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Obrigado ao povo da Irlanda!
Numa Sexta feira 13, ficámos a saber que no país do trevo de quatro folhas o povo exprimiu a sua rejeição não à união dos povos da Europa, mas a uma União Europeia que destrói os avanços democráticos e as conquistas sociais, que põe os europeus em concorrência uns contra os outros, que impulsiona a mundialização neoliberal na arena internacional e nas relações bilaterais.
Artigo de Raoul Marc Jennar, publicado no seu site pessoal.
O que está em causa, o que está no centro do debate, é a resposta à seguinte pergunta: Europa para fazer o quê? Para renegar os valores comuns ou para os proteger e os aprofundar?
Foi na Europa que nasceu a aspiração democrática. Como respeita a União Europeia esta aspiração? Foi na Europa que se elaborou uma visão alternativa ao liberalismo económico, que se traduziu por um conjunto de reformas que instauraram a regulação e a redistribuição, como etapas quer para a moderação do capitalismo quer para a sua superação. A União Europeia inscreve-se nesta dupla progressão ou põem-na em causa?
É manifesto que só na retórica o projecto europeu, tal como se desenvolve, transporta a dupla exigência democrática e social.
Este projecto europeu nega a soberania popular. Confere às instituições que detêm o poder executivo (Comissão Europeia; Conselho Europeu) poderes consideráveis, mas priva os povos do elementar poder de julgar e sancionar as políticas conduzidas por estas instituições. Não há qualquer possibilidade de mudar a Comissão europeia por sufrágio universal. Não há qualquer possibilidade de mudar o Conselho Europeu pelo direito de voto (seria preciso mudar 27 governos!). O Parlamento Europeu, a única instituição saída do sufrágio universal, não tem nem o direito de propor os seus próprios textos, nem o direito de adoptar as legislações europeias com total independência, nem o direito de decidir sobre as receitas da União. O seu direito de controlo da Comissão é ténue. A independência dos juízes do Tribunal de Justiça Europeu não está garantida. A separação de poderes, um dos princípios fundamentais da democracia, é ridicularizada permanentemente.
O cidadão europeu, privado assim de qualquer capacidade de influenciar as escolhas do poder executivo europeu, observa com consternação que este poder executivo usa atribuições, que lhe foram conferidas, para desmantelar as conquistas sociais obtidas com muita luta para que mecanismos de regulação e de redistribuição enquadrem o capitalismo. Para as mulheres e os homens que consideravam esta moderação do capitalismo como um fim em si assim como para aquelas e aqueles que o consideravam como uma etapa para a superação do capitalismo, é forçoso constatar que a União Europeia, decisão após decisão, directiva após directiva, desmantela estes mecanismos e impulsiona no plano internacional escolhas vinculativas que têm a ambição de tornar este desmantelamento irreversível. Frequentemente por iniciativa dos partidos que pretendiam moderar o capitalismo.
Em direito internacional, um tratado não pode entrar em vigor se não for ratificado por todas as partes signatárias. A decisão do povo irlandês põe fim ao Tratado de Lisboa. Mas podemos estar certos, bastando para tal ouvir Barroso, o Presidente da Comissão Europeia, que tudo será tentado para ignorar a voz do povo irlandês e aplicar apenas as regras do direito que lhes convêm. União Europeia? A forma moderna do despotismo. Comissão Europeia? Uma Bastilha a tomar.
[1] Membro do Conselho Científico de Attac - França
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