Por que votam eles na Frente Nacional?

A Frente Nacional conseguiu conquistar as classes populares e as pequenas classes médias sem perder as categorias que já tinha adquirido. Um sucesso que deve muito ao medo da desqualificação social. Por Laurent Jeannea.

02 de março 2014 - 9:05
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Marine Le Pen e o seu pai Jean-Marie Le Pen.

Desde que Marine Le Pen retomou a direção à frente da Frente Nacional (FN), o partido de extrema-direita está de novo de vento em popa e impõe os seus temas prediletos no debate político. Um tal sucesso pode parecer surpreendente, pois ao contrário do que se poderia pensar, a sociedade francesa é cada vez mais tolerante e menos conservadora do ponto de vista dos valores. Assim, em 1988, 75% dos franceses achavam que havia demasiados imigrantes em França; uma proporção que cai para 52% em 2007, segundo o Centro de Estudos Europeus de Ciências Políticas. Do mesmo modo, segundo o inquérito Arval, 61% dos franceses eram mais favoráveis à escolha de nacionais para o emprego em 1990, contra 41% em 2008. Um recuo nos preconceitos que se explica pelo aumento do nível de estudos da população. Paradoxalmente, “a FN consegue cada vez mais atrair votos quando o terreno em que prospera era mais forte antes”, aponta Vincent Tiberj, investigador em ciências políticas.

Da influência dos valores culturais

Como explicar este paradoxo? Primeiro, porque o debate político se articula cada vez mais em torno de valores ditos culturais, ou seja, os que tocam a imigração, o multiculturalismo, a segurança, o papel das mulheres, a homossexualidade… Há vinte anos, a clivagem política ainda se focalizava essencialmente nos valores socioeconómicos: é preciso redistribuir as riquezas? Aumentar os salários? O Estado deve intervir na economia? Estas questões davam o tom do debate político e os trabalhadores votavam na época massivamente na esquerda, ao mesmo que os quadros se inclinavam para a direita.

Esse tempo acabou. Essas questões não desapareceram evidentemente, mas estão cada vez mais em disputa com as questões societais: “ Ora, se os trabalhadores eram e continuam antiliberais de um ponto de vista económico, são cada vez mais conservadores em tudo o que toca em valores culturais. Era já o caso há trinta anos, mas não se tinha essa avaliação”, sublinha Vincent Tiberj. E o debate em torno dos valores culturais impôs-se quanto mais não seja por ocasião da austeridade em 1983, em que a distinção entre esquerda e direita pôde parecer menos evidente no plano económico. Resultado: o eleitorado popular dispersou-se. Desde 1988, o apoio dos trabalhadores à esquerda do governo desfez-se. E foi em 1995 que se registou pela última vez um voto trabalhador à esquerda. Doravante, os fato-de-macaco votam à esquerda numa proporção semelhante aos quadros e às profissões intelectuais superiores e numa proporção inferior à das profissões intermédias.

A Frente Nacional soube tirar partido desta reviravolta, pondo em marcha uma viragem social desde os anos 90, acentuada em seguida por Marine Le Pen. Depois da queda do Muro de Berlim, o partido de extrema-direita não mais se sentiu obrigado a posicionar-se contra o papão comunista; escolheu virar as costas ao ultraliberalismo que tinha sido até então a sua doutrina em matéria económica. Sob o impulso da Frente Nacional da juventude então dirigida por Samuel Maréchal, surgiram novas palavras de ordem estigmatizando o imperialismo dos Estados Unidos ou tomando a defesa dos trabalhadores. Esta estratégia revelou-se frutuosa (mais de 30% dos trabalhadores votaram FN nas presidenciais de 1995) e não se desmentiu depois (35% em 2012) exceto em 2007 (25%).

Grande desvio sociológico

Marine Le Pen conseguiu igualmente atrair a simpatia de novas categorias de eleitores. Conseguiu penetrar nas mulheres que ocupam empregos mal remunerados, a tempo parcial ou precários. Um fenómeno bastante novo, pois até então, o voto frentista era essencialmente masculino. O mesmo se constata com os jovens: observa-se de hoje em diante uma ligeira sobre representação do voto na FN nos eleitores entre os 18 e os 24 anos. Outras evoluções na sociologia do eleitorado frentista tiveram lugar entre a era de Jean-Marie Le Pen e a da sua filha. O eleitorado da FN “difundiu-se além do mundo operário e do pequeno comércio para juntar novos sectores de atividade, inclusive os mais refratários ao voto FN, como a função pública”, resume Luc Rouban, investigador no CNRS (1). Mas é sobretudo o nível da formação que faz a diferença: de acordo com a politóloga Nonna Mayeur, mais de 30% dos que não têm o bacharelato votaram em Marine Le Pen nas últimas presidenciais, contra menos de 15% entre os que têm pelo menos este diploma e 7% entre os diplomados com formação superior.

