A uberização e a cidade: os dados estão lançados

As aplicações para smartphone há muito que sabem o valor dos dados que recolhem quando o negócio é a privacidade. As aplicações das plataformas online de transporte ou de entregas, como a Uber, têm uma moeda de troca própria: os dados de mobilidade. E estão a fazer valê-la na relação com as cidades.

07 de julho 2019 - 11:54
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Dados de tráfego de São Francisco.
Dados de tráfego de São Francisco. Foto de Eric Fischer

A política pública de transportes também se uberiza. As aplicações de mobilidade e de entregas estão a fazer valer os dados que recolhem dos seus clientes. Por exemplo, a Uber deu a volta à resistência do Estado do Massachusetts e da Câmara de Boston relativamente à sua entrada na cidade oferecendo-lhe acesso aos dados dos seus itinerários. Estes constituem um manancial precioso de informação que pode contribuir para diminuir engarrafamentos e melhorar a mobilidade na cidade.

Por sua vez, a Strava, uma aplicação para corredores e ciclistas, vendeu dados em 2014 à Secretaria de Transportes Públicos do Oregon. Aquele instituto público queria melhorar ciclovias e planear novos trajetos.

À partida o atalho poderia parecer tentador para alguns autarcas: mas, ao segui-lo, as administrações locais ficam dependentes dos dados privados que se tornam uma teia que envolve as “cidades inteligentes”, tornando-as cada vez menos inteligentes.

Daí que outros municípios norte-americanos tenham escolhido um caminho diferente. Nova York e Chicago tentaram lançar aplicações próprias, procurando escapar à mercantilização e privatização dos dados de mobilidade.

E aos enviesamentos que daí decorram. Porque a divulgação seletiva de dados é uma arma temível. A este tipo de operadores não interessa que se perceba o seu impacto nos engarrafamentos ou na utilização de transportes públicos por exemplo. A Autoridade Municipal de Transportes de São Francisco, por exemplo, publicou um estudo em que concluía ter havido um aumento de mais de 50% dos atrasos no trânsito na cidade, entre 2010 e 2016, devido à Uber e à Lyft.

Um outro estudo feito por engenheiros da Universidade do Kentucky, publicado em novembro de 2018, concluiu que, num universo de 22 cidades grandes dos EUA, o aumento dos transportes individuais comercializados por estas plataformas resultou num declínio do uso de transportes públicos.

Por outro lado, a compra ou o negócio político com os dados recolhidos por este tipo de empresa tem outra consequência : serve de legitimação pública para essa recolha. Uma atividade que poderia enfrentar oposição por mexer com a confidencialidade torna-se assim passível de uma operação de marketing em que a empresa se mostra como estando a ajudar a cidade a crescer de maneira mais harmoniosa.

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