Por um decrescimento ecossocialista

por

Michael Löwy, Bengi Akbulut, Sabrina Fernandes e Giorgos Kallis

O "socialismo" produtivista da antiga URSS era um beco sem saída. O capitalismo "verde", defendido por empresas e principais "partidos verdes", também. O decrescimento ecossocialista é uma tentativa de ultrapassar as limitações destas.

13 de março 2025 - 16:56
PARTILHAR
Energia eólica
Fotografia de Challicum Hills/Flickr

O decrescimento e o ecossocialismo são dois dos movimentos – e propostas – mais importantes do lado radical do espectro da ecologia. Claro, nem todos os autores do grupo de defensores do decrescimento se identificam como socialistas, e nem todos os que são ecossocialistas estão convencidos da desejabilidade do decrescimento. Mas assistimos a uma tendência crescente de respeito mútuo e convergência. Vamos tentar mapear as grandes áreas de acordo entre nós e enumerar alguns dos principais argumentos a favor de um decrescimento ecossocialista:

1. O capitalismo não pode existir sem crescimento. Ele precisa de uma expansão permanente da produção e do consumo, da acumulação de capital, da maximização do lucro. Este processo de crescimento ilimitado, baseado na exploração de combustíveis fósseis desde o século XVIII, está a conduzir a uma catástrofe ecológica, às alterações climáticas e ameaça de extinção da vida no planeta. As vinte e seis Conferências das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas dos últimos trinta anos tornam manifesta a total relutância das elites governantes em interromper o caminho em direção ao abismo.

2. Qualquer verdadeira alternativa a esta dinâmica perversa e destrutiva tem de ser radical – isto é, tem de lidar com as raízes do problema: o sistema capitalista, a sua dinâmica exploradora e extrativista e a sua procura cega e obsessiva do crescimento. O decrescimento ecossocialista é uma dessas alternativas, em confronto direto com o capitalismo e o crescimento. O decrescimento ecossocialista requer a apropriação social dos principais meios de (re)produção e um planeamento democrático, participativo e ecológico. As principais decisões sobre as prioridades de produção e consumo serão decididas pelas próprias pessoas, a fim de satisfazer as necessidades sociais reais, respeitando ao mesmo tempo os limites ecológicos do planeta. Isto significa que as pessoas, a várias escalas, exercem poder direto na determinação democrática do que deve ser produzido, como e quanto; como remunerar diferentes tipos de atividades produtivas e reprodutivas que nos sustentam e ao planeta. Assegurar o bem-estar equitativo para todos não exige crescimento económico, mas sim mudança radical na forma como organizamos a economia e distribuímos a riqueza social.

3. Um decrescimento significativo na produção e no consumo é ecologicamente indispensável. A primeira e urgente medida é a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, bem como do consumo ostensivo e esbanjador da elite dos 1% mais ricos. De uma perspetiva ecossocialista, o decrescimento tem de ser entendido em termos dialéticos: muitas formas de produção (tais como equipamentos alimentados a carvão) e serviços (tais como a publicidade) não só deveriam ser reduzidas como suprimidas; algumas, tais como carros particulares ou criação de gado, deveriam ser substancialmente reduzidas; mas outras precisariam de desenvolvimento, tais como a agricultura agro-ecológica, a energia renovável, os serviços de saúde e educação e assim por diante. Para setores como a saúde e a educação este desenvolvimento deveria ser, antes de mais, qualitativo. Mesmo as atividades mais úteis têm de respeitar os limites do planeta; não pode haver uma produção "ilimitada" de qualquer bem.

4. O "socialismo" produtivista, tal como praticado pela antiga URSS, é um beco sem saída. O mesmo se aplica ao capitalismo "verde", tal como defendido pelas empresas ou pelos principais "partidos verdes". O decrescimento ecossocialista é uma tentativa de ultrapassar as limitações das experiências socialistas e "verdes" do passado.

5. É bem sabido que o Norte Global é historicamente responsável pela maior parte das emissões de dióxido de carbono na atmosfera. Os países ricos devem, portanto, assumir a maior parte do processo de decrescimento. Ao mesmo tempo, não acreditamos que o Sul Global deva tentar copiar o modelo produtivista e destrutivo de "desenvolvimento" do Norte, mas sim procurar uma abordagem diferente, enfatizando as necessidades reais das populações em termos de alimentação, habitação e serviços básicos, em vez de extrair cada vez mais matérias-primas (e combustíveis fósseis) para o mercado mundial capitalista, ou produzir cada vez mais carros para as minorias privilegiadas.

6. O decrescimento ecossocialista envolve também a transformação, através de um processo de deliberação democrática, dos modelos de consumo existentes (por exemplo, o fim da obsolescência planeada e das mercadorias não reparáveis), dos padrões de transporte (por exemplo, através de uma grande redução do transporte de mercadorias por navios e camiões, - graças à relocalização da produção – bem como do tráfego aéreo). Em suma, é muito mais do que uma alteração de formas de propriedade, é uma transformação civilizacional, um novo "modo de vida" baseado em valores de solidariedade, democracia, igualdade-liberdade1 e respeito pela Terra. O decrescimento ecossocialista assinala uma nova civilização que rompe com o produtivismo e o consumismo, em favor de um tempo de trabalho mais curto, portanto mais tempo livre dedicado a atividades sociais, políticas, recreativas, artísticas, lúdicas e eróticas.

7. O decrescimento ecossocialista só pode vencer através de um confronto com a oligarquia fóssil e as classes dirigentes que controlam o poder político e económico. Quem é o sujeito desta luta? Não podemos derrotar o sistema sem a participação ativa da classe trabalhadora urbana e rural, que constitui a maioria da população e já suporta o fardo dos prejuízos sociais e ecológicos do capitalismo. Mas temos também de alargar a definição de classe trabalhadora para incluir aqueles que se dedicam à reprodução social e ecológica, as forças que estão agora na vanguarda das mobilizações sócio-ecológicas: jovens, mulheres, populações indígenas e camponeses. Uma nova consciência social e ecológica emergirá através do processo de auto-organização e resistência ativa dos explorados e oprimidos.

8. O decrescimento ecossocialista faz parte da família mais vasta de outros movimentos ecológicos radicais e anti-sistémicos: o ecofeminismo, a ecologia social, o Sumak Kawsay (a "Boa Vida" indígena), o ambientalismo dos pobres, a Blockadia, o Green New Deal (nas suas versões mais críticas), entre muitos outros. Não procuramos qualquer primazia – apenas pensamos que o ecossocialismo e o decrescimento oferecem um quadro de diagnóstico e prognóstico comum e potente, a par destes outros movimentos. O diálogo e a ação comum são tarefas urgentes na difícil conjuntura atual.


Michael Löwy é diretor de investigação emérito do Centro Nacional de Investigação Científica (CNRS) em Paris e autor de Ecossocialismo (Haymarket, 2015). Bengi Akbulut é professor na Concordia University, em Montreal. Sabrina Fernandes é uma ativista ecossocialista, investigadora de pós-doutoramento na Rosa Luxemburg Stiftung e produtora da Tese Onze. Giorgos Kallis é professor no Instituto Catalão de Investigação e Estudos Avançados e autor de The Case for Degrowth (Polity, 2020).


Este texto foi publicado online, a 1 de abril de 2022, na página da Monthly Review. Tradução de Paulo Antunes Ferreira para o Esquerda.net.

Termos relacionados: