Donald Trump, de farsa a ameaça global

A eleição de Donald Trump para Presidente dos EUA é um elemento central no movimento de extrema-direita internacional. Resumimos aqui os principais pontos da campanha presidencial nos EUA.

30 de dezembro 2016 - 15:40
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Donald Trump na série Simpsons
Donald Trump na série Simpsons

Não são poucos os indícios de que Trump nunca esperou realmente ser nomeado e que tenha entrado na corrida apenas como campanha de auto-promoção. O que não quer dizer que não tivesse a ambição de ser Presidente dos EUA.

De facto, Trump prepara a narrativa da sua campanha desde 2011, tornando-se a cara dos “birthers”, movimento racista que não acreditava que alguém com o nome Barack Hussein Obama, ainda por cima negro, tivesse nascido nos EUA e, logo, pudesse ser eleito Presidente. O ridículo conspirativo foi compreensivelmente desprezado e, devidamente humilhado, pelo próprio Obama num célebre discurso no jantar anual que a Casa Branca organiza com a comunicação social.

A estrutura de notícias falsas e conspirativas que viria a sustentar a campanha presidencial de Trump tem início aqui. É precisamente em 2012 que Steve Bannon assume as rédeas da Breitbart News, o projeto de Andrew Breitbart para um portal de informação e opinião de extrema-direita concebido após uma visita a Israel em 2007.

Bannon redefine a Breitbart primeiro como uma “plataforma para a alt-right”, o movimento de extrema-direita norte-americano e, hoje, como uma rede internacional de promoção da extrema-direita através da futura administração Trump. Dentro do seu círculo de influência contam-se já Nigel Farage, do UKIP britânico, Marine Le Pen, da Front National, Beppe Grillo, do Movimento 5 Estrelas italiano, o Partido da Liberdade e o AfD das extremas-direitas austríaca e alemã. Todos estes grupos, simultaneamente, com relações e financiamento do regime de Vladimir Putin.

Campanha para a nomeação do Partido Republicano

Donald Trump anunciou a sua candidatura à nomeação do Partido Republicano a 16 de junho de 2015. Marcou instantaneamente a campanha ao classificar os mexicanos de “violadores” e “criminosos”.

A campanha para a nomeação do partido Republicano durante 2015 e início de 2016 é um fenómeno do “politicamente incorrecto”, o fantasma da prisão vocabular e ideológica criado pela direita e que Trump utilizou para justificar qualquer alarvidade que dissesse. Dos 17 candidatos, nenhum conseguiu ultrapassar a capacidade mediática de Trump no primeiro debate republicano.

Em dezembro de 2015, Trump alarga o seu espectro de mensagem xenófoba aos muçulmanos após o ataque em Orlando, um ataque homofóbico que Trump escolhe retratar como “ataque terrorista do islão radical” que justifica impedir qualquer refugiado sírio, ou qualquer imigrante muçulmano, de entrar nos EUA:

 

A acusação de “provável fraude eleitoral” que Trump lançou sobre Clinton no final da campanha foi uma estratégia que utilizou recorrentemente na corrida para a nomeação republicana, acusando Ted Cruz de ganhar o Estado do Iowa de forma fraudulenta.

Já em março de 2016, Donald Trump clarifica a sua posição sobre liberdade das mulheres para interrupção voluntária da gravidez, declarando que “tem de haver alguma forma de punição” para mulheres que abortam.

E a 26 de maio, Trump atinge o número de delegados republicanos necessários para a nomeação.

Campanha presidencial

A 9 de agosto, novo escândalo quando Trump sugere que pessoas armadas “tratem” de Hillary Clinton:

O primeiro debate presidencial de 26 de setembro entre Hillary Clinton e Donald Trump é uma clara vitória para Hillary:

A 7 de outubro, as declarações de Trump sobre mulheres numa conversa com Billy Bush causam alarme pela legitimação de uma cultura de violação que Trump rejeita como “conversa de vestiário”.

O segundo debate presidencial acontece dois dias depois, a 9 de outubro. Trump antecipa o debate com ameaças de trazer as acusações de abuso sexual de Bill Clinton para a campanha.

O terceiro debate presidencial de 19 de outubro confirma a predominância de Hillary nos debates numa altura em que as sondagens a colocam com vantagem quase intransponível.

