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Transgénicos em África: combater a fome, ou acumular lucros?
Nesta adaptação de dois artigos de Natália Suzuki (Carta Maior), torna-se claro como as empresas de biotecnologia fazem lobbies com governos locais para conseguir introduzir espécies transgénicas na agricultura africana, incutindo a ideia de que a solução para a fome do continente empobrecido é a produção de OGMs e as suas novas tecnologias. No entanto, além de consequências ambientais graves, os trangénicos levantam um grave problema político. É que no mundo todo há apenas três companhias que produzem sementes transgénicas e "quem controla a semente, controla a comida e controla o futuro".
Na geopolítica dos transgénicos, as empresas de biotecnolgia e os governos que se interessam em espalhar a multiplicação de organismos geneticamente modificados (OGMs) pelo mundo têm alvos e estratégias bem definidos. Países subdesenvolvidos da Ásia, América Latina e África são vistos como um mercado interessante e potencialmente lucrativo.
Quando países como a Zâmbia eo Zimbabwé negaram ajuda humanitária dos Estados Unidos, por se tratar de alimentos transgénicos, um sintoma de uma nova realidade em África despontou nos media. Não foi unânime a compreensão do porquê de países com populações tão miseráveis e famintas negarem ajuda alimentar. A questão é que alguns governos africanos tentam resistir à proliferação de transgénicos nos seus territórios, enquanto as empresas de biotecnologia avançam para espalhar os organismos geneticamente modificados (OGMs).
As ajudas humanitárias, como as que foram destinadas à Zâmbia e ao Zimbabwé, são uma das principais formas dos transgénicos entrarem no continente, além da importação legal - e também ilegal - de produtos. "Acreditamos que a introdução de OGMs na África é feita por contaminação de ajudas humanitárias. Há muita comida importada dos Estados Unidos, Argentina e México. Não há certeza por parte dos nossos governos e da população se essa ajuda humanitária é de transgénicos, porque não há identificação ou testes", diz Roger Mpande, da ONG Community Technology Development Trust, do Zimbabwé.
A Nigéria é um outro país que recebe ajuda humanitária, sem se saber se os grãos são transgénicos. "Na verdade, a maior parte de comida que recebemos não é de graça, ela é paga e é chamada de "alimento para progresso". É uma forma de os países venderem o excesso de produção ou os alimentos orgânicos contaminados, que perderam mercado. Então, não é alimento para ajuda, eles não estão a ajudar ninguém", diz Nnimo Bassey, do Amigos da Terra da Nigéria, contrariando o argumento das empresas de biotecnologia que dizem que os transgénicos e suas tecnologias seriam uma forma de ajudar a população miserável e faminta da África.
"As pessoas têm fome não porque não há comida, mas porque não têm acesso a ela", diz Bassey referindo-se às condições de vida miserável e a falta de políticas públicas na África. "É um falso argumento para convencer os políticos. Após dez anos de existência dos transgénicos, as promessas de acabar com a fome no continente não foram cumpridas", afirma. "Quantos alimentos modificados são destinados para o consumo humano? A maior parte da produção de grãos da Monsanto na África é destinada para a ração animal. Mesmo que fossem para humanos, como poderiam ser mais baratos, se eles exigem mais investimentos?".
Além disso, empresas de biotecnologia, responsáveis pelo desenvolvimento de OGMs, como a Monsanto, sempre estiveram no continente, mesmo antes da chegada da engenharia genética na agricultura, como vendedoras de sementes e herbicidas convencionais. Uma vez instaladas em África, essas empresas apenas trouxeram essa nova tecnologia para o continente.
O controlo da entrada de transgénicos é de fato bastante difícil, até porque a maioria dos países africanos não possui legislação específica que trate de questões de biossegurança. Os poucos países que possuem legislação são a Namíbia, Zâmbia, Zimbabwé e África do Sul. "O problema é que as empresas trabalham muito depressa", lembra Bassey. No caso do Zimbabwé, Mpande diz que o governo tem sido bastante cauteloso nas modificações que está a fazer na legislação de biossegurança, existente desde 2000, mas a tendência é que ela se torne mais rigorosa contra a entrada de transgénicos.
Contudo, plantações de OGMs ilegais de diferentes tipos de produtos estão a despontar pelos países africanos. Na maioria desses casos, há um lobby bastante forte de empresas de biotecnologia para adentrar no continente. Mpande cita que as três grandes multinacionais do sector são a própria Monsanto, Syngenta e a Bayer, principalmente em países do leste africano, os mais relutantes em aceitar trangénicos. "A indústria de biotecnologia tem uma política agressiva para trazer os OGMs para o continente", diz Bassey.
"A empresa tem trabalhado muito para introduzir o algodão modificado. O exemplo que elas dão de sucesso são a Ásia e a África do Sul. Mas sabemos que a cultura falhou nos dois lugares. São fatos baseados em falsas propagandas, mas infelizmente alguns políticos concordam com ela", afirma Bassey.
Os transgénicos trazem consequências ambientais muito sérias. A maioria requer o uso de grandes quantidades de herbicidas e agentes químicos, porque as espécies modificadas acabaram por trazer novas doenças e pragas e ervas daninhas mais resistentes aos pesticidas tradicionais. "Eu ainda não vi nenhum acidente ambiental, não saberia dizer cientificamente se há efeitos negativos. O que ocorre é que com a plantação de OGMs, apesar de aumentar a fertilização, aparecem novas espécies de ervas daninhas mais resistentes", relata Chief Mdutshane, grande produtor sul-africano de milho transgênico.
