O Tratado Orçamental, que entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2013, surge sob o pretexto de que “a realização dos objetivos da União Europeia em matéria de crescimento sustentável, emprego, competitividade e coesão social” está dependente da estabilidade de toda a área euro. Por seu lado, essa estabilidade implica, alegadamente, que os governos consigam manter “finanças públicas sãs e sustentáveis e [evitar] défices orçamentais excessivos”, exigindo portanto “regras específicas, incluindo uma “regra de equilíbrio orçamental” e um mecanismo automático para a adoção de medidas corretivas”.
Para este Tratado, a “regra de ouro” que deve guiar a política económica dos Estados-membros é a de um limite máximo de défice estrutural de 0,5% do PIB, sendo o saldo estrutural o “saldo anual corrigido das variações cíclicas e líquido de medidas extraordinárias e temporárias”. Obter este saldo estrutural é uma tarefa hercúlea, tanto porque é complicado precisar qual o efeito real do ciclo na economia, tanto porque as políticas públicas influenciam o próprio “PIB estrutural” de uma economia. Para perceber este último fator, podemos pensar no caso em que um governo adota, numa altura recessiva, medidas austeritárias, podendo a economia ver o seu “potencial” negativamente afetado, dado que por exemplo o investimento (essencial para a produção futura) é fortemente reduzido.
As exceções a esta regra estão contempladas no Tratado. Os Estados-membros podem desviar-se da “regra de ouro” casa haja uma “ocorrência excecional não controlável pela Parte Contratante em causa e que tenha um impacto significativo na situação das finanças públicas ou períodos de recessão económica grave”. No entanto, este desvio temporário só será permitido se não puser “em risco a sustentabilidade das finanças públicas a médio prazo”. Portanto, as exceções existirão em casos extremos e estão dependentes da “boa vontade” de quem avalia.
Se houver desvios consideráveis à “regra de ouro”, é instituído um mecanismo de correção, “com base em princípios comuns a propor pela Comissão Europeia”, órgão não sufragado pelos eleitores e pelas eleitoras, tendo o Estado “incumpridor” que instituir as tão badaladas “reformas estruturais (…) para assegurar uma correção efetiva e sustentável do seu défice excessivo”.
Se houver desvios consideráveis à “regra de ouro”, é instituído um mecanismo de correção, “com base em princípios comuns a propor pela Comissão Europeia”, órgão não sufragado pelos eleitores e pelas eleitoras, tendo o Estado “incumpridor” que instituir as tão badaladas “reformas estruturais (…) para assegurar uma correção efetiva e sustentável do seu défice excessivo”. Quem persistir em ser um “enfant terrible” fica sob alçada do Tribunal de Justiça da EU, tendo este o poder de condenar o país “ao pagamento de uma quantia fixa ou de uma sanção pecuniária compulsória, adequada às circunstâncias, que não pode ser superior a 0,1% do seu PIB”. Não sendo um castigo enorme, 0,1% do PIB pode ser gasto de forma muito útil à sociedade. Antes de pôr em causa a justeza do objetivo, há que refletir sobre se os castigos são o modo ideal de lidar com os problemas ou se acabam por ser contraditórios e marcas estruturantes da sociedade em que vivemos.
Porque é que é irrealista cumprir este Tratado? Os dados históricos revelam-nos que os saldos orçamentais estruturais, mesmo os dos países do centro da EU, muito raramente cumprem os requisitos estipulados no Tratado. A Alemanha, por exemplo, entre 1996 e 2015 (previsão da OCDE) apenas 4 vezes cumpriu a regra dos 0,5% como valor máximo.
Sendo um exercício arriscado, a razão do surgimento do Tratado parece ser o aprofundamento do processo de submissão económica dos Estados-membros aos trâmites de uma política económica neoliberal.
E porque é que não é desejável cumpri-lo? Economicamente, como explorado por Keynes, a política económica ideal para fazer frente aos ciclos económicos de curto prazo característicos da economia capitalista é algo como “poupar nos bons momentos, gastar nos maus”. O Tratado restringe a possibilidade de, num ciclo económico negativo, realizar políticas expansionistas para proteger o emprego e a vida das pessoas. Por outro lado, limita as opções políticas, pois subordina as vidas das pessoas à lógica do crescimento como o conhecemos no capitalismo. Nada garante a priori que é esta lógica que garante a felicidade dos povos.
Sendo um exercício arriscado, a razão do surgimento do Tratado parece ser o aprofundamento do processo de submissão económica dos Estados-membros aos trâmites de uma política económica neoliberal, na medida em que alarga o campo institucional que promove “reformas estruturais” que, sabemo-lo hoje, passam por coisas como a precarização dos vínculos laborais e a privatização de serviços públicos. Em suma, é a constituição de um modelo de baixos salários e de Estado social mínimo. Este modelo favorece os setores exportadores, com destaque para o alemão, mesmo que economicamente seja um contrassenso, pois reduz a procura interna. As burguesias exportadoras do centro da Europa parecem mostrar o seu domínio dos centros de decisão, mascarando o sofrimento dos povos através de uma pretensa racionalidade económica.