Os e-mails de Hillary Clinton

Enquanto Secretária de Estado dos EUA (Ministra dos Negócios Estrangeiros) no primeiro mandato de Obama (2008-2012), Hillary Clinton utilizou um servidor pessoal para troca de e-mails oficiais. Uma prática que viola os regulamentos e regras legais de transparência do Estado.

É lançada uma investigação oficial por parte do FBI sobre os e-mails encontrados no servidor pessoal de Hillary. A 5 de julho, o diretor do FBI, James Comey, declara que os e-mails de Hillary Clinton não demonstram qualquer indício criminal. Os e-mails são publicados para consulta a 2 de setembro e confirma-se que não têm qualquer conteúdo novo.

No entanto, a 28 de outubro, o diretor do FBI James Comey reintroduz os e-mails de Hillary Clinton na campanha, a menos de duas semanas do dia eleitoral, lançando suspeitas destas vez nos documentados encontrados no computador pessoal de Anthony Weiner, então marido da chefe de gabinete de Hillary Clinton. Este anúncio vai-se revelar pivotal na campanha, com Trump a recuperar nas sondagens até ao dia das eleições.

8 de novembro, dia das eleições

No dia das eleições, Donald Trump afirma hoje que estava convencido que iria ser derrotado. Na realidade, apesar de as probabilidades estarem fortemente a favor de Hillary, as sondagens nos Estados cruciais para uma vitória não mostravam qualquer margem confortável de eleitorado favorável a Hillary. Bastava por isso uma variação dentro da margem de erro em Estados como a Florida, Michigan ou Ohio para tudo se alterar, o que acabou por acontecer.

Para entender o processo eleitoral nos EUA é importante relembrar que o voto popular não determina o vencedor diretamente. Na verdade, Hillary Clinton ganhou o voto popular por uma confortável margem de 2,5 milhões de votos. Mas o sistema eleitoral está construído por delegação representativa do voto popular. Ou seja, cada Estado federado representa um número de delegados (proporcionais à população) que são adstritos ao vencedor do voto popular nesse Estado. Assim, o candidato que colecionar mais delegados ganha a Presidência. Significa isto que um candidato pode sair vencedor numa geometria variável de Estados, mesmo perdendo o voto popular.
 


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Este sistema não é de todo consensual e, segundo o Arquivo Nacional dos EUA, foi o assunto que mais propostas de alteração constitucional recebeu até hoje - mais de 700 propostas em 200 anos. No entanto, nenhuma mereceu maioria no Congresso ou no Senado dos EUA.

Assim, Donald Trump será Presidente dos EUA sem mandato popular. Algo que não é inédito (George W. Bush, entre outros, não obtiveram maioria de votos) e que criou dificuldades de legitimidade política na relação entre a Casa Branca e as duas câmaras legislativas. No entanto, Donald Trump terá uma maioria absoluta e confortável do Partido Republicano tanto no Congresso como no Senado, sem ninguém que atue como contrapeso institucional ao poder executivo.

A ameaça global

A revista The Economist elencava em Março de 2016 a lista dos dez acontecimentos potenciais mais perigosos para o mundo. Numa escala de 1 a 25, Trump estava num modesto 12º lugar, equiparado à "ameaça do terrorismo jihadista desestabilizar a economia mundial". Mas, desdramatizava a revista, é "pouco provável que Trump derrote Hillary".

Por seu lado a revista Time declarou Trump a "pessoa do ano", precisamente pelo risco global que ele representa. O problema começa na relação com a verdade. Trump legitimou uma narrativa popular de extrema-direita que rejeita as noções mais básicas de progresso humano ou decência cultural. Como o editor da Time escreve, "fazer a América forte novamente" (do slogan de Trump "make america great again") enquanto se destrói o mundo não é uma estratégia viável.

Alterações Climáticas

Num tweet já famoso que Trump reafirmou incansavelmente, as alterações climáticas são "uma conspiração chinesa para destruir os EUA".
O efeito das alterações climáticas no nosso futuro é ainda difícil de calcular mas, julgando pelos efeitos já visíveis, podemos prever de forma conservadora que será mais grave do que o simples aumento do nível dos oceanos.

Da destruição de culturas agrícolas à proliferação de doenças tropicais, de guerras por recursos a colapsos económicos regionais e migrações em massa, qualquer modelo científico revela cenários para os quais simplesmente não estamos preparados. Os acordos de Paris não são suficientemente ambiciosos para evitar problemas mas pelo menos obrigariam a humanidade a assumir esforços concertados para minimizar as consequências do aquecimento global.

