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Quem são os donos da Escócia?

John Glen, o diretor executivo de Buccleuch Estates diz que os membros da Scottish and Land Estates “gerem um razoável volume de recursos naturais”. E tem razão: entre eles, os 2.500 membros devem ser proprietários de três quartos do território escocês. Artigo de Peter Geoghegan.
Foto Elliott Brown/Flickr

A Scottish Land and Estates, que representa os proprietários de terras na Escócia, realizou recentemente um vídeo promocional para juntar à sua resposta ao apelo do grupo governamental para a preparação de uma reforma agrária (Land Reform Review Group). Os dez minutos de filme abrem com a garantia dada por Luke Borwick, o secretário do grupo, de que os proprietários de terras escoceses não são plutocratas: “A grande maioria dos nossos membros são pequenos ou médios proprietários com posse e uso”. Como ele diz, o filme reduz-se a imagens de um casal passeando junto a um enorme monte e a um jantar de bêbados. Trata-se de Roshven House. São 50 acres perto de Fort William, Roshven está avaliado em valor de locação (por 11,000 Libras por semana).

Contrariamente ao que é costume num vídeo de relações públicas, o que os vários representantes engravatados dizem é muitas vezes tão interessante como o que não dizem. John Glen, o diretor executivo de Buccleuch Estates diz que os membros da Scottish and Land Estates “gerem um razoável volume de recursos naturais”. E tem razão: entre eles, os 2.500 membros devem ser proprietários de três quartos do território escocês. (A Buccleuch, sozinha, controla cerca de 250,000 acres). No “clip” seguinte, Glen insurge-se contra o desemprego jovem (“o maior desafio que enfrentamos hoje”). Uma série de hipóteses de empregos aparecem no écran: “Mecânico”, “Pastor”, “Guarda-caça” e, em grandes letras no centro do écran, “Assistente Financeiro”.

Andrew Bradford, da Kinkardine Estate, tem em pouca conta a eficiência dos proprietários privados para encontrar soluções de habitação para a população rural. Os proprietários “podem integrar a manutenção dos alojamentos”  com outros trabalhos tais como a agricultura e a silvicultura, diz ele, “de forma a que o sujeito que está ali a reparar uma casa hoje, possa amanhã estar envolvido na reparação de uma cerca”.  Em quase oito minutos, Borwick sugere ao espetador que esqueça “os acontecimentos históricos, particularmente nas Highlands” (as Clearences**, provavelmente) . “O que importa agora é o futuro do setor rural na Escócia”.

Alex Salmond anunciou no Verão passado, após um encontro do gabinete Governamental Escocês em Skye, a criação de um painel de três membros para estudar a reforma agrária. Até agora surgiram mais de 500 propostas, mas o Governo Escocês não quer fazer nenhuma declaração pública até o relatório final ser publicado no próximo ano.

O futuro do setor rural é, em parte, o objetivo do Land Reform Review Group. Alex Salmond anunciou no Verão passado, após um encontro do gabinete Governamental Escocês em Skye, a criação de um painel de três membros para estudar a reforma agrária. Até agora surgiram mais de 500 propostas, mas o Governo Escocês não quer fazer nenhuma declaração pública até o relatório final ser publicado no próximo ano.

A Escócia tem “um modelo particularmente concentrado de propriedade rural”, segundo Andy Wightman, um ativista da reforma agrária e autor de The Poor Had No Lawyers: Who Owns Scotland (And How They Got It). “A Escócia parece-se com a Irlanda antes de 1880”. O Land Reform Review Group provavelmente não poderá alterar isto em grande escala. O grupo inclui vozes importantes, de há muito favoráveis à reforma agrária (em especial o historiador das Highlands, professor James Hunter), mas o seu relatório só deve aparecer em Abril próximo, altura em que provavelmente será reduzido um curto texto, contaminado pelo debate do referendo.***

Para o fim do filme, Borwick acrescenta um “estudo independente” em apoio da manutenção do status quo. Realizado em 2010, esse estudo encontrou, entre outras coisas, “uma generalizada falta de conhecimento e de informação sobre propriedades por parte do público escocês”. O que é em grande parte uma verdade: a propriedade rural raramente é mencionada no dia a dia da vida escocesa. Não existe um movimento significativo pró-reforma agrária. Ninguém na Scottish Land and Estates diz isso em frente da câmera, mas todos esperam que as coisas fiquem como estão.


Peter Geoghegan é jornalista, escritor e editor da Political Insight Magazine. Publicado inicialmente no site London Review of Books, a 02/04/2013. Traduzido por Isabel Gentil.

* NT: Grupo criado pelo governo escocês para fazer, em 2014, um levantamento do território, com vista a limitar a percentagem de terra pertencente a proprietários privados e incentivar o reenvolvimento das comunidades locais na distribuição e manutenção de propriedade.
** NT: As “Highland Clearances” foram os despejos brutais levados a cabo na maior região da Escócia pelos grandes proprietários aristocráticos nos séculos XVIII e XIX, destruindo a agricultura e dispersando as populações.
*** NT: O relatório pode agora ser consultado aqui: http://www.scotland.gov.uk/Publications/2014/05/2852. Tal como o autor do artigo previa, foi publicado sem grande publicidade pela comunicação social. Uma análise detalhada do relatório pode ser consultada aqui: http://www.andywightman.com/?p=3676.

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Neste dossier:

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A Escócia já ganhou

O referendo de 18 de Setembro trouxe para o quotidiano discussões sobre história, política e economia, sobre o que foi o passado e o que se quer do futuro. Quase ninguém responde agora “ah, eu não falo dessas coisas”. E já não era sem tempo! Artigo de Mariana Vieira, em Edimburgo.

Por que passei a dizer SIM à Independência da Escócia

Podemos dizer que da União não sobra muito, a não ser sentimento, história e família. Algumas das razões pragmáticas para a subsistência da União, que emergiram nos séculos XVIII e XIX, desapareceram. Artigo do historiador Tom Devine, a principal referência do estudo da Escócia moderna .

Quem irá escrever a Constituição da Escócia?

Se a Escócia votar pela independência teremos de enfrentar importantes perguntas na área constitucional: Qual será a relação entre os cidadãos e os Estado? Quem escreverá a Constituição? Poderá o escocês comum a contribuir para esse processo? E como poderemos todos nós ser incluídos nele? O modelo islandês é um exemplo a seguir? Artigo de Jamie Mann.

A Economia e a Independência

O principal argumento do Better Together, de que as maiores economias são mais resistentes e flexíveis, ainda está por escrutinar. As pequenas economias do Norte, geograficamente semelhantes à Escócia, mantiveram as suas moedas independentes, mais estáveis do que a libra esterlina. Artigo de James Foley e Pete Ramand.

O voto no SIM na Escócia soltaria a mais perigosa das coisas: a esperança

O mito da apatia foi já destruído pelo movimento tumultuoso a norte da fronteira. Assim que há uma coisa pela qual vale a pena votar, as pessoas fazem filas pela noite fora para ter o nome no caderno eleitoral. A pouca participação nas eleições para Westminster reflete não a falta de interesse, mas a falta de esperança. Artigo de George Monbiot.

Petróleo do Mar do Norte: o que importa não é se vai haver um “boom” mas a quem pertence o petróleo

A única forma de diminuir o deficit e retomar os serviços públicos depois dos cortes da coligação, bem como de conseguir ter dinheiro para investir e reconstruir a economia escocesa será nacionalizar o petróleo do Mar do Norte. Artigo de Ralph Blake.

Cronologia da Independência

Momentos importantes da história da Escócia e das suas várias conquistas e sucessivas perdas de independência através dos séculos. Mais informação sobre cada época pode ser consultada, por exemplo, aqui.

Glossário do referendo

Quem é quem nesta campanha do referendo à independência? Quais os sites e blogs que defendem a campanha do Sim e têm tentado furar o bloqueio dos grandes meios de comunicação a favor do Não? Reunimos aqui alguma informação básica para acompanhar melhor esta campanha.

