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Sanções: O rolo compressor da chantagem política

Quando a Comissão Europeia (CE) “aprovou” o Orçamento do Estado de Portugal para 2017, embora com avisos de que iria manter uma vigilância apertada sobre o mesmo, já tinha deixado um historial de ameaças sobre imposições de sanções que acabaram por se tornar num dos assunto do ano.
As principais vítimas desta deriva punitiva são os países do sul, vergados a políticas de austeridade extremas que provocaram uma regressão social devastadora.
As principais vítimas desta deriva punitiva são os países do sul, vergados a políticas de austeridade extremas que provocaram uma regressão devastadora.

Os eurocratas da CE mantiveram assim aberto um caminho de chantagem com o objetivo de condicionar as políticas orçamentais que o acordo estabelecido entre PS, Bloco, PCP e PEV, após as legislativas de 4 de outubro, definiu para reverter as políticas de austeridades levadas a cabo durante o governo do PSD/CDS e que conduziram o país a uma das maiores crises sociais das últimas décadas.

Opondo-se na verdade a um governo disposto a pôr em prática medidas para travar o empobrecimento e repor gradualmente salários e pensões impostas pela troika, a Comissão Europeia que nos últimos anos cavou ainda mais o fosso entre os diversos Estados-membros da União Europeia, dava uma vez mais mostras de que olha para o espaço europeu através de um mecanismo que tem dos dois pesos e duas medidas.

As principais vítimas desta deriva punitiva são os países do sul, vergados a políticas de austeridade extremas que provocaram uma regressão social e política impensável há uns anos.

Seria difícil imaginar que o governo da Alemanha de Angela Merkel e Wolfgang Schäuble olhasse com bons olhos para uma prática política destinada a travar a privatização de setores estratégicos da economia nacional e não estivesse disposta a prosseguir a destruição do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública e das funções sociais do Estado, que são pilares vitais para a manutenção da qualidade de vida das populações e também referências das conquistas alcançadas com a democratização do país.

Seria difícil imaginar que o governo da Alemanha de Angela Merkel e Wolfgang Schäuble olhasse com bons olhos para uma prática política destinada a travar a privatização de setores estratégicos da economia nacional e não estivesse disposta a prosseguir a destruição do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública e das funções sociais do Estado

Assim, a CE, o diretório e o BCE entregaram-se a um processo destinado a limitar a política da maioria parlamentar e a degradar a sua imagem uma vez que Portugal deixou de ser em permanência “o bom aluno”, ou seja, aquele que, abdicando da soberania e dos interesses das populações, se limitava a obedecer deixando ainda o campo aberto para a implementação de mais medidas restritivas que no essencial tiveram sempre o objetivo de penalizar o povo português e em especial os trabalhadores e os reformados que em muitos momentos foram responsabilizados pela difícil situação económica e financeira que atingiu o país em 2010 e que se agravou substancialmente com a adoção das medidas impostas pela troika.

Este processo que tocou os limites do absurdo dada a sucessão quase diária de declarações sobre a inevitabilidade da aplicação de sanções a Portugal e Espanha, a que se seguiam outras em que era anunciado que as mesmas ficariam adiadas durante mais algum tempo, levou a coordenadora do Bloco, Catarina Martins a afirmar, em outubro, que “a novela das sanções da suspensão dos fundos estruturais já devia ter encerrado” uma vez que “este serve outro propósito que é ao mesmo tempo condicionar a negociação do Orçamento do Estado [para 2017] fazendo uma pressão gigantesca" para que o caminho da "recuperação de rendimentos e resposta às pessoas não continue”.

A "desilusão" de Dijsselbloem

O debate em torno das sanções revelou ainda outros aspetos caricatos, nomeadamente o de se de saber com exatidão se as mesmas se reportavam à execução orçamental de 2015 ou se eram uma mera previsão de que o OE para 2016 se mostrava incapaz de satisfazer as imposições de Bruxelas.

Esta dúvida deixou a nu as políticas levadas a cabo pelo governo PSD/CDS e desmontou para quem ainda tivesse dúvidas que os cortes contínuos, que foram a imagem de marca da sua atuação, serviram apenas para aumentar as desigualdades.

As manobras de engenharia financeira ficaram à mostra de todos a par da hipocrisia dos decisores da UE que nunca tomaram como missão primordial a solidariedade em relação a um país em dificuldades, preferindo abrir o caminho para o enriquecimento dos especuladores financeiros que pululam nos corredores de Bruxelas.

Talvez por essa razão e para não colocar em causa a tão propalada “saída limpa” que Passos Coelho e Paulo Portas repetiram até à náusea após o cumprimento do programa de austeridade da troika, deixaram uma vez mais crescer um labirinto de dúvidas continuando apenas a insistir na necessidade de aplicar as regras dos Procedimentos por Défice Excessivo.

