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O turismo está a estragar o Centro Histórico do Porto?

As condições de vida, a permanência dos moradores nas suas habitações e até a classificação do Centro Histórico do Porto como Património Mundial da Humanidade estão a ser postas em causa. Por José Castro.
Foto de Ondine B, Flickr.

Foi há quase 20 anos, em 5 de Dezembro de 1996, que a Unesco declarou o Centro Histórico do Porto como Património Mundial da Humanidade. Entre outras razões, porque “…oferece, pelo tecido urbano e pelos numerosos edifícios históricos, um testemunho notável do desenvolvimento duma cidade europeia”.

Nestes últimos vinte anos, o Centro Histórico do Porto viu-se confrontado com sérias ameaças. A falta de alojamento digno, a degradação do edificado (dos 1.796 prédios, mais de 650 estavam degradados ou em ruínas) e o abandono pelo município, levaram à perda de 27% da sua população desde 2001. Os executivos camarários do PSD/CDS-PP, para além de fazerem da SRU Porto Vivo, constituída em 2004, um autêntico “balcão de negócios”, decidiram alienar inúmeros prédios municipais em vez de os reabilitar. Apenas em 5 anos, entre 2005 e 2010, foram postos à venda 79 imóveis que pertenciam à cidade.  Em Julho último foi anunciada pela SRU a venda de mais 8 habitações na zona histórica.

Agora, a cidade do Porto, mas principalmente o Centro Histórico, tem vindo a registar uma crescente  procura turística. O património cultural e histórico, a animação da cidade, o sol ou a gastronomia, são alguns dos factores que levam ao aumento de visitas de nacionais e estrangeiros. Mas além da dinamização de actividades económicas como a restauração, hotelaria e comércio, este aumento tão significativo de visitantes está a trazer outras consequências muito negativas, a degradação da paisagem urbana, da qualidade do ar, das infraestruturas  urbanísticas, da limpeza das ruas, do património arquitectónico. E, acima de tudo, uma enorme especulação imobiliária, traduzida na pressão sobre os moradores para abandonarem as suas habitações. Apenas em cinco anos ocorreram mais de quinhentas transacções de imóveis, num valor superior a 100 milhões de euros. Hoje, são mais de 30 os pedidos de licenciamento para novos hotéis e é crescente a procura de edifícios para alojamento local. As novas rendas já ultrapassam os 8 euros por metro quadrado. As condições de vida, a permanência dos moradores nas suas habitações e até a classificação como Património Mundial da Humanidade estão a ser postas em causa.

Queremos que mais estrangeiros e nacionais conheçam e admirem o Centro Histórico do Porto. Mas não aceitamos que o coração da cidade do Porto seja entregue à “mão invisível do mercado”. Por isso, para um conhecimento mais aprofundado das transformações em curso, o Bloco organizou em 30 de Março um debate público sobre as consequências do afluxo do turismo na estrutura económica, social e habitacional da zona histórica da cidade, em que se concluiu pela necessidade de adoptar medidas de protecção e valorização do centro histórico do Porto -  Património Mundial da Humanidade, entre as quais:

1 - fazer cumprir os princípios do Comité Internacional sobre Cidades Históricas (ICOMOS) para a salvaguarda dos conjuntos urbanos históricos;

2 -  garantir que nas operações de reabilitação urbana seja preservado o “espírito do lugar” e a diversidade da cidade;

3  - cessar a venda pelo município e pela SRU de prédios que pertencem à cidade;

4 - criar um programa específico para disponibilizar habitação a jovens no Centro Histórico;

5 – desenvolver acções inspectivas pelo município para impedir o abuso dos senhorios e a expulsão dos inquilinos;

6 – criar um Observatório para avaliar os impactos do crescimento turístico na habitação, nas infraestruturas urbanísticas, no património arquitetónico-cultural e nas condições de vida dos residentes no centro histórico do Porto.

Os poderes públicos da cidade não podem deixar de responder ao desassossego, à aflição de tanta gente que quer continuar a viver na zona histórica e se sente empurrada pelos negócios sujos do imobiliário. É hora de mobilização pelo centro histórico do Porto.


* José Castro – membro da Assembleia Municipal do Porto eleito pelo Bloco

(...)

