“Estará a Microsoft a construir um monopólio de gaming?” era a questão que The Verge, um blog sobre tecnologia, lançava em 2022. O contexto para a interrogação nascia com a aquisição à Activision Blizzard que a gigante tecnológica de Bill Gates anunciava, e que se veio a concretizar em outubro de 2023. Foi a maior aquisição em valor nominal no universo das empresas de videojogos de sempre – 75,4 mil milhões de dólares – e colocou a Microsoft Gaming em terceiro lugar no ranking das empresas de videojogos com mais receitas no mundo.
A histórica aquisição colocou sob a alçada da Microsoft alguns dos mais famosos videojogos do mundo, desde Call Of Duty, Overwatch e Starcraft a Candy Crush Saga, mas não aconteceu sem primeiro levantar sinais de alarme entre os reguladores do mercado, nomeadamente nos Estados Unidos da América e no Reino Unido. Isto porque esses reguladores entenderam que o perigo de acumulação de propriedade no mercado dos videojogos colocaria em desvantagem as empresas mais pequenas.
O caso particular da aquisição da Activision Blizzard é apenas mais um indício de que o mercado dos videojogos está a entrar rapidamente numa fase de monopólio, na qual uma mão cheia de empresas acumulam entre si a maioria da produção de conteúdos e dominam o mercado. A própria Microsoft já tinha em 2021 adquirido outras duas empresas por 7,5 mil milhões de dólares, a ZeniMax Media e a Bethesda Softworks, produtoras de franchises como Fallout, The Elder Scrolls ou Dishonored.
O que é um monopólio?
Um monopólio é uma situação de "concorrência imperfeita" num determinado mercado. À medida que as empresas vão crescendo nesse mercado, há uma tendência para a concentração de propriedade numa mão cheia de empresas, que começam a adquirir as pequenas empresas, crescendo ainda mais e eliminando a concorrência. Essas poucas empresas passam então a dominar o mercado.
Para além desse processo, a que chamamos de integração horizontal, as empresas podem também monopolizar as cadeias de produção e consumo. Como se a Samsung, por exemplo, fosse dona não só das fábricas, mas também das minas de onde são extraídas as matérias-primas, das infraestruturas de distribuição de telemóveis e das lojas. A isso chamamos de integração vertical.
Mas a Microsoft, que subiu de repente para o topo dos rankings dos maiores conglomerados de videojogos com aquisições espalhafatosas, nem por isso é o maior ator no mercado. Esse lugar está reservado para a Sony, o conglomerado nacional que desde 1993 já comprou 21 estúdios de produção de videojogos diferentes, entre eles a Naughty Dog (conhecida pelos franchises Uncharted e The Last of Us), a Sucker Punch (conhecida por Sly, Infamous e Ghost of Tsushima) e a Insomniac (conhecida por Ratchet & Clank e as adaptações do universo de super-heróis da Marvel).
O curioso nas aquisições de estúdios de videojogos pela Sony, é que elas têm vindo a acelerar a uma velocidade vertiginosa. Entre 1993 e 2019, a multinacional tinha acumulado dez desses estúdios. Entre 2021 e 2024, acumulou onze. Para além dessas aquisições diretas, a Sony tem investimentos financeiros em mais 8 empresas dedicadas à produção de videojogos.
A terceira gigante, a chinesa Tencent, também tem dado sinais absurdamente claros de acelerar a acumulação de propriedade no mercado dos videojogos. Em 2020, a multinacional participou em 31 negociações no mercado de videojogos, das quais resultaram a aquisição da Funcom, e da Leyou Technology, e 29 investimentos novos ou aumento dos investimentos já existentes noutras empresas ligadas aos videojogos – apesar de nem sempre diretamente relacionadas com a sua produção. Em 2021, a Tencent adquiriu sete estúdios diferentes de produção de videojogos, a Klei, a Yager, a Sumo, a Stunlock, a Wake Up, a Fatshark e a Turtle Rock.
A tendência para a monopolização do mercado está a levar a uma distância cada vez maior entre pequenas produtoras independentes, que fazem jogos alternativos com poucos recursos, e grandes estúdios que dominam o mercado e produzem os jogos triple-A (designação usada para jogos com grandes orçamentos de produção e comunicação). O resultado são preços mais altos, menos variedade e uma maior dificuldade de inovação, uma vez que se torna difícil para novos estúdios entrarem num mercado controlado por uma mão cheia de grandes conglomerados multinacionais. E não só, à medida que o mercado vai sendo repartido entre cada vez menos conglomerados, as suas formas de acumulação de propriedade vão-se estendendo para lá desse mercado só.
Integração vertical, ou como os donos das consolas ganham e os consumidores perdem
Não é por acaso que entre a Tencent, a Sony e a Microsoft, estão duas das principais produtoras de consolas do mundo. A Xbox da Microsoft, e a Playstation da Sony, são destinos preferenciais para muitos dos jogadores que consomem os jogos que agora são produzidos por outras empresas desses mesmos conglomerados. Isto sem contar que a Microsoft produz também o sistema operativo Windows, casa de quem joga em computador.
Ao mesmo tempo, a venda de jogos desmaterializou-se e é feita nas lojas online de cada uma destas consolas. Isto significa que para além do monopólio horizontal sobre o mercado de videojogos, a Sony, a Microsoft e a Nintendo – cuja mais recente consola, a Nintendo Switch, é a segunda mais vendida de sempre – estão a criar monopólios verticais, nos quais são donas do produto final na sua totalidade (consolas e jogos), mas também das formas e dos direitos de distribuição, que agilizam a seu interesse.
As consequências para o consumidor são uma experiência muito mais reduzida. É isso que a tendência de “jogos exclusivos” impõe sobre os jogadores. Isto é, jogos que só estão disponíveis numa única consola, o que implica que quem quer jogar aquele jogo, tenha essa consola. Para os consumidores, a experiência está a passar da universalidade para a exclusividade. Esse mecanismo não é novo, ele tem sido inclusivamente usado, em contexto digital, pelas plataformas de streaming, que procuram cada vez ter melhores exclusivos para atrair os consumidores de outras plataformas a mudarem para a sua ou pelo menos a subscrevê-la em conjunto.
A narrativa da Microsoft, no entanto, tem mudado ao longo do tempo. Apesar das consolidação de mercado que a empresa tem operado, o facto de continuar em desvantagem nos “exclusivos”, significa que tem feito pressão para que o compatibilidade entre consolas. A forma de o fazer, no entanto, é dúbia. O diretor da Microsoft Gaming anunciou “um futuro em que cada ecrã é uma Xbox”, um “futuro em que a Xbox está em todo o lado”.
Quem tem o gaming como passatempo, percebe as limitações que a monopolização impõe. Um estudo da Morning Consult a mais de 2.000 cidadãos estadunidenses mostrou que 51% dos que se consideram gamers eram a favor de tornar a exclusividade entre um estúdio e uma consola ilegal e que 48% concordavam com forçar os conglomerados de estúdios de videojogos a separarem-se em empresas mais pequenas.
Para além do problema da exclusividade, as grandes empresas têm vindo a impor aos consumidores regras contra os seus interesses. É o caso das plataformas de jogos Steam e Blizzard, nas quais se podem comprar jogos, mas dos quais, segundo as próprias, os utilizadores já não são donos. A Steam, por exemplo, diz que os utilizadores não estão a comprar os jogos em si, mas as licenças para os jogar, que podem ser revogadas a qualquer momento de acordo com a vontade da distribuidora. Estas são as tensões que começam a surgir de um mercado dominado por poucas empresas, que sendo as principais fornecedoras, têm cada vez mais poder sobre o que os consumidores podem ou não fazer.