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Porque atirei uma tarte à cara do Rupert Murdoch

Alguns podem pensar que a minha acção jogou a favor de Murdoch, mas eu fi-la por todas as pessoas que não puderam. Por Jonnie Marbles, o comediante activista que atirou uma tarde de espuma a Rupert Murdoch no final da audição parlamentar.
Imagem de Jonnie Marbles no momento em que recolhe o prato já sem espuma.

Primeiro ponto: eu não odeio octogenários. Não tenho uma vendetta contra os maiores de 80 que gostam de depor relutantemente em comissões parlamentares. Nem tenho o hábito de atacar magnatas dos media nas televisões internacionais. Ontem foi, espero eu, uma vez sem exemplo.

Se você tem uma mente sã, poderá sensatamente perguntar o que foi que me possuiu para entrar clandestinamente com uma tarte de espuma de barbear em Portcullis House e atirá-la à (embora, infelizmente, não para dentro da) cara  de um dos homens mais ricos e poderosos do mundo. Não o fiz para ter mais seguidores no Twitter. Simplesmente fi-lo por todos os que não puderam.

Não é difícil encontrar razões para não gostar de Rupert Murdoch. O seu poder é uma das forças mais insidiosas e tóxicas na política global hoje em dia. O escândalo das escutas, por mais vil que seja, mal arranha a superfície dos estragos feitos pela News International. É um império mediático assente na fraude e na cólera, que trafica acrimónia como sendo debate e não tem problemas em lubrificar as rodas do poder até que virem a seu favor. Para mais, independentemente dos ressentimentos que ele semeia naqueles que nunca conheceu, o seu poder e dinheiro mantêm-no para sempre em segurança e fora do seu alcance.

Sim, é verdade que o poder de Murdoch está a minguar. Mas é igualmente verdade que ele nunca enfrentará a verdadeira justiça. A comissão parlamentar de ontem já era uma farsa antes da espuma ter deixado os meus dedos: um painel de desdentados a confrontar homens demasiado escorregadios para serem apanhados entre as suas gengivas.

Eu estava cheio de esperança enquanto Tom Watson interrogava Murdoch Sr. implacavelmente, com a paixão e o vigor que podíamos achar ser a norma quando os nossos representantes eleitos enfrentar os autores dum novo Watergate. Por alguns momentos resplandecentes ainda pensei que veria a justiça a ser feita, guardava a tarte no bolso e poupava-me a uma noite na cadeia. Mas foram momentos curtos: enquanto membro da comissão após membro da comissão iam debilmente espicaçando à volta do assunto e Murdoch Jr. começou a mandar, eu soube que ia ter mesmo de fazer figura de urso.

Para ser franco, não pensava chegar tão longe, mas a segurança parlamentar, com os seus polícias empunhando metralhadoras e as suas máquinas de Raio X espalhadas, aparentemente não dão luta a um homem com pratos cobertos de espuma no seu saco. Então, assim chegado à sala da comissão, fui sendo ajudado por alguma sorte não desejada. A minha ideia foi sempre esperar pelo fim da audição antes de lançar a minha cruzada circense e quando o penúltimo orador acabou muitas pessoas saíram, deixando-me caminho aberto para Murdoch. Foi um sentimento horrível: tinha o plano, a tarte e já não sobravam desculpas.

Quis libertar uma onda de polémica quando avancei para isto. Como se viu, tudo aquilo foi demasiado esquisito para conseguir juntar dois pensamentos, em especial quando a esposa de Murdoch se levantou para prevenir e vingar a humilhação do marido. Mesmo assim, estou contente por ao menos ter conseguido fazer passar o eufemismo certeiro de que ele é um "bilionário maroto".  
 
Enquanto definhei como era esperado nessa noite numa cela de prisão, reflecti sobre se as pessoas iriam compreender porque fiz aquilo. Sabia que era pedir muito: uma acção surreal para expor um processo surreal nunca seria pêra doce. Preocupava-me também que a minha palhaçada fosse diminuir o escândalo, ou trazer comiseração por Murdoch.

Acreditem ou não, eu até estava preocupado com os sentimentos de Murdoch. Vejam bem, eu realmente não odeio octogenários e afinal de contas Rupert Murdoch é só um homem velho. Talvez tenha tentado lembrar toda a gente disso – que ele não é todo-poderoso, não é Sauron nem Belzebu, é apenas um ser humano como todos nós, mas alguém que se dá a si próprio demasiada importância.
 


Artigo publicado originalmente no Guardian

(...)

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