Além de problemas ambientais que as plantações transgénicas podem trazer, uma outra consequência real apontado pelos especialistas dá-se no âmbito político. O alto grau de dependência entre países africanos em relação às empresas de biotecnologia pode ameaçar a soberania desses países.
"No mundo todo há apenas três companhias que produzem essas sementes [transgénicas]. Estamos prestes a ter a comunidade amarrada por essas companhias por dependência das sementes. Perde-se a independência e os fazendeiros, a autoridade", explica Roger Mpande.
"Isso é pior do que uma nova colonização. É colonização cooperada", afirma Nnimo Bassey. Ele explica que as empresas de biotecnologia estão em África com o consentimento do governo, pois muitos presidentes estão a procurar investimentos estrangeiros. "Eles não querem perder a revolução tecnológica, pois os países africanos perderam as outras e não puderam beneficiar delas. Então os governos querem ter a certeza de que não vão perder a revolução desta vez", afirma.
Esse é o maior perigo para a África. As empresas de biotecnologia não estão paradas. Eventualmente a África vai ser colonizada novamente pelas empresas de biotecnologia, com alguns países por trás delas. Para submeter um país, não se precisa mandar um exército, tudo de que se precisa é comida geneticamente modificada como uma forma de ser usada como arma biotecnológica", relata Nnimo Bassey. "Quem controla a semente, controla a comida e controla o futuro".
No Zimbábue, segundo Mpande, a Monsanto também tentou introduzir algodão transgénico há alguns anos. Mas após dois anos de pesquisas, a empresa quis cobrar royalties de toda a produção, o que fez com que o governo rompesse o acordo de pesquisas com a corporação. Além disso, ele lembra que a variedade genética se mostrou muito menos eficaz em termos agrícolas do que as espécies nativas. Mas ainda hoje, a empresa tenta desenvolver espécies de algodão e de milho, a base alimentar do país. As aplicações não esperam a aprovação, elas vão sendo feitas sem autorização.
O cenário na Nigéria também é semelhante. Oficialmente, não há plantações de transgénicos, mas, segundo Bassey, há suspeitas de que haja cultivos ilegais de mandioca. Seriam plantações para testes do Instituto Internacional para Agricultura Tropical, dos EUA, em parceria com a Monsanto. "Isso é preocupante, porque é um artigo de troca entre as pessoas. Se houver variedades modificadas, elas vão contaminar as nativas, porque a troca é muito informal", explica.
A África do Sul é o único país do continente que permite a importação e plantações de organismos geneticamente modificados (OGMs) para fins comerciais. As culturas de algodão e milho são os principais produtos transgénicos. Muitos ambientalistas acreditam que o país serve de porta de entrada para as empresas realizarem os seus negócios no resto do continente. "Para o governo da África do Sul, a contaminação não é prejudicial ou ruim", diz a sul-africana Mariam Mayet, do Centro Africano para Biossegurança.
Na África, grande parte da produção agrícola é feita ainda em moldes familiares e é destinada à subsistência. A grande excepção é a África do Sul, que cultiva para fins de exportação, onde os transgénicos têm encontrado espaço para a produção comercial, especialmente variedades de milho e algodão. "Lá eles sempre tiveram agricultura industrializada e plantam OGMs, que foram úteis para grandes fazendeiros que continuam a manter o mesmo modelo", explica Bassey. O país lida com transgénicos desde 1996.
Contudo, há alguns anos houve uma tentativa de destinar o algodão modificado para pequenos agricultores da África do Sul, mas o modelo fracassou. De acordo com Bassey, eles endividaram-se muito para adquirir a nova tecnologia, o que acabou por os empobrecer ainda mais. A tecnologia dos transgénicos não é compensadora para quem planta em pequenas áreas, pois a produção é pouca e não consegue cobrir os gastos dos altos gastos requeridos para o investimento da biotecnologia.
Roger Mpande, da ONG Community Technology Development Trust, do Zimbabwé, lembra que no seu país, os moldes da produção transgénica são totalmente rejeitados pelos pequenos agricultores.
No Quénia, onde não se permite a produção de transgénicos para fins comerciais, já foram realizadas experiências para desenvolver a batata-doce modificada. "A Monsanto investiu 10 milhões de dólares no país e fez muita propaganda e barulho para a produção de batata-doce transgénica. Em 2004, a cultura fracassou completamente e os experiências foram abandonadas", conta Bassey. "As empresas acreditam que o Quénia tem muito potencial, por isso investem muito lá, mas se este país se abrir para os OGMs será uma excepção entre os países do leste africano que se negam a aceitar".
Além disso, os próprios centros de pesquisas africanos interessam-se em desenvolver transgénicos. No Zimbabwé, a produção de OGM reconhecida e legalizada é a de tabaco, cuja variedade modificada, que contém menos nicotina, foi desenvolvida por um centro de pesquisa do próprio país. A produção não é para fins comerciais, mas sim para testes.
Natália Suzuki - Carta Maior
Março de 2006
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