcha do EI só foi detida pela mobilização das milícias xiitas, organizadas, treinadas e armadas pelos militares do Irão – o general iraniano Qassim Suleimani passou mais tempo no Iraque que no Irão desde o verão do ano passado.

Nalgum momento as milícias xiitas e os iranianos vão pedir contrapartidas.

“A atividade dos iranianos e o apoio que têm dado às forças de segurança iraquianas é positiva em termos militares contra o EI – mas todos estamos preocupados com o que acontecerá quando os tambores deixarem de bater, o EI for derrotado, se o governo iraquiano continuará a governar de forma inclusiva para todos os vários grupos”, disse em Washington o chefe de Estado Conjunto, general Martin Dempsey.

Ouvido pela CNN, Christopher Harmer, do Instituto para o Estudo da Guerra, sublinhou que “se a operação em Tikrit for bem sucedida, vai representar muitos problemas à legitimidade do governo iraquiano. Nalgum momento as milícias xiitas e os iranianos vão pedir contrapartidas.”

Será que a saída do Irão da lista dos países que os EUA acusam de patrocinar o terrorismo é já um resultado disto?

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Neste dossier:

O Iraque 12 anos depois da invasão

Foi há 12 anos que as tropas comandadas pelos EUA e o Reino Unido invadiram o Iraque, numa ação militar que parecia um passeio e se tornou no pior dos pesadelos. Um inferno desde logo para o massacrado povo iraquiano, mas também para Washington, que acumula desastres e hoje, 3 anos depois da saída das suas tropas, assiste impotente às vitórias do Estado Islâmico e ao crescimento da influência do Irão. Esse é o tema deste dossier, coordenado por Luis Leiria.

Tanques dos EUA entram em Bagdade. Parecia um passeio. Só parecia. Foto de: Technical Sergeant John L. Houghton, Jr., United States Air Force - http://arcweb.archives.gov/

Invasão do Iraque: crime de guerra

Há doze anos uma coligação dos EUA e seus lacaios europeus invadiram o Iraque. “Crime de Guerra” foi, na altura, uma tentativa a quente de caracterização do ato sem precedentes (Afeganistão incluído) de violação ostensiva e consentida das regras de relacionamento internacional inscritas na Carta da ONU. Por Mário Tomé

A mentira inicialmente repetida como um refrão; a euforia das semanas da invasão, com os bombardeamentos e o avanço dos tanques pintados como uma “libertação”.

(Ex)citações de apoio à guerra

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Cronologia: da invasão ao Estado Islâmico

Entre janeiro de 2002 e março de 2015, 13 anos de cronologia. Da invasão e derrube de Saddam Hussein à explosão da guerra civil; do proconsul Paul Bremmer ao governos de Al-Maliki; da saída das tropas dos EUA à conquista de amplo território pelo Estado Islâmico.  

Execuções em massa divulgadas em vídeo para provocar pavor

Estado Islâmico: Gestores de selvajaria

A brutalidade sectária do Estado Islâmico (EI) permitiu ao presidente sírio, Bashar al-Assad, fazer-se passar dissimuladamente por vítima: o incendiário que aparece como um bombeiro. Artigo de Muhammad Idrees Ahmad, publicado no In These Times.

Abu Baqr al-Baghdadi declarou o califado em 29 de junho do ano passado.

O dinheiro do petróleo do Golfo está a sustentar o Estado Islâmico

Doadores privados de Estados do Golfo ajudam a suportar salários de até 100.000 combatentes do EI. Por Patrick Cockburn.

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O Estado Islâmico e a tentação do zero

Aquele que mata um homem – ou mil – é um assassino; o que destrói a memória da humanidade é pura Natureza: opera como esses cataclismos que, segundo Platão, destruíam a cada 10.000 anos a civilização, obrigando um punhado de “homens toscos e ásperos” a começar de novo. Por Santiago Alba Rico, Quarto Poder