O gaming tornou-se vanguarda de uma nova cultura digital ao criar um ecossistema social e digital. O que começou com grupos anónimos de amigos online na viragem do milénio, tornou-se numa indústria de milhares de milhões de euros que ainda não parou de crescer. Streamers, e-sports, youtubers, a comunidade gamer desenvolveu-se massivamente, criando novas ferramentas de produção de conteúdos e de se relacionar com os fãs de videojogos.
Isso sem falar da própria indústria de criação de videojogos, com estúdios multimilionários e franchises aclamados pela crítica, que cada vez têm mais fãs e possibilidades de criar consumidores e produtos de consumo.
É sobre todas essas perspetivas que este dossier se debruça. Sobre streaming, mas também sobre saúde mental, sobre a crescente concentração de propriedade na indústria dos videojogos e sobre a capacidade que este terreno tem para disputar ideias culturais entre várias gerações diferentes.
Começamos com um texto de Rafael Grohmann, que identifica os videojogos como uma nova fronteira no combate cultural, a partir do livro “Marx no Fliperama”, e que começa com a questão “Porque é que um jogador se deveria interessar pelo marxismo?”, colocando-a depois do avesso: “porque é que os marxistas se deveriam interessar por games?”.
Segue-se um artigo de Tiago Teixeira sobre a cultura de trabalho na indústria dos videojogos, o denominado crunch, que resulta na exploração e desgaste desses trabalhadores, e as lutas sindicais que se têm desenvolvido contra essa cultura.
No mesmo contexto, republicamos uma intervenção de Mafalda Duarte e Carlos Duarte no Fórum Socialismo 2022, onde se fala sobre a indústria dos videojogos, as condições de trabalho e a forma como o mercado e a forma de trabalho têm transformado rapidamente.
A isso segue-se um texto de Daniel Moura Borges sobre a crescente concentração de propriedade no mercado da produção de videojogos, onde os pequenos estúdios estão a ser rapidamente engolidos pelos grandes grupos económicos, que concentram em si não só os objetos de consumo, mas também as próprias consolas, dominando o mercado.
Entrando noutro tema, Marijam Did analisa o potencial dos videojogos como campo de batalha na guerra da propaganda, focando-se na forma como a indústria militar americana conseguiu criar grandes títulos que refletem a sua ideologia militarista e imperialista.
Sobre o mesmo tema, Tiago Teixeira aprofunda a forma como políticos têm usado a cultura gamer para ganhar espaço, mas também sobre como questões de género na produção de jogos e narrativas têm dado palco a disputas acesas na comunidade.
Depois, republicamos uma entrevista à gamer Ana Guerra, que fala sobre a indústria, não na ótica da produção de jogos, mas na de criadora de conteúdo. Nesse terreno, também encontra desigualdades e tensões em volta do género: a objetificação ou a hostilização por ser uma mulher gamer.
Fechamos o dossier com um texto de Pedro Celestino que aborda os videojogos a partir de uma perspetiva de esquerda, não só no estabelecimento de uma hegemonia cultural, mas também como essa comunidade pode ser disputada sobre questões objetivas, relacionadas com mecanismos internos dos jogos online, sobre condições de trabalho, sobre sexismo. E assim se demonstra porque é que é necessário fazê-lo.