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Os refugiados e os interesses que os aprisionam

O ano que agora termina continuou a ser marcado pela crise dos refugiados, vítimas de um complexo de jogo de interesses que continuou a desprezar os Direitos Humanos daqueles que fogem do terrorismo e da guerra.
 Estima-se que quatro milhões de sírios tenham fugido do país. Foto Obvius
Estima-se que quatro milhões de sírios tenham fugido do país. Foto Obvius

Os conflitos bélicos com particular destaque para a guerra na Síria mas também a fome, as perseguições e as alterações climáticas, foram responsáveis pela fuga de milhares de pessoas que em condições de extrema precariedade continuaram a tentar chegar à Europa. Muitas perderam a vida e outras continuam à espera de uma solução que lhes proporcione condições de segurança e dignidade.

A Europa respondeu a esta crise humanitária fechando-se sobre si própria numa demonstração cabal de que não esteve à altura das vítimas.

Optou por seguir a política do ódio, dos discursos marcados pela demagogia e que serviram de justificação para a construção nas suas fronteiras de muros e de barreiras de arame farpado.

Num balanço divulgado em meados de dezembro, a Organização Mundial das Migrações (OIM) tornou público que a travessia do Mediterrâneo tinha custado - até ao momento – a vida a cerca de 7200 refugiados, número que representa um aumento de 20 por cento em relação ao ano anterior.

De acordo com a OIM, este números significam que, em média, 20 pessoas por dia perderam a vida deixando ainda o alerta que este número tenderá a aumentar em mais 200 ou 300 mortes até ao final do ano.

Embora os refugiados não sejam apenas oriundos da Síria, a verdade é que a guerra que grassa naquele país desde 2011 revela números impressionantes: até ao momento já causou a morte a 500 mil pessoas e 12 milhões de deslocados.

Esta guerra - que contribuiu de uma forma muito significativa para o agravamento da desestabilização em todo o Médio Oriente - originou ainda a fuga de mais de quatro milhões de pessoas que procuraram noutras latitudes a possibilidade de refazer a vida destruída pelo conflito.

Vencer o medo

Independentemente das críticas e dos apelos das organizações internacionais, a União Europeia (UE) não alterou a sua estratégia em relação aos refugiados e, desta forma, abriu ainda mais o caminho à construção de muros, à militarização das fronteiras, dando assim suporte a políticas securitárias que explorando o medo de muitos cidadãos europeus levaram a extrema-direita a ganhar um novo fôlego político suscetível de num futuro próximo poder vir a pôr em causa a democracia e a liberdade que caracterizaram a maioria dos regimes do continente europeu após a última Guerra Mundial.

Hoje em dia há milhares de pessoas nos chamados abrigos temporários, que na verdade não passam de campos de concentração onde milhares de homens, mulheres e crianças têm as vidas suspensas à espera de apoio para darem um novo curso às suas vidas.

A indiferença perante o sofrimento e a morte tem sido justificada pela hipocrisia dos discursos dos responsáveis políticos que reiteradamente manifestam a sua "impotência" para resolver um problema cuja dimensão atingiu já proporções catastróficas e que a curto prazo poderá ficar sem controlo.

O silêncio tem sido muitas vezes a arma daqueles que deviam estar na primeira linha a delinear estratégias para resolver este drama, mas vai deixando que o medo alastre e estigmatize estes homens e mulheres muitas vezes acusados de querer apenas usufruir dos benefícios socais dos países para onde pretendem ir, ou até para organizar células terroristas e realizar atentados.

É preciso vencer o medo que tomou conta de muitas pessoas e que por esta razão foram atrás daqueles que falam na necessidade de impedir a colonização da Europa.

Segundo o diretor da agência de refugiados da ONU na Grécia, Philipe Leclerc, entre 6 de junho e 30 de junho, o pré-registo de pedidos de asilo abrangeu 27.592 pessoas o que constituiu um novo recorde mundial.

Este números levaram o ministro grego para as Migrações, Yannis Mouzalas, a fazer uma chamada de atenção para as consequências de um eventual colapso do acordo firmado entre a UE e a Turquia.

É preciso vencer o medo que tomou conta de muitas pessoas e que por esta razão foram atrás daqueles que falam na necessidade de impedir a colonização da Europa.

Yannis Mouzalas, chegou mesmo a pedir um Plano B, ante as sucessivas ameaças do governo turco em cancelar o acordo se a União Europeia não suprir a exigência de vistos para os turcos que queiram viajar para o continente europeu.

É preciso ter em conta que a Europa deixou a Grécia, um dos países mais pobres do continente, a gerir sózinha uma crise humanitária de proporções gigantescas.

Percebe-se assim de uma forma inequívoca que esta crise acabou enredada numa teia de interesses políticos que, longe de se direcionarem para a resolução do problema, tem sido usada como arma de arremesso para garantir outros objetivos que se prendem com os interesses particulares dos vários países envolvidos na resolução desta crise.

A problemática dos refugiados não atinge exclusivamente o continente europeu se tivermos em linha de conta que dos 21 milhões de refugiados existentes no mundo, 12 milhões foram acolhidos por 10 países que se situam no Médio Oriente e no continente africano, de acordo com a Amnistia Internacional (AI).

Estes países repartem entre si apenas 2,5 do PIB mundial e fazem ainda fronteira com outros países em guerra o que para a organização significa que muitas vezes não têm condições para acolher os refugiados não lhes podendo proporcionar horizontes de futuro o que os leva a ter de partir de novo à procura de melhores condições de vida.

Para o secretário-geral da AI, Salill Shetty “está na hora dos líderes realizarem um debate sério e construtivo acerca de como as nossas sociedades irão ajudar as pessoas que são forçadas a abandonar as suas casas por causa da guerra e da perseguição."

Para aquele responsável “eles os líderes mundiais precisam de explicar como é que o mundo consegue resgatar bancos, desenvolver tecnologias e travar guerras, mas não consegue encontrar locais seguros para os 21 milhões de refugiados, ou seja, apenas 0,3 por cento da população mundial”.


"Está na hora de realizar um debate sério e construtivo sobre o drama dos refugiados", afirma o secretário-geral da Amnistia Internacional, Salill Shetty. Foto de A. D'Amato/ ACNUR
 
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