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A vitória de Amlo e os desafios do México
As sondagens davam-lhe durante a campanha uma margem de vitória confortável, mas não era a primeira vez. Também em 2006, na sua primeira candidatura à presidência do México, Andrés Manuel López Obrador (ou Amlo, como se apresenta) partiu para a noite eleitoral com vantagem sobre Felipe Calderón. O anúncio da derrota por meio ponto percentual e as acusações de fraude na votação eletrónica fizeram-no contestar o resultado e chegou mesmo a formar um “governo legítimo” nas semanas seguintes.
Mas, desta vez, a “Amlomania” propagada em hashtag nas redes sociais foi imparável nas urnas, com 53%, mais de 30 milhões de votos e 30 pontos percentuais de vantagem sobre Ricardo Anaya, do PAN. López Obrador perdeu apenas em um dos 32 estados mexicanos — a vitória em Guanajuato coube ao terceiro candidato mais votado a nível nacional, José Antonio Meade, do PRI.
Com a eleição de Amlo, fica fechado o “círculo da alternância” na política mexicana, sublinha o historiador e sociólogo Massimo Modonesi num dos artigos deste dossier em que descreve os principais eixos da campanha e as alianças que Obrador foi tecendo para conseguir o seu objetivo. Veja também um artigo do jornal brasileiro Brasil de Fato sobre o novo presidente mexicano, escrito durante a campanha. E as análises dos jornalistas Guillermo Almeyra e Renaud Lambert sobre a importância das lutas sociais mexicanas na eleição de Obrador e a forma com oevoluiu ao discurso do candidato durante a campanha eleitoral.
À sua frente no Zócalo, a Praça da Constituição, Amlo encontrará uma velha aliada: Claudia Sheinbaum, que foi sua porta-voz na campanha de 2006 e com quem fundou o partido Morena, tornou-se a primeira mulher eleita para chefe de governo da Cidade do México, numa viragem que tirou o PRD do poder ao fim de duas décadas. Saiba aqui quem é a nova governante da capital mexicana, que tem estatuto de estado.
A vitória da coligação “Juntos Faremos História”, que uniu o Morena com o PT e o PES, foi igualmente retumbante na eleição para a Câmara dos Deputados e para o Senado, onde estes partidos obtêm maioria absoluta. E pela primeira vez na história da democracia mexicana, ambos os órgãos legislativos terão paridade quase absoluta (as mulheres ocuparão 49.2% dos lugares no Senado e 48.6% na Câmara dos Deputados).
Fora da corrida eleitoral, graças a um sistema quase proibitivo para as candidaturas independentes, ficou a representante das comunidades indígenas, apoiada pelos zapatistas. María de Jesús Patrício Martínez, conhecida como Marichuy, percorreu as comunidades durante meses, passando mais tempo a ouvir do que a apresentar a sua agenda feminista e contra a repressão e o roubo de que são vítimas os povos indígenas no México. Conseguiu recolher 280 mil das 860 mil assinaturas necessárias para aparecer no boletim de voto.
Estas foram as eleições mais violentas de sempre no México. Para além do lugar presidencial, estavam em jogo mais de 3000 cargos políticos ao nível local e regional. E é a este nível que os grupos de crime organizado, em geral ligados ao narcotráfico, têm mais facilidade em influenciar a política. Desde o início da campanha eleitoral, foram assassinados 136 políticos, entre eles 48 candidatos e pré-candidatos. O mais conhecido acabou por ser Fernando Purón, do PRI, à saída de um debate onde insistiu no seu combate ao grupo Los Zetas, baleado nas costas no momento em que tirava uma selfie com um apoiante.
A violência do narcotráfico faz parte do quotidiano do México e está a agravar-se. No ano passado foram contabilizados mais de 25 mil assassinatos, o número mais alto desde 1997, quando o governo passou a divulgar esta contabilidade oficial. É o resultado da “guerra às drogas”, potenciada pelo presidente que ganhou as eleições contestadas de 2006. Uma das primeiras decisões de Felipe Calderón foi colocar os militares a combater os grandes cartéis de narcotraficantes. O resultado foi a pulverização do crime em pequenos grupos que disputam território e rotas do tráfico usando meios cada vez mais violentos. Uma das profissões de alto risco é a de jornalista, nos poucos meios de comunicação que ainda tentam ir ao fundo das investigações sobre a influência do narcotráfico no México. Neste dossier, publicamos a reportagem de Jéssica Hernandéz e Antonio Olalla sobre o quotidiano do jornalismo no estado de Sinaloa, um dos mais afetados pela sangria de violência.
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