Neste dossier:

Turismo: Cidade e Gentrificação

A deficiente regulação do setor do Turismo, a precarização das relações laborais e a priorização dos grandes negócios em detrimento dos direitos dos residentes têm tido consequências devastadoras. Dossier organizado por Mariana Carneiro.

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Em entrevista ao Esquerda.net, Mário Alves, especialista em Mobilidade e Transportes, defendeu que o turismo pode e deve ser potenciado, mas também enquadrado e regulado e até como forma de fonte de receita fiscal.  

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Gentrificação: é positiva, inevitável ou a expressão espacial da desigualdade?

A gentrificação é um produto do urbanismo neoliberal. O urbanismo que prescinde do planeamento e regula a favor do mercado, provoca a expulsão das classes mais vulneráveis e a sua substituição por classes de maior rendimento. Por Rita Silva.

O papel das políticas da CM de Lisboa na turistificação da cidade

As dinâmicas económicas e as transformações urbanas daí resultantes têm vindo a comprometer a desejada coesão socio-económica e territorial, tendendo a converter-se as ações de reabilitação em processos de renovação e gentrificação. Por Fabiana Pavel.

Para onde caminha a Lisboa cultural?

A ideia de uma cidade que se reinventa para o exterior, fazendo-se pouco atenta às subtilezas de um tempo presente de necessidades e quotidianos sociais, bem como de que nem sempre se faz cuidadosa das matérias da sua herança cultural, faz questionar o que se quer como futuro para a cidade. Por Marluci Menezes.

Respira, querida Lisboa!

Entra aquela sensação de que em breve terão que haver workshops para treinar figurantes que pareçam habitantes locais. Por Sofia Neuparth.

A segunda gentrificação de Lisboa

Vista pelos olhos de um investidor imobiliário, qualquer gentrificação é um processo irresistível. Pelos olhos de quem habite ou deseje habitar um centro histórico, é uma arbitrariedade esmagadora. Por Pedro Bingre do Amaral.

“Modelo de desenvolvimento turístico de Lisboa é totalmente insustentável”

Em entrevista ao Esquerda.net, o deputado municipal do Bloco de Esquerda em Lisboa, Ricardo Robles,  defendeu que “é preciso criar condições” para que o turismo “sobreviva a longo prazo e não conflitue com a cidade e com quem nela quer viver”.

“Zonas centrais de Lisboa estão a tornar-se morada exclusiva para os mais ricos”

As transformações da intensificação do turismo na capital analisadas por Romão Lavadinho, presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses.

Gentrificação e turismo em Lisboa

Vídeo do programa do Mais Esquerda sobre a gentrificação e o turismo na cidade de Lisboa.

Encontro na Trienal de Arquitectura, fotografia de António Brito Guterres

Quem vai poder morar em Lisboa?

Da gentrificação e do turismo à subida no preço da habitação: causas, consequências e propostas. Texto publicado em buala.org

“Vamos deixar Lisboa porque não somos ricos”

A gentrificação e o turismo de massas têm vindo a alterar o perfil da cidade de Lisboa empurrando para a periferia aqueles que têm menos recursos económicos. Recolhemos a opinião de pessoas que já detetaram esses sinais e algumas delas foram mesmo obrigadas a mudar o seu curso de vida. Por Pedro Ferreira.

Foto do site da Tomaz Douro.

Como acabar com a precariedade no turismo

Num sector altamente concentrado - 1% das empresas são responsáveis por 64% do volume de negócios e 32% do emprego - não admira que os patrões queiram uma mudança na lei laboral de forma a legitimar o que são hoje práticas abusivas e uma informalidade constante. Por Adriano Campos.

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O Porto turístico é, cada vez mais, o Porto turistificado. Este último já não é a cidade singular que, por ser singular, é visitável. Antes, é a cidade que se reformulou na escala do olhar turista e que, com isso, se uniformizou como uma montra de centro comercial. Por Hugo Monteiro e Susana Constante Pereira.

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Turistificação de Barcelona levou ao aumento das rendas, privatização de espaços públicos, destruição do tecido social e comercial do centro. Bairro Gótico é exemplo flagrante.

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