Um dos assuntos recorrentes nas sessões da Comissão das Nações Unidas da Condição Jurídica e Social da Mulher (Commission on the Status of Women - CSW), composta por 45 membros – sessões que começaram no dia 1 de Março e se estendem até dia 12 - são os êxitos e os fracassos da Plataforma de Acção de Pequim criada há 15 anos.
Na quarta Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada na China em 1995, 189 chefes de Estado e de governo adoptaram a Plataforma de Acção, que entre outras coisas pede urgência aos Estados-membros da ONU para revogarem as suas legislações discriminatórias.
“Um dos êxitos mais importantes é o amplo reconhecimento dado à igualdade de género e a sua instalação como um tema central do desenvolvimento”, disse Thoraya Ahmed Obaid, directora-executiva do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
A igualdade de género é um componente significativo da Plataforma de Pequim e também do Programa de Acção da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento de 1994, e dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM).
Outro sucesso que merece comemoração é o facto de estar para ser alcançada a ratificação universal da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Cedaw), disse Obaid. “Mas não podemos ficar nas palavras. Temos de levar na prática o que está escrito”, insistiu.
Thoraya Obaid disse em entrevista a Thalif Deen-IPS que a comunidade internacional deve destinar os recursos humanos e económicos adequados para lutar contra a desigualdade de género, a violência contra a mulher, a mortalidade materna e a incapacidade. Os governantes não devem apenas declarar o seu compromisso, devem prová-lo com destinações tangíveis de recursos humanos e económicos.
Do ponto de vista do UNFPA, o que espera destas duas semanas de sessões da Comissão da Condição Jurídica e Social da Mulher?
A minha principal expectativa é que os Estados-membros e as organizações não governamentais realizem uma análise estimulante e questionadora dos avanços da Plataforma de Acção de Pequim. O pacote de recomendações de Pequim continua a ser extremamente relevante para o sistema das Nações Unidas, para os ODM e para a agenda do Programa de Acção da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, com o qual o UNFPA colabora.
Espero que as discussões se concentrem em como conseguir uma convergência para essas questões fundamentais. Por exemplo, os compromissos sobre os direitos femininos, a redução da pobreza e o poder da mulher são mandatos comuns que se reforçam entre si. Devemos trabalhar sobre as nossas experiências de sucesso em alguns países e comunidades para que ganhem relevância e sejam implementadas soluções sustentáveis no âmbito local.
Também me interessa saber mais sobre os que fazem trabalho de campo para garantir que os direitos da mulher estejam consagrados legalmente, mas também que sejam implementados no âmbito comunitário, onde ocorre a maioria das violações.
Quais são os êxitos e os fracassos da Plataforma de Acção de Pequim? O que foi possível implementar e o que resta fazer, especialmente em matéria de direitos reprodutivos?
Um aspecto é a importância que se dá, cada vez mais, à questão da igualdade de género em todos os assuntos de desenvolvimento, humanitários e emergentes, desde a mudança climática até a crise financeira. Os compromissos internacionais permitiram melhorar a receptividade para as questões de género no âmbito parlamentar em muitos países e facilitaram um corpo significativo de instrumentos de direitos humanos para proteger e promover os direitos da mulher.
“Foram aprendidas as lições” em matéria de poder de género?
Espero que haja um grande intercâmbio Sul-Sul porque é muito rico e tem uma relevância imediata. Houve êxitos, mas o resultado final, e pelo qual lutamos – a implementação de todas as leis e programas que permitam a igualdade de género – continua esquivo. Espero poder compartilhar histórias de sucessos e provas de como podemos tornar mais real uma verdadeira igualdade de género.
O poder de género é visto como um desafio?
Todos sabemos que alcançar a igualdade de género e o poder da mulher são um desafio para toda a sociedade, homens e mulheres. Não é um assunto feminino, mas de toda a sociedade. Quando as mulheres podem participar, quando não sofrem violência, quando podem dar à luz sem morrer nem terem sequelas, quando podem receber educação e ganhar o seu sustento, tudo isso é bom, não só para elas, mas também para os homens.
Os homens têm algum papel a desempenhar em matéria de poder de género?
Quando homens e mulheres mantêm uma relação de respeito e se reconhecem como companheiros iguais, o beneficio será mútuo. Uma lição que aprendemos é que não podemos alcançar a igualdade de género sem a participação de muitos actores. Estamos a aprender a envolver novos colaboradores para identificar e trabalhar pelos interesses e objectivos comuns. Isso é o que estamos a fazer no UNFPA.
A agência fez um estudo sobre igualdade de género no Azerbaijão, que a Cedaw comparou com numerosas referências em vários livros muçulmanos reconhecidos. Foram encontradas muitas semelhanças com o Islão, embora também tenhamos identificado as diferenças.
Surgiram questões de mútua preocupação como a violência contra a mulher, o casamento precoce, o respeito pela dignidade feminina e a igualdade na economia e na participação política. As conclusões serviram para elaborar materiais de capacitação para sensibilizar os líderes religiosos.
Quais desafios ainda restam para enfrentar?
O principal desafio é a necessidade de conseguir uma igualdade de género ampla, consistente e sustentável ali onde conta, no terreno, na vida das mulheres, e também de homens, nas suas comunidades. A igualdade de género refere-se a homens e mulheres.
Nas sessões da CSW pedirei urgência aos delegados para que definam formas de apoiar enfoques que permitam que os que se consideram guardiões das estruturas, dos sistemas e das instituições sociais, se apropriem dos direitos humanos e da igualdade de género e também para os novos facilitadores comunitários da mudança.
As novas alianças que forem construídas deverão partir da base comum de que parte do processo de mudança é questionar as práticas existentes e chegar a um entendimento sobre os princípios relevantes em matéria de direitos humanos. Isso exige negociações e debates dentro das comunidades, com a participação de mulheres e homens. Outro desafio é buscar a forma de passar o bastão à geração mais jovem, para que encontre a sua maneira de lutar contra a desigualdade de género.
Pode ser diferente da maneira que a minha geração encontrou, porque os jovens vivem num novo século, com a sua própria dinâmica e têm a sua forma de conseguir as mudanças. Temos de analisar como a geração mais velha instruiu as mulheres e os homens jovens e facilitou o espaço necessário para que possam ocupar um lugar central, tomem o microfone e nos digam o que sentem e o que pensam sobre estes assuntos e como podemos abordá-los.
Entrevista publicada em IPS/Envolverde.
Thoraya Obaid: “Temos de fazer o que está escrito”
07 de março 2010 - 0:00
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