Honduras: os interesses económicos que sustentam o golpe

13 de agosto 2009 - 23:00
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Completou-se um mês desde golpe de Estado nas Honduras e, como em todas as ditaduras, mantém-se o Estado de Sítio, as garantias individuais existem só no papel e os poderes Legislativo e Judiciário são um apêndice do regime de facto. Os hondurenhos, assim como a quase totalidade dos povos latinoamericanos, já viveram essa realidade antes e rejeitam-na.



A comunidade internacional também rejeitou o golpe de 28 de Junho e adoptou acordos claros de condenação dos golpistas, exigindo a restituiçãodo presidente constitucional Manuel Zelaya. Mas as coisas já não são tão claras nem categóricas e os motivos são alheios aos interesses do povo hondurenho e dos latinoamericanos em geral. Da mesma maneira, as justificações dadas pelos golpistas não são verdadeiras porque o golpe serve os interesses do grupo de pressão encabeçado pelo ex-vice-presidente dos EUA, Dick Cheney, cujos operadores há tempo pululam pela região e procuram infiltrar-se nos governos.



O grupo de Cheney, do qual são parte também os Bush, interessa-se fundamentalmente pelo petróleo, por isso invadiram o Iraque e o Afeganistão, avançaram contra o Irão e tentam derrubar o presidente Hugo Chávez, fazem o mesmo com Evo Morales, atacam o presidente equatoriano Rafael Correa e desejam o petróleo cubano da zona do golfo do México.



As Honduras têm muito petróleo, como disse Gerardo Yong no dia 19 de julho. As prospecções foram feitas por uma empresa norueguesa há um ano, convocada pelo presidente Zelaya que, como já foi informado, accionou judicialmente as empresas estadunidenses que vendiam petróleo caro ao seu país e juntou-se ao grupo Petrocaribe, criado pela Venezuela.



A empresa norueguesa que fez as prospecções e as financiou, entregou um relatório ao governo de Zelaya e ficou com uma cópia que pode negociar com empresas que estejam interessadas na informação sobre essas reservas. Para além disso, porém, e isso sabia-se, se fosse aprovada a consulta destinada a determinar se deveria ser instalada a quarta urna nas eleições de Novembro, na qual se votaria sim ou não à convocação de uma Assembleia Constituinte, o projecto de Zelaya na eventual nova Constituição era estabelecer que os recursos naturais do país não poderiam ser entregues para outros países.



Em consequência, o pretexto para o golpe de Estado foi a consulta sobre a quarta urna, mas o objetivo foi evitar que se pudesse ditar uma Constituição que impedisse apoderar-se do petróleo hondurenho. Nessa conspiração, estiveram Otto Reich e sua "fundação" Arcadia, e o embaixador estadunidense nas Honduras, Hugo Llores, nomeado pelo governo de Bush e Cheney. Mas também participaram do complô os donos dos meios de comunicação, porque se estimava que a nova Constituição deveria promover uma distribuição igualitária do espectro radioelétrico, garantindo a participação dos grupos comunitários. Daí a desinformação que sai hoje de Tegucigalpa.



As mediações



Na reunião da Assembleia Geral da OEA, realizada em São Pedro Sula, Honduras, viu-se que a secretária de Estado dos EUA não gostou da intervenção do presidente Zelaya em defesa da revogação da expulsão de Cuba desse organismo. Dado o escasso conhecimento da sra. Clinton sobre a América Latina e estando ela rodeada de funcionários do "establhisment" e de outros mais perigosos, como John Negroponte, a sua reação ao golpe hondurenho foi superficial, assim como foram vagos os comentários iniciais feitos pelo presidente Obama.



Quando toda a América Latina e o Caribe, a Assembleia Geral das Nações Unidas e a União Europeia já tinham condenado categoricamente o golpe e pediam a restituição de Zelaya, os EUA modificaram o seu discurso e o Departamento de Estado propôs a mediação do presidente da Costa Rica, Oscar Arias, num contexto que pedia, na verdade, o cumprimento dos acordos das entidades internacionais. Arias, que não foi "o" pacificador da América Central, porque foram muitos, e que recebeu um prémio Nobel da Paz destinado originalmente à Costa Rica por ser um país sem exército, aceitou a mediação e entregou uma proposta que foi recusada pelos golpistas porque defendia a restituição de Zelaya na presidência. Então, elaborou outra fórmula, que satisfaz melhor os interesses estadunidenses, na medida em que converte Zelaya numa figura decorativa e antecipa as eleições de Novembro, como que passando uma borracha, volta tudo a zeros, e o golpe de Estado desaparece num passe de mágica.



Esta segunda proposta tropeça no mesmo obstáculo; o regime de facto não aceitou a restituição de Zelaya no cargo de presidente e deu início a uma farsa mediante a qual "consultarão" os outros poderes. O Legislativo reuniu-se e tratou de vários pontos da proposta, menos o relativo à restituição do presidente. O poder Judiciário tampouco aceitou esse ponto, sobretudo pelo facto de que o presidente da Corte Suprema já reconheceu que ele também poderia ocupar a presidência de acordo com a "Constituição", justificando o golpe como "um caso de necessidade".



Neste contexto, o secretário geral da OEA procurou outros mediadores: os ex-presidentes Ricardo Lagos, do Chile, e Julio Maria Sanguinetti, do Uruguai, aos quais se somaria o peruano Rafael Pérez de Cuellar, ex-secretário geral da ONU. Ao escrever estas linhas ainda não havia sido formulada a ideia, mas outra equipa mediadora implica dar mais tempo ao regime de facto e, com isso, acaba-se por legitimar a trapaça para chegar às eleições de Novembro ou antecipá-las, deixando o golpe de Estado no limbo.



Os golpistas



Como se tornou visível, os golpistas vivem num passado muito passado. Quando se reuniram no Congresso para "substituir constitucionalmente" Zelaya, a sessão parecia com a de uma confraria de séculos atrás, com todo um cerimonial que já não é empregado em parte alguma. Os seus chanceleres dão uma ideia do segmento social que representam. Ortez, o primeiro deles, retratou todos quando disse, a respeito de Barack Obama: "esse negrinho não sabe onde fica Tegucigalpa". Mudaram-no de lugar, mas quando foi falar do secretário geral da ONU, repetiu a dose: "esse chinesinho que não me recordo como se chama".



Ortez já está em sua casa, mas por ser imprudente e não porque as suas palavras não representem o pensamento da soberba oligarquia hondurenha que tomou o poder, entre os quais há muitos com aparência de "negrinhos" e "chinesinhos" que não se vêm a sim mesmo como tais, mas sim ao povo que desprezam. Portanto, o desafio que representa a reacção popular ao golpe é intolerável.



O grupo golpista é liderado por Roberto Micheletti, um empresário do sector de transportes que fez fortuna. Nunca conseguiu que seu partido, o Liberal, o nomeasse candidato à presidência; perdeu em todas as oportunidades que tentou e tem a fama de homem bruto. Na Secretaria de Defesa dos Direitos da Mulher há três denúncias contra ele, sendo que nenhuma delas foi levada adiante pelo órgão.



Um dos incidentes ocorreu na reunião de seu partido que definiu o candidato presidencial do Partido Liberal para as eleições de novembro. Micheletti não só perdeu, como foi vaiado pelos assistentes. Como prémio de consolação, deram-lhe a presidência do Congresso e quando ia subir ao palanque do encontro, uma jovem do grupo de protocolo, chamada Suyapa, pediu que ele esperasse um momento porque não tinham acabado de colocar as cadeiras. Irritado pelas vaias que havia levado, Micheletti desferiu uma estalada na cara de Suyapa, causando-lhe um corte na boca.



Um mês de protesto popular



Desde o momento em que os hondurenhos se inteiraram do golpe de Estado, é preciso recordar que os meios de comunicação foram censurados, e os protestos têm sido permanentes. Os manifestantes estão na rua todos os dias e não estão dispostos a ceder. A imprensa dos EUA reconheceu isso e realizou sondagens rápidas junto dos manifestantes. Eles responderam que Zelaya foi o primeiro presidente que se tinha preocupado com eles e que com quem podiam falar à vontade sobre seus problemas e aspirações. O resultado dessas sondagens foi publicado pelo Washington Post.



Nas Honduras, que tem um pouco mais de 7 milhões de habitantes, a maioria é pobre, mas há cerca de 1,5 milhões que são absolutamente pobres. O governo de Zelaya começou a ocupar-se dessa parcela da população através do programa Rede Solidária, coordenado pela esposa do mandatário. Para determinar o grau de pobreza, tiveram que fazer uma medição baseada em averiguar se comiam. E se a resposta fosse afirmativa, perguntar o quê e quantas vezes ao dia.



Também foi preciso estabelecer onde e como viviam, se era em casas, se essas casas tinham portas e janelas, se tinham algum serviço, porque não tinham trabalho nem endereço fixo. Cerca de 200 mil famílias já tinha sido incorporadas no programa e, desde o início do golpe, não recebem ajuda alguma. Inclusive é possível que alguns nem saibam o que ocorreu; outros saberão por causa da repressão.



No entanto, apesar do Estado de Sítio e do recolher obrigatório, aumenta a cada dia o número dos que chegam a El Ocotal, na Nicarágua, para somar-se ao acampamento daqueles que apoiam o presidente Zelaya, que se encontra ali, depois de ter ingressado em território hondurenho (e retornado). O presidente solicitou às Nações Unidas o estatuto de refugiado e a ajuda correspondente a todos os que estão ali para acompanhá-lo, porque se regressarem às Honduras podem ser condenados a seis anos de prisão por "traição à pátria", a qual, pelos vistos, foi obra dos golpistas.



Ao longo desta semana, estão convocadas greves e muitas outras manifestações de protesto. A pergunta que fica é até que ponto podem continuar a ser ignoradas e reprimidas em defesa de interesses alheios e de um governo ilegítimo. Ainda mais quando essa manipulação aponta também para toda a América Latina e para as instituições criadas recentemente: Unasul, Mercosul, Alba, Petrocaribe, Banco do Sul, Grupo do Rio e alguma outra que me escapa agora, na medida em que priorizam os interesses da região.



Frida Modak - ALAI-AmLatina

Frida Modak é jornalista, foi secretária de imprensa do presidente Salvador Allende, no Chile.

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