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UKIP: Um terreno fértil para o racismo

O sucesso do UKIP nas eleições municipais do último mês sublinharam a sua deslocação das margens para passar a ser uma força mais significativa. Tash Shifrin olha para as raízes do seu aparecimento e como devemos responder a este fenómeno.
O UKIP pertence à quarta linha: partidos eleitoralistas populistas que fazem um apelo “nativista” racista e anti-estrangeiros, visando em particular os imigrantes e os muçulmanos. Na Foto: O líder do UKIP, Nigel Farage, numa ação de rua do seu partido.

Tivemos um terrível mês de maio encharcado por uma dupla onda de racismo. A 3 de maio o racista UKIP navegou numa grande maré viva, fazendo com que os seus 25% da votação nas eleições municipais dos condados o tornassem o novo terceiro partido na política inglesa. O triunfo do partido seguiu-se a uma campanha baseada na fobia contra os imigrantes.

Maio terminou com uma enorme onda de islamofobia após o assassinato de Woolwich que injectou nova vida na English Defence League (EDL). Os violentos racistas e fascistas da EDL  estão a surfar a onda, a sua confiança suficientemente alta para vencer as anteriores divisões e desmoralização da organização. É de novo uma séria ameaça. A EDL é perigosa e o seu reaparecimento deve ser levado a sério. A EDL é, pelo menos, familiar entre os leitores da Socialist Review, muitos dos quais têm estado envolvidos na mobilização contra ela.

O crescimento do UKIP apresenta-nos algo novo e diferente. É importante ver como difere dos seus semelhantes do BNP (British National Party) e da EDL, assim como as diferentes linhas na extrema-direita racista se relacionam entre si.

É a primeira vez que o UKIP deu um grande salto nas eleições locais, uma mudança do seu foco tradicional no Parlamento Europeu. Apresentou mais de 1700 candidatos nas eleições para os condados, recebendo 25% dos votos nos locais onde concorreu. Atualmente tem 147 conselheiros (county councillors), enquanto em 2009, a última vez que se realizaram eleições para os mesmos órgãos, apenas tinha oito. O UKIP tornou-se o segundo maior partido nos condados de Kent, Lincolnshire e Norfolk.

As eleições de maio foram nos condados tradicionalmente conservadores (Tory) e, portanto, o resultado não representa o país como um todo. A BBC calculou em 23% a “percentagem nacional projectada” para o UKIP, atrás dos trabalhistas com 29% e dos conservadores com 25%, mas muito à frente dos 14% dos LibDem. Os especialistas em sondagens Rollins e Thrasher, cujos dados são usados pelo Parlamento, deram ao UKIP uma percentagem ligeiramente inferior de 22%. Estes números são alarmantes, na medida em que a campanha do UKIP se centrou em agitar o racismo com a suposta ameaça de “29 milhões de romenos e búlgaros” ocuparem postos de trabalho, habitações e serviços públicos.

Mas o UKIP não é um partido fascista. Ao contrário de organizações fascistas, não tem como objectivo destruir organizações de trabalhadores ou instituições democráticas. Nem tem intenção de constituir um exército de rua. Em vez disso, é um partido parlamentar (mesmo que só esteja representado nas câmaras municipais e no Parlamento Europeu). As origens do UKIP como uma fracção da ala direita dos conservadores são evidentes nas políticas económicas que incluem um imposto fixo sobre o rendimento de 31%. Nas últimas eleições gerais, o UKIP propôs o corte dos gastos públicos aos níveis de 1997, com a perda de 2 milhões de empregos. O seu líder Nigel Farage é um corretor da City educado numa escola privada, o tesoureiro Stuart Wheeler (Universidades de Eton e Oxford) é um banqueiro que fez a sua fortuna com o comércio de derivados do IG Group e o membro do UKIP com assento na House of Lords – Lord Pearson (outro rapaz de Eton) – é um corretor de seguros.  

A Europa e a direita conservadora

A postura eurocética da direita dura do UKIP tem especial influência na direita dos conservadores. Representa uma ala do capital britânico cujos principais interesses estão fora da Europa. O seu ascenso está a acentuar divisões dentro do Partido Conservador, na medida em que o UKIP atrai votantes conservadores e eurocépticos entre os capitalistas britânicos. Farage tem feito a corte aos patrões, especialmente na City, e tem estado a avançar. “Devagar mas firmemente, os doadores que tradicionalmente teriam apoiado os conservadores estão agora a manter contactos connosco”, disse ele o mês passado, quando um administrador de fundos de investimento de topo apoiou o partido e um chefe financiador patrocinou uma acção de recolha de fundos do UKIP.

Mas o UKIP tornou-se mais do que um grupo de cisão dos conservadores eurocépticos. Ironicamente, os patriotas da libra juntaram-se a um fenómeno à escala europeia: o crescimento de partidos populistas e racistas da extrema-direita. Atravessando a Europa, no meio da crise económica e da austeridade, a extrema-direita racista alimenta-se da miséria para crescer, com quatro tipos de organizações que surgem. Vão dos fascistas duros ao estilo de Hitler como o Jobbik húngaro ou o Aurora Dourada grego, aos “Eurofascistas” limpos, bem apresentados e bem vestidos da Frente Nacional francesa. Os grupos de acção de rua como a EDL e os skinheads (bootboys) racistas da Europa de leste constituem um terceiro elemento.