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Será interessante a resposta dos membros do SNP às possibilidades constitucionais abertas pela independência. Vão acomodar-se à monarquia pragmática dos seus dirigentes ou exigir uma alternativa mais radical e genuinamente democrática? Artigo de James Maxwell.

O Left Unity e o debate da Independência

Por explicarem o quadro geral das duas posições opostas, publicamos aqui dois textos do debate em curso no Left Unity, novo partido que pretende ser um agregador da esquerda por todo o Reino Unido. Até à data, o partido escolheu não tomar posição oficial, apesar de os seus membros participarem activamente nas campanhas respectivas. Alan Mackinnon defende o NÃO; Allan Armstrong responde-lhe pelo SIM.

Os socialistas e o SIM

Apoiar o direito democrático de nações como a Escócia à autodeterminação não faz de ti um nacionalista escocês, faz ti um democrata. Artigo de Colin Fox, porta-voz do Scottish Socialist Party.

Como se aproximam os sindicatos da independência?

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O direito a sonhar

Votar Não significa votar sim a um estado para quem a defesa e a política internacional passam por fingir que não fazem parte da Europa. Fingir que vivemos numa espécie de isolamento glorioso com os nossos “amigos” Estados Unidos. Artigo de Jo Clifford.

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Na sequência da carta aberta de 17 escritores e jornalistas escandinavos que apoiam a campanha do SIM, Pete Ramand e James Foley, cofundadores da Campanha Radical pela Independência e autores de Yes: The Radical Case for Independence, defendem a tese de que uma Escócia Independente deveria abandonar o capitalismo Anglo-Americano em favor de uma social democracia Nórdica.

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O Livro Branco sobre a independência lançado pelo Governo promete mudanças no regime de apoios sociais. Ao invés, o Labour só garante que a austeridade e os cortes vão continuar. Artigo de John McArdle.

Votar SIM é a única maneira de salvar da privatização o Serviço Nacional de Saúde

Enquanto o Serviço Nacional de Saúde Inglês está a ser privatizado, o Escocês regressou à filosofia tradicional do serviço unificado e de fundos públicos. Artigo de Philippa Whitford.

A negatividade do SIM

É também enquanto socialista que recuso acreditar que os nossos irmãos e irmãs sejam uma causa perdida. Para mim, um voto SIM soa a desistência e eu acredito que a única forma de ser socialista é manter viva a ideia de que venceremos, num dia distante, talvez, mas venceremos. Artigo de Juan Pablo Lewis Jr.

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A independência é a maior ameaça ao Reino Unido enquanto potência mundial desde a descolonização, fornecendo a uma Escócia independente a oportunidade de adoptar uma política estrangeira independente e justa. Artigo de Cat Boyd e Jenny Morrison.

Imigração na Escócia pós-referendo

A diferença das necessidades demográficas e de migração da Escócia significam que a atual política de imigração do Reino Unido não contemplou as prioridades escocesas no campo da migração. Excerto do Livro Branco do governo escocês, “Scotland’s Future”.

Separando os factos da ficção - o que significa a Grã-Bretanha?

David Cameron e o seu lacaio Michael Gove querem introduzir “Valores Britânicos” na escolas britânicas. Querem ensinar à nossas crianças o que é ‘liberdade’, ‘tolerância’, ‘respeito pelas leis e pelo direito’, ‘crença na responsabilidade pessoal e social’ e ‘respeito pelas instituições britânicas’. Peguemos esta hipocrisia pelos cornos. Artigo de Suki Sangha.

Os planos A, B, C, D, E, F… da moeda Irlandesa desde a independência

Se a libra esterlina passar em 2020 por uma crise como a dos anos 70, o governo da Escócia independente, SNP ou outro qualquer, fará o que fez a Irlanda: vai abandonar a libra esterlina sem hesitar e usar a libra escocesa, mantendo-a dentro dos limites estabelecidos com as moedas dos seus parceiros de mercado, por exemplo, a Zona Euro, os EUA, a Noruega, etc. Artigo de Sean O’Dowd.