Por outro lado, os eleitores da FN não têm o mesmo perfil no conjunto do território. Como o mostrou um inquérito da IFOP realizado entre maio e julho de 2013, se o voto na Frente nacional prospera a leste de uma linha Le Havre-Valence-Perpignan, os eleitores frentistas do nordeste não se assemelham aos seus homólogos do sudeste. No quarto nordeste do hexágono, a FN reúne um eleitorado mais popular e mais sensível ao discurso social de Marine Le Pen. No sudeste, em compensação, os reformados, os agricultores, os comerciantes, os artesãos, os chefes de empresa, as profissões liberais e os quadros superiores estão sobre representados no voto frentista em relação à média nacional. Este grande desvio sociológico e geográfico permite à FN alargar a sua base eleitoral.

O medo da desqualificação, adubo da FN

Nem todas as classes populares cederam entretanto às sereias da extrema-direita. Foi antes do mais a abstenção que progrediu entre as pessoas pobres graças à crise, lembra Nonna Mayer (2). E quando votaram em 2012, os mais precários penderam antes para a esquerda. Assim, entre os trabalhadores, “os que votam na presidente da FN são antes do mais os não precários, os que têm um pequeno património, possuem a sua habitação, têm um estatuto”, precisa Nonna Mayer.

Porquê? Sem dúvida porque têm mais a perder. O sentimento de desqualificação é um dos melhores adubos da FN”, recorda o sociólogo Camille Peugny. Não só porque isso atiça a animosidade contra “os de cima”, essas elites para as quais a FN aponta regularmente o dedo, pondo no mesmo saco os dois grandes partidos de governo com a designação de “corrompidos”. A frustração dos desclassificados leva-os por vezes igualmente a dirigir a sua cólera contra “os de baixo”, isto é, os desempregados e os excluídos, frequentemente qualificados como “assistidos”. Como se o medo de cair ainda mais baixo os leve a distinguirem-se, custe o que custar, daqueles que um dia se possam vir a juntar-se. “ Quando se tem medo de se ser atirado para o fundo da piscina, bate-se no fundo para tentar vir à superfície, acrescenta Camille Peugny, Tudo isso favorece a procura de bodes expiatórios e os comportamentos autoritários.”

Este fenómeno observa-se em particular em certas partes da França periurbana. Na sua pesquisa nos “pequenos meios” que vivem em subúrbios de barracas/casas precárias, a socióloga Marie Cartier e os seus colegas (3) mostraram que as famílias implantadas há muito tempo numa comuna em vias de periurbanização podiam ver com maus olhos a chegada de famílias vindas de grandes conjuntos, com a ideia que isso empurraria o bairro para baixo. É o seu estatuto social que se arrisca de ser desclassificado. Quanto às famílias recentemente chegadas a este género de subúrbio de barracas, elas frequentemente aceitaram importantes sacrifícios para deixar as cidades e receiam voltar à casa de partida. Estes também receiam ser apanhados pelos de baixo. Trata-se de elementos que puderam favorecer o crescimento do voto na FN nestas zonas, mesmo que seja abusivo concluir que todos os periurbanos são seduzidos pelas teses da extrema-direita.

Com a crise, estas crispações sociais aumentaram ainda mais. Porque o medo da desclassificação generaliza-se: de acordo com um inquérito realizado no começo de 2013 pela IFOP (4), 56% dos indivíduos interrogados pensam – com razão ou sem ela – que vivem pior que a geração dos seus pais, 50% estão convencidos de que viverão pior dentro de dez anos do que agora e 62% que os seus filhos, no fim, viverão pior que eles. Eis o que prometem os amanhãs que não cantam!

Artigo publicado na edição de fevereiro da revista francesa Alternatives Economiques

Tradução de Almerinda Bento para esquerda.net

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