Desde o princípio do século XX que se agravam as condições de vida do povo português. As migrações rurais, na maioria no sentido de Lisboa, têm um peso enorme na vida do país. A instabilidade política e a guerra civil de baixa intensidade que se arrasta agravam a situação. A crise financeira, o advento do Estado Novo, a concentração capitalista têm consequências pesadas, fazendo com que os anos 30 e 40 do século XX em Portugal sejam de grande crise e pobreza para o povo português.
A situação das classes mais desfavorecidas, dos estratos mais vulneráveis da população era de tal modo precária que não podia deixar de chamar a atenção dos literatos e artistas em Portugal. Mais do que uma corrente intelectual, do que uma resposta a este ou aquele movimento artístico, mais do que a expressão de uma força política, o movimento neo-realismo foi a expressão de uma solidariedade, de uma tomada de posição perante o sofrimento agravado do povo português. Mário Dionísio disse que apareceu espontaneamente, não por encomenda deste ou daquele. Impôs-se o sentimento de dar conteúdo à arte, como demonstram as polémicas sobre o primado do conteúdo ou da forma na arte, bastante acesas e de inegável interesse.
É importante sublinhar aquilo que um observador atento, sem ideias pré-concebidas, confirma com facilidade: o âmbito do neo-realismo é bastante mais vasto do que muitas vezes se apresenta. Figuras como Ferreira de Castro, Aquilino Ribeiro e José Rodrigues Miguéis produziram obras que devem ser consideradas como fazendo parte da literatura neo-realista, sem qualquer espécie de dúvida. No cinema, por exemplo na fase inicial da obra de Manuel de Oliveira, denotam-se preocupações afins ao movimento.
E, ao contrário do que alguns propalam, o neo-realismo não se pode reduzir a uma literatura regional, do Alentejo ou do Ribatejo. Não se pode esquecer a importância da revista Sol Nascente, fundada por estudantes do Porto e editada naquela cidade de 1937 a 1940, ou da Vértice, que aparece em Coimbra em 1942, entre outras publicações. E que o Novo Cancioneiro, também editado em Coimbra pela mesma altura, incluiu poetas de todo o país. Ainda em Coimbra são numerosas as publicações próximas do neo-realismo, a maioria, é verdade, de vida efémera: Altitude, Cadernos de Juventude, Síntese. Em Lisboa destaca-se O Diabo.
Nos principais autores do neo-realismo detecta-se a vontade de alargar os horizontes do seu imaginário. Alves Redol, ribatejano, cuja primeira obra foi uma monografia de Glória do Ribatejo, que planeava metodicamente o seu trabalho, escreveu os romances do ciclo Port-Wine, tendo-se deslocado ao Douro propositadamente para melhor conhecer o meio. A Barca dos Sete Lemes denota o seu desejo de colocar os seus personagens num universo mais largo. Manuel da Fonseca, poeta genial, discípulo de Lorca, contista exímio, admirador de Jack London, é sem sombra de dúvida um escritor universal. O Largo será um largo alentejano, mas também pode ser um largo de qualquer parte do mundo. Cerromaior será talvez Santiago do Cacém, mas pode ficar na América, ou na Europa. Soeiro Pereira Gomes, que morreu tão cedo, com uma vida dramática, mostrou-nos uns meninos de Alhandra tão genuínos, que lhe quiseram por força atribuir influências dos capitães da areia de Jorge Amado, que ele nem tinha lido na altura.
O neo-realismo cumpriu o papel de denúncia do sofrimento do povo português. Mostrou o papel que podem ter a arte e a cultura em geral na luta social e política. Não foi propriedade de ninguém, nem mesmo exclusivo de Portugal. Foi o contributo da cultura para apoiar o povo a que seus agentes pertenciam.