O UKIP pertence à quarta linha: partidos eleitoralistas populistas que fazem um apelo “nativista” racista e anti-estrangeiros, visando em particular os imigrantes e os muçulmanos. O Partido da Liberdade (PVV) de Geert Wilders na Holanda, a Liga do Norte da Itália – com quem o UKIP se senta no Parlamento Europeu – e o Partido do Povo Suíço entram nesta ampla categoria. Estes partidos têm diversas origens e – de acordo com a sua inclinação nativista geral, favorecem a população estabelecida em relação aos imigrantes e opõem-se às culturas “estrangeiras” – as suas políticas também variam. Wilders reivindica que a sua islamofobia é em defesa das atitudes liberais dos holandeses em relação às pessoas LGBT. Farage é um islamofóbico que apelou à proibição da burqa, mas o UKIP também é islamofóbico, perfeitamente alinhado com os conservadores intolerantes cujas sujas atitudes estiveram à vista durante o debate sobre o casamento homossexual.

O UKIP viu o crescimento dos outros racistas populistas com os danos da austeridade e preparou o terreno para a sua própria onda com uma clara mudança da propaganda anti-UE das anteriores eleições. Desta vez, a campanha pôs em destaque a “ameaça” imigrante nos empregos, na habitação e no SNS. E uma sondagem do YouGov feita mesmo em cima das eleições municipais revelou que 76% dos que diziam que iam votar no UKIP nas eleições gerais o fariam para cortar na imigração – muito à frente de quererem deixar a União Europeia (59%) e de estarem contra os principais partidos (47%). O bode expiatório racista, juntamente com um falso apelo antissistema aos desencantados com a política corrente, transformou o UKIP de um partido menor num jogador maior.

O UKIP conseguiu os seus ganhos nas eleições de maio às custas dos conservadores e dos LibDems, com a hemorragia de votos e de lugares alcançados dos dois partidos da coligação. O UKIP não retirou nenhum lugar ao Partido Trabalhista que ganhou 291 lugares, recuperando o número que perdera na última vez que os condados tinham ido a votos. Nas eleições intercalares em Rotherham, Eastleigh e South Shields onde o UKIP saltou para o segundo lugar, a percentagem do voto trabalhista baixou um pouco. (Houve uma ligeira descida de 52% para 50,5% em South Shields mas isto foi mais do que reposto pelo voto de 3% no Independent Socialist.)

LibDems e Monster Loonies

Em South Shields, a percentagem de votos nos conservadores desceu para metade, enquanto os LibDems foram praticamente apagados com 1.4% logo à frente dos Monster Raving Loonies. É possível que o UKIP tenha apanhado votos de alguns ex-votantes do BNP – os fascistas só conseguiram arranjar cerca de 100 candidatos. Mas é importante notar que o grande declínio do BNP começou com o seu desaparecimento em Barking e Dagenham em 2010, há três anos. Foi a campanha anti-fascista que destruiu o BNP, não a onda do UKIP mais tarde.

Os poucos dados existentes dizem-nos que os votantes no UKIP são muito mais velhos do que a média: 48% têm mais de 60 anos, comparados com 28% para todos os votantes. É também provável que sejam proprietários das suas próprias casas, só metade deve ter frequentado a universidade e são mais pobres do que a média, embora todos estes dados sejam extraídos a partir do perfil de idades do UKIP. Os votantes do UKIP têm ligeiramente mais probabilidades do que os votantes trabalhistas de estarem na categoria social C2DE [1] que inclui trabalhadores manuais da classe operária, mas, estranhamente, também grupos com auto emprego numa situação mais desafogada. Isto quer dizer que haverá um número substancial de votantes UKIP da classe operária, anteriormente votantes conservadores da classe operária e também um contingente mais rico.

Significado da eleição

As eleições não mostraram uma mudança para a direita entre o eleitorado, com os trabalhistas a manter um bom resultado nos condados. Mas o descontentamento entre os votantes do Partido Conservador e do LibDem com o governo de coligação e com o regime de austeridade expressou-se numa mudança para o UKIP racista de direita em vez de para a esquerda para o cinzento Partido Trabalhista de Ed Miliband. Mas a reacção dos conservadores e dos trabalhistas à onda do UKIP foi fazer concessões à agenda do UKIP sobre imigração. Isto só estimulou o UKIP a avançar mais e significa que o UKIP consegue continuar a puxar a política para a direita. E o crescimento do UKIP cria um terreno fértil para a EDL, cujos dirigentes puxaram o partido para a frente nas eleições de maio.