Neste jogo de contornos muito duvidosos, cabe ainda salientar a desilusão manifestada, no final de julho, pelo presidente do Eurogrupo e ministro das Finanças da Holanda, Jeroen Dijsselbloem, que, a propósito de mais um recuo em relação à aplicação de sanções pela CE, veio manifestar publicamente o seu “desapontamento” tendo afirmado: “É dececionante que não haja seguimento da conclusão de que Espanha e Portugal não tomaram ações eficazes para consolidar os seus orçamentos”.

Dijsselbloem, um dos mais férreos defensores da ortodoxia punitiva que é hoje a imagem de marca da União Europeia, não deixou no entanto de acrescentar que “deve ficar claro que, apesar de todos os esforços realizados, Espanha e Portugal ainda estão em perigo”.

As ameaças continuaram assim a pairar sobre um país apostado em reerguer-se dos dramas e humilhações que lhe tinham sido infligidos num passado muito recente.

"A punição como “incentivo”

Em outubro, a deputado europeia do Bloco, Marisa Matias questionou no Parlamento Europeu, o comissário do Emprego, Crescimento, Investimento e Competitividade, Jyrki Kaitanen, sobre o que entendia como incentivo e sanção já que este tinha considerado que as sanções a aplicar a Portugal e Espanha “funcionariam como um incentivo”.

“Não é um incentivo. Vocês na Comissão [Europeia] falam uma língua estranha. Muitos de nós não gostam do trabalho que o senhor faz e se decidirmos suspender metade do seu salário entende como um incentivo ou sanção?” perguntou a eurodeputada.

Antes, Marisa Matias tinha classificado a austeridade como “um crime contra o que resta do processo europeu” e lembrou que “os portugueses e espanhóis sofreram na pele e ainda sofrem as consequências das políticas de austeridade que lhes foi imposta durante anos”.

Marisa Matias falou em sanções absurdas e contraproducentes, além de profundamente injustas depois de os dois países terem sido obrigados a reduzir os níveis de investimento para quase nada porque todo o investimento atingiu mínimos recorde em Portugal e Espanha.

 

 

(...)

Neste dossier:

Os temas de 2016

Neste ano em que todos os perigos se adensaram no mundo e em que a Europa falhou no principal, Portugal conseguiu provar que a política de austeridade não é inevitável e deu esperança na luta pela mudança social em defesa dos mais pobres e do trabalho. Veja aqui uma seleção de alguns temas que marcaram o ano de 2016 em Portugal e no mundo.

Um ano de acordo à esquerda

O ano ficou marcado pela reversão de medidas do anterior governo PSD/CDS e pela recuperação de rendimentos. O acordo que viabiliza o atual executivo do PS veio provar que era possível outro caminho. É preciso ir ainda mais longe, nomeadamente no combate à precariedade, e não aceitar recuos na defesa dos direitos.

Donald Trump na série Simpsons

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A eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA é um elemento central no movimento de extrema-direita internacional.

Urso polar num iceberg a derreter.

2016, o ano mais quente de sempre que já não é notícia

Dos 17 anos mais quentes desde que há registos, só um não pertenceu ao século XXI. Alterações climáticas são a constante mais evidente num tempo de instabilidade fortemente associada à crescente degradação material do planeta. Por João Camargo.

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Com a maior abstenção de sempre em eleições sem recandidaturas presidenciais, a vitória de Marcelo acabou por se traduzir na pior votação do atual Presidente, comparando com os seus antecessores. Com mais de 10% dos votos, Marisa Matias conseguiu superar o melhor resultado da área do Bloco e tornou-se a mulher mais votada de sempre para a Presidência.

 

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11 dos 17 ativistas angolanos que foram julgados.

Repressão em Angola

Os 17 jovens ativistas angolanos foram acusados de “atos preparatórios de rebelião e associação de malfeitores” e condenados a penas entre os dois e os oito anos, apesar de depois terem recebido uma amnistia. Eduardo dos Santos foi reeleito presidente do MPLA por 99.6% dos votos e prepara sucessão.

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O ano que agora termina continuou a ser marcado pela crise dos refugiados, vítimas de um complexo de jogo de interesses que continuou a desprezar os Direitos Humanos daqueles que fogem do terrorismo e da guerra.

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Farmacêutica comprou multinacional produtora de sementes geneticamente modificadas e de pesticidas, entre os quais o glifosato. Grupo resultante será o maior do ramo e representará um desastre para a nutrição global.

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Apesar de ter vários jogadores de craveira internacional, Portugal acabou por ser um campeão europeu improvável, sobretudo se tivermos em linha de conta que jogou a final contra a França, país organizador do Europeu. Por Pedro Ferreira.

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O ano marcado pelo afastamento de Dilma Rousseff e pelo fim dos governos hegemonizados pelo PT termina com mais incógnitas que certezas. Por Luis Leiria, no Rio de Janeiro.