Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...
Fernando Pessoa
Que papel desempenham os tpc no processo de ensino-aprendizagem dos alunos? Ajudam a melhorar os desempenhos escolares ou representam, regra geral, um dispêndio de energias, de soma pouco mais que zero? Que utilidade podem ou devem ter? Constituem-se ou não como um fator de ampliação da discriminação social cavando as diferenças sociais de partida dos alunos em resultado das assimetrias socioeconómicas e de acesso ao conhecimento? Faz sentido acabar com os tpc? E o direito das crianças a usufruírem de tempos livres com tempo e liberdade?
Quando se fala em tpc há que distinguir entre aquilo que é trabalho monótono e repetitivo, replicando e multiplicando atividades desenvolvidas na sala de aula que pouco ou nada acrescentam às aprendizagens, do estudo propriamente dito que consiste no trabalho individual ou cooperativo autónomo que visa rever, reativar, sistematizar, consolidar, ampliar conhecimentos e capacidades.
A polémica é tão velha como a escola.
1. Sobre este assunto, tendo a recusar posições maniqueístas, francamente redutoras e simplistas. Em termos globais, diabolizar os tpc, considerando-os uma sobrecarga de trabalho e um dispêndio de energia, pouco mais que inócuo, defendendo a sua extinção, é tão errado como enaltecê-los, defendendo a sua pertinência e virtuais vantagens no processo de ensino-aprendizagem.
2. Quando se fala em tpc há que distinguir entre aquilo que é trabalho monótono e repetitivo, replicando e multiplicando atividades desenvolvidas na sala de aula que pouco ou nada acrescentam às aprendizagens, do estudo propriamente dito que consiste no trabalho individual ou cooperativo autónomo que visa rever, reativar, sistematizar, consolidar, ampliar conhecimentos e capacidades. Estas atividades fazem parte do ofício de estudar e são passos fundamentais para consolidar aprendizagens e desenvolver competências de trabalho autónomo.
3. Abolir os tpc no ensino básico dos 1.º e 2.º ciclos, reforçar as aprendizagens em contexto escolar. O tempo e as atividades de trabalho e estudo fora da sala de aula e dos tempos escolares devem ter em conta o princípio da progressividade em função da idade das crianças e jovens. Sendo que no ensino básico do 1.º e 2.º Ciclos devem ser tendencialmente zero. As crianças já cumprem 25 e 30 horas semanais na escola, onde são contemplados tempos para apoio ao estudo, suficientes para que todas as tarefas escolares possam ser feitas na escola individualmente ou em trabalho cooperativo de pares/grupo com apoio e supervisão dos docentes. Não faz sentido sobrecarregar as crianças com trabalhos repetitivos e monótonos, que consomem a vida das crianças e limitam o tempo disponível para as necessárias e imprescindíveis interações sociais com os amigos e família, (brincar, conviver, socializar…).
4. As crianças dos 6 aos 12 anos não estão preparadas para fazerem os tpc de forma autónoma, pelo que essas tarefas acabam por representar uma sobrecarga para as famílias que nem sempre têm disponibilidade e condições objetivas para as ajudar. Não ter em conta as profundas assimetrias económicas e sociais dos contextos sociofamiliares é criar e multiplicar as desigualdades que já são muitas à partida.
5.Quando muito poderá haver lugar a pequenos trabalhos de pesquisa e ampliação de conhecimentos que motivem as crianças para o conhecimento e aprendizagem na sala de aula e possam envolver as famílias, sem que se traduzam em trabalhos escritos e tenham em conta as diferenças de classe e as consequentes assimetrias no acesso à informação, evitando o agravamento das mesmas.
6. A partir do 3.º ciclo do ensino básico e secundário as tarefas de trabalho e de estudo, designadas por tpc, fazem todo o sentido e devem fazer parte do quotidiano dos alunos de forma progressiva e gradual quer em termos de tempo, quer de conteúdos. Os trabalhos escolares fora da sala de aula que não têm de ser “mais do mesmo” repetitivo e monótono são, ou devem ser, atividades de estudo fundamentais ao reforço e consolidação das aprendizagens efetuadas dentro da sala de aula. Devem ser estimuladas e vistas como cruciais para o desenvolvimento do trabalho autónomo de estudo autorregulado; treino e desenvolvimento de capacidades/competências.
7. Condição fundamental destas atividades é que sejam corrigidas em sala de aula e que a sua avaliação seja formativa a fim de cumprir a sua função e evitar a discriminação daqueles que não dispõem de qualquer ajuda fora da escola, seja em contexto familiar ou outro. Pelo que o registo deve ser cumpriu/não cumpriu, incentivando os alunos ao cumprimento das tarefas, tornando explícitos os seus objetivos e metas.
Falta tempo às crianças para brincar e para interagir com os seus pares. Os tempos livres foram capturados. O espaço e o tempo para a convivência, a brincadeira, o jogo, a conversa, a interação interpares foi drasticamente diminuído para não dizer erradicado das nossas escolas.
Mais negativo do que os tpc é aquilo que se designa por “ocupação plena de tempos escolares” e que transformou os recreios das nossas escolas em espaços desertos, silenciosos e sem vida.