Pela Europa fora a extrema-direita racista está em fluxo, produzindo novas formações, trocando alianças e entrecruzando ideias. Podemos ver esta fluidez na recente reunião entre o holandês racista e populista Wilders e a líder fascista da Frente Nacional francesa Marine Le Pen para discutirem uma aliança de extrema-direita para as eleições europeias de 2014. Isto cria novo campo a Wilders que antes se tinha distanciado de partidos fascistas. Presentemente, o UKIP não gosta de ser associado a organizações fascistas e, formalmente, proíbe antigos membros da EDL e do BNP, embora, como temos visto, não conseguiu impedir que uma mão cheia de fascistas aparecesse entre os seus candidatos eleitorais. No entanto, Farage não se importa de namorar com racistas radicais. Diz que Enoch Poewll, cujo discurso “Rivers of Blood” de 1968 [2] continua a ser uma pedra de toque para racistas e fascistas, é o seu herói. Mas por vezes procede com cuidado para manter a face da respeitabilidade.

Depois de Woolwich, entre comentários trocados de políticos e dos media e o reaparecimento da EDL, houve um silêncio assinalável. Embora o UKIP tivesse estado a pôr a questão da raça na agenda política, Farage estava quieto sobre Woolwich, talvez receando associar o seu partido com o humor volátil da EDL. O racismo contra os imigrantes está no centro do apelo populista do UKIP, mas o UKIP não é nada o estilo guerra de raças do BNP nem guerra entre culturas da EDL. Os grupos fascistas usam estas ideias centrais para cimentar os seus membros. Mas, tal como os conservadores, a ideologia central do UKIP é promover os interesses dos negócios. O seu racismo é mais oportunista: utiliza-o para se encher de votos e para desviar a revolta da austeridade e dos patrões para os imigrantes, muçulmanos ou para os horrores do “multiculturalismo”. Mas o UKIP faz crescer o nível de racismo na sociedade e torna o ambiente um lugar cada vez mais hospitaleiro para os fascistas. O seu crescimento dá confiança e legitima os fanáticos da EDL. A retórica inicial do UKIP contra os imigrantes alimenta um clima racista geral que também encoraja a islamofobia e o racismo contra os negros. E depois de Woolwich, a islamofobia fluiu suavemente para “dar um pontapé” nos suspeitos do assassinato, que são homens negros nascidos em Inglaterra.

Enquanto o UKIP lança avisos sobre a “ameaça” que a imigração constitui em relação à habitação e ao emprego, a EDL reclama que defende a cultura inglesa do islão e as duas ideias encontram-se na ideia de uma “ Inglaterra para os ingleses” definida de forma cada vez mais estreita. O perigo é não apenas que o UKIP cresça e puxe a política para a direita, mas que a respeitabilidade acrescida das suas ideias racistas encoraje uma EDL revitalizada a consolidar-se e a crescer também.

Renovando a luta

Há muito trabalho para os anti-racistas e antifascistas. Vamos ter de renovar a luta contra a EDL. Mas o que podemos fazer quanto ao UKIP? Um bom exemplo aconteceu em Edimburgo no mês passado quando os anti-racistas apareceram de surpresa apupando Farage pelo seu racismo e homofobia, pondo à evidência que ele não era bem-vindo. Mais piquetes e manifestações deste género ajudarão a pôr a nu o racismo do UKIP e a encorajar a oposição a fazer-lhe frente.

À medida que o UKIP tenta avançar, nós precisamos de organizar o sentimento anti-UKIP e fazê-los recuar. Vai ser lançada em breve uma nova campanha “Stand Up to UKIP” (Fazer Frente ao UKIP) promovida pelos “Love Music Hate Racism” e “One Society Many Cultures” apoiados por “Unite Against Racism”. Muitos anti-racistas e sindicalistas têm um instinto visceral contra o UKIP e a sua política, mas essas ideias têm de ser ganhas entre muitas mais camadas da sociedade. “Stand Up to UKIP” vai produzir folhetos, emblemas e uma declaração que podem ser usados para difundir a oposição ao UKIP e às suas políticas do bode expiatório racista, da intolerância e contra os trabalhadores.

Precisamos de espalhar isto amplamente para assegurar que o máximo de pessoas possível estejam armadas com argumentos contra as mentiras racistas a que o UKIP chama de “senso comum”. A campanha deve ser suficientemente ampla para que junte uma vasta gama de pessoas que querem fazer frente ao UKIP embora provenientes de diferentes origens políticas (ou de nenhumas) e com diversas perspectivas acerca do controle de imigrantes, da UE e de outros assuntos.

Os socialistas também devem estar prontos para mostrar onde reside realmente a culpa da crise económica e argumentar que todos os imigrantes são bem-vindos no nosso país. Não podemos voltar a deixar as ruas à EDL. A política suja do UKIP paira no ar poluindo a atmosfera política geral. Isto quer dizer que os socialistas também não se podem dar ao luxo de se esconder com argumentos duros no seio da classe trabalhadora.

Tradução de Almerinda Bento para esquerda.net

Artigo publicado em Socialist Review


[1] - http://en.wikipedia.org/wiki/NRS_social_grade

[2] - http://en.wikipedia.org/wiki/Rivers_of_Blood_speech

(...)

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