Trump já deixou claro que rejeitará os Acordos de Paris e qualquer estratégia para uma economia verde. A nomeação de Rex Tillerson, CEO da Exxon Mobile, companhia que financia várias organizações que promovem o negacionismo climático, é apenas a confirmação da rejeição de qualquer esforço embientalista.

Proliferação nuclear

9 países controlam mais de 15 mil armas nucleares. Basta que 1% dessas armas seja utilizado para que os efeitos no ambiente global lancem uma crise agrícola e fome generalizada. A intenção de "reforçar o arsenal nuclear" dos EUA, o país já de si com maior número de ogivas nucleares, é por isso uma ameaça mundial.

Mesmo desdramatizando as declarações bombásticas de Trump, o que é claro é que defendeu consistentemente em toda a campanha que o Japão e a Coreia do Sul devem desenvolver o seu próprio arsenal nuclear, violando uma política de não proliferação que, mal ou bem, se tornou a posição default dos EUA nos últimos 60 anos.

A nomeação do general Michael T. Flynn para conselheiro nacional de defesa, cargo que define a política de intervenção militar dos EUA, prenuncia que o primeiro passo será a renegociação do tratado de não proliferação com o Irão.

O acordo estabelecido por Obama com o regime iraniano nunca foi aceite pelo Partido Republicano, que montou uma guerrilha política em torno do tema convidando inclusivamente o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a discursar contra Obama numa sessão plenário no Congresso dos EUA em 2015.

Israel, tal como o general Michael T. Flynn, defende o bombardeamento unilateral do Irão. Uma medida de eficácia duvidosa que se limitaria a agravar as tensões no médio-oriente e fortalecer o regime dos ayattolahs.

Trump, Putin, e a extrema-direita na Europa

Depois de Farage, Le Pen, 5 Estrelas e Liga Norte, o site de extrema-direita norte-americano Breitbart News aproveitou o ataque em Berlim para promover a mensagem do AfD, partido alemão de extrema-direita com um programa abertamente xenófobo que se tornou o principal opositor da CDU de Ângela Merkel. O AfD foi rápido a culpar Angela Merkel e os refugiados pelas mortes do ataque, uma linha que Nigel Farage se apressou a replicar em total sintonia com a Breitbart News.

A cobertura da Breitbart aos ataques de Berlim ignora todos os factos, incluindo a libertação do primeiro suspeito, optando por uma exploração mediática de medo anti-refugiados que corresponde à agenda da AfD.

O projeto de Steve Bannon (editor da Breitbart e conselheiro de Donald Trump) de criar uma "plataforma da alt-right" (uma plataforma de extrema-direita) toma assim contornos internacionais cada vez mais claros.

Simultaneamente, a extrema-direita austríaca do Partido da Liberdade (PL) assinou um protocolo com o Rússia Unida, partido super-maioritário na Rússia de Vladimir Putin. Este protocolo surge após Heinz Christian Strache, líder do PL, ter reunido com o General Michael T. Flynn, o conselheiro de segurança nacional nomeado por Trump (cargo que coordena e define a política de ação militar dos EUA).

Segundo o New York Times, o acordo delineia um plano de reuniões regulares e cooperação em assuntos económicos e políticos, sendo válido por cinco anos. Foi assinado por Sergei Zheleznyak, adjunto do secretário geral do Rússia Unida que, ao receber Strachen, mencionou especificamente a "crise de imigração" como uma das áreas de cooperação. Em troca, Strache escreveu esta segunda-feira no facebook que a cooperação entre os EUA e a Rússia seria importante para resolver as crises na Síria e na Crimeia, de forma a "terminar as sanções danosas para a economia".

Na realidade, a aproximação de Strache ao regime russo não é nova e corresponde a um padrão. Em 2014, a imprensa alemã encontrou suspeitas de financiamento ilegal do Partido da Liberdade através da oligarquia de Putin, bem como de um empréstimo de 9 milhões à Frente Nacional de Marine Le Pen e 2,1 milhões ao AfD.

Estes financiamentos fazem parte, alegadamente, de um projeto político de Putin de utilizar a crise de refugiados para criar instabilidade política dentro dos países europeus, mobilizando a opinião pública para uma frente conservadora que, agora, tem um novo aliado na administração Trump.

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