Em nome da necessidade de aproveitamento dos tempos escolares, do cumprimento dos programas e da ocupação educativa dos alunos aboliram-se os feriados, por ausência dos professores. Esvaziam-se os recreios e enchem-se as salas de aula de tempos escolares, regra geral, entediantes, sem utilidade educativa, que apenas se destinam a ocupar os tempos que deveriam ser livres e livremente geridos pelos alunos. As malfadadas “aulas” de substituição facilmente se transformam em longas sessões de fastio e tortura, para alunos e docentes.
O conceito de escola a tempo inteiro constitui uma boa medida do ponto de vista social. Os ritmos da vida familiar quotidiana, as pressões cada vez maiores dos horários que se dilatam no tempo, as mutações na estrutura familiar tradicional, a debilidade da teia sociofamiliar de retaguarda, o crescimento de uma sociedade cada vez mais acelerada, desumanizada e violenta, constituem motivos de sobra para justificar a escola a tempo inteiro.
Porém, todos estes problemas / preocupações se encontram centradas nas necessidades das famílias, mais concretamente dos adultos. O que vos proponho é que analisemos a problemática da escola a tempo inteiro, na perspetiva das necessidades das crianças e jovens. Nesta ótica, a questão pertinente que coloco é a de saber se a escola a tempo inteiro, tal como está organizada, é uma boa medida para os alunos.
Dificilmente podem fazer muito daquilo que seria natural e do ponto de vista sócio afetivo e psicomotor, desejável: brincar, saltar à corda, correr, saltitar, gritar, trepar, subir às árvores, jogar à bola, à macaca, … cair, sujar-se, esfolar-se e até, porque não, zangar-se, amuar até, por vezes, bater-se e outras resolver os conflitos entre si de forma pacífica.
O mal dos decisores políticos, ministros, secretários, diretores, professores, … é que já se esqueceram da criança que foram, ou, na pior das hipóteses, nunca chegaram a ser, o que ainda será pior. Por todo um conjunto de razões, algumas das quais já atrás referimos, e a que acresce a falta de maturidade biossocial, a dependência dos adultos e a falta de segurança, as crianças, sobretudo dos meios urbanos encontram-se limitadas nos seus direitos e manietadas na sua liberdade. Dificilmente podem fazer muito daquilo que seria natural e do ponto de vista sócio afetivo e psicomotor, desejável: brincar, saltar à corda, correr, saltitar, gritar, trepar, subir às árvores, jogar à bola, à macaca, … cair, sujar-se, esfolar-se e até, porque não, zangar-se, amuar até, por vezes, bater-se e outras resolver os conflitos entre si de forma pacífica. Tudo faz parte da aprendizagem do saber ser, do saber estar, consigo próprio e com os outros, do aprender a crescer, com direito ao erro e à asneira. Os nossos jovens não podem ser criados em redomas protetoras e assépticas. Por vezes magoam e são magoados, mas excluindo atitudes de pura violência gratuita, ou de bullying, a merecer pronta intervenção dissuasora ou punitiva, daí não costuma resultar mal maior. Por tudo isto, em maior ou menor escala, também nós adultos passámos. E, assim mesmo, crescemos relativamente saudáveis, curámos as nossas mazelas, lambemos as nossas lágrimas, aprendemos a gerir as nossas frustrações, a conquistar os nossos direitos, a lutar para realizar os nossos desejos. Enfim, tornámo-nos adultos e, aqui chegados, rapidamente esquecemos tudo ou quase tudo porque passámos e nos fez crescer e ser o que hoje somos.
As nossas crianças e jovens passam mais de metade do tempo útil das suas vidas, nas escolas, cerca de 1440 horas por ano são passadas sentadas. De tempos em tempos ecoava nos recreios das nossas escolas o grito libertador: “F_E_R_I_A_D_O!”. Deixou de se ouvir. Agora, as escolas têm o dever e a preocupação de ocupar todos os “tempos livres” às crianças e jovens.
Se estiverem na escola a tempo inteiro, mas tiverem tempo para brincar livremente, a ocupação plena dos tempos escolares pode ser positiva, caso contrário pode tornar-se profundamente negativa.
Se estiverem na escola a tempo inteiro, mas tiverem tempo para brincar livremente, a ocupação plena dos tempos escolares pode ser positiva, caso contrário pode tornar-se profundamente negativa. Tanto mais que em casa as famílias, pelo menos as financeiramente mais capazes, também tratam de ocupar os “tempos livres” dos seus filhos. Esquecem-se pais e professores que as crianças necessitam de brincar e de brincar, muito. Equivocam-se os adultos quando pensam que os “tempos livres” são para ser ocupados, esquecendo-se que estes já se encontram, de facto, ocupados. São tempos de lazer, de brincar, ou de puro e simples dolce fare niente.
Que gerações estamos nós a educar? Que crianças e jovens estamos nós a preparar?
Será que na premência de responder aos nossos compromissos de trabalho quotidiano, que cada vez mais nos absorvem e limitam espaço e tempo para os planos relacionais sócio afetivos e familiares, nos esquecemos de conceder aos jovens o que reivindicamos como um direito para nós?
Serafim Duarte, professor do ensino básico e secundário