O motivo pode bem ser o mesmo - a combinação do declínio do poderio americano com a continuação da centralidade dos Estados Unidos na política mundial. Os Estados Unidos são incapazes de se impor mas, não obstante, todos esperam que os Estados Unidos entrem em campo do seu lado.
O que aconteceu nas Honduras? As Honduras são há muito tempo um dos mais seguros pilares das oligarquias latino-americanas - uma classe dominante arrogante e impenitente, com laços próximos com os Estados Unidos e sede de uma importante base militar norte-americana. Os seus próprios militares foram cuidadosamente recrutados para evitar qualquer contaminação de simpatias populistas entre os oficiais.
Nas últimas eleições, Manuel ("Mel") Zelaya foi eleito presidente. Produto das classes dirigentes, esperava-se que continuasse o jogo da forma habitual aos presidentes hondurenhos. Em vez disso, aproximou as suas políticas da esquerda. Empreendeu programas internos que realmente algo fizeram pela vasta maioria da população - construiu escolas em áreas rurais remotas, aumentou o salário mínimo, abriu centros de saúde. Começou o mandato apoiando o acordo de livre comércio com os Estados Unidos. Mas, ao fim de dois anos, aderiu à ALBA, a organização inter-estadual fundada pelo presidente Hugo Chávez, e as Honduras receberam em compensação petróleo a baixo custo da Venezuela.
Propôs então realizar um referendo consultivo para saber se a população achava boa ideia reunir um organismo para rever a Constituição. A oligarquia gritou que isto era uma tentativa de Zelaya mudar a Constituição para tornar possível um segundo mandato. Mas como o referendo deveria ocorrer no dia em que o seu sucessor seria eleito, este era claramente um motivo falso.
Porque é que então o Exército desencadeou um golpe de Estado, com o apoio do Supremo Tribunal, o legislativo hondurenho e a hierarquia da igreja católica? Dois factores entram aqui: a sua visão de Zelaya e a sua visão dos Estados Unidos. No anos 30, a direita norte-americana atacou Franklin Roosevelt como um "traidor à sua classe". Para a oligarquia hondurenha, Zelaya é isso - um "traidor à sua classe" - alguém que tinha de ser punido como exemplo para os outros.
E quanto aos Estados Unidos? Quando o golpe ocorreu, alguns ásperos comentadores de esquerda da blogosfera chamaram-lhe "o golpe de Obama". Mas não foi isso que aconteceu. Nem Zelaya nem os seus apoiantes nas ruas, nem mesmo Chávez ou Fidel Castro, têm uma visão tão simplista. Todos eles apontam a diferença entre Obama e a direita norte-americana (líderes políticos ou figuras militares) e apresentaram em diversas ocasiões uma análise com muito mais nuances.
Parece bastante claro que a última coisa que a administração Obama queria era este golpe. O golpe foi uma tentativa de forçar a mão de Obama. O golpe foi sem dúvida encorajado por figuras-chave da direita dos EUA, como Otto Reich, o ex-conselheiro de Bush cubano-americano, e o Instituto Internacional Republicano. Foi sem dúvida parecido com a tentativa de Saakashvili de forçar a mão dos EUA na Geórgia, quando invadiu a Ossétia do Sul. Isto também foi feito em conivência com a direita norte-americana. Não resultou, porque as tropas russas a detiveram.
Obama tem balançado desde o golpe das Honduras. E, até agora, a direita hondurenha e dos EUA está longe de se encontrar satisfeita com a tentativa de inflectir a política americana. Vejam algumas das suas declarações insultuosas. O ministro dos Negócios Estrangeiros do governo golpista, Enrique Ortez, disse que Obama é "um preto que sabe nada de nada." Há alguma controvérsia sobre quão pejorativo é o termo "preto" ("negrito" em castelhano). De qualquer forma, o embaixador dos EUA protestou asperamente pelo insulto. Ortez pediu desculpas pela sua "expressão infeliz" e foi transferido para outro cargo no governo. Ortez também deu uma entrevista a uma estação de TV hondurenha dizendo que "Não tenho preconceitos raciais; gosto do preto cortador de cana que é presidente dos Estados Unidos."
A direita dos EUA é sem dúvida mais educada mas não menos condenadora de Obama. O senador republicano Jim DeMint, a deputada cubana-americana republicana Ileana Ros-Lehtinen, e o advogado conservador Manuel A. Estrada têm todos insistido que o golpe era justificado porque não era um golpe, apenas a defesa da Constituição das Honduras. E a blogger de direita Jennifer Rubin publicou um post em 13 de Julho intitulado "Obama está errado, errado, errado, sobre Honduras." O seu equivalente hondurenho, Ramón Villeda, publicou uma carta aberta em 11 de Julho, na qual disse que "Esta não é a primeira vez que os Estados Unidos cometem um erro e abandonam, num momento crítico, um aliado e amigo." Entretanto, Chávez apela ao Departamento de Estado para que "faça alguma coisa".
A direita hondurenha joga com o tempo, à espera que termine o mandato de Zelaya. Se atingirem o objectivo, terão vencido. E a direita guatemalteca, salvadorenha e nicaraguense estão a acompanhar a situação, desejosa de desferir os seus próprios golpes contra governos que já não são de direita.
O golpe nas Honduras tem de ser posto no contexto maior do que está a acontecer em toda a América Latina. É muito provável que a direita ganhe as eleições este ano e no próximo na Argentina e no Brasil, talvez também no Uruguai, e muito provavelmente no Chile. Três importantes analistas do Cone Sul publicaram as suas opiniões. O menos pessimista, o cientista político argentino Atílio Borón, fala da "futilidade do golpe". O sociólogo brasileiro Emir Sader diz que a América Latina enfrenta uma escolha: "o aprofundamento do anti-neoliberalismo ou a restauração conservadora." O jornalista uruguaio Raúl Zibechi intitula a sua análise "A irresistível decadência do progressismo". Zibechi pensa efectivamente que pode ser demasiado tarde para a alternativa de Sader. As débeis políticas económicas dos presidentes Lula, Vazquez, Kirchner e Bachelet (do Brasil, Uruguai, Argentina e Chile) fortaleceram a direita (que ele vê adoptando um estilo berlusconiano) e dividiram a esquerda.
Pela minha parte, acho que há uma explicação mais directa. A esquerda chegou ao poder na América Latina devido à confusão dos Estados Unidos e ao bom período económico. A direita vai chegar ao poder na America Latina devido à confusão dos Estados Unidos e ao mau período económico. E está a ser culpada por estar no poder, apesar de os governos de centro-esquerda pouco poderem fazer em relação à economia-mundo.
Podem os Estados Unidos fazer alguma coisa em relação ao golpe? Bem, claro que podem. Em primeiro lugar, Obama pode oficialmente dizer que o golpe foi um golpe. Isto iria desencadear os mecanismos da lei americana, cortando a assistência americana às Honduras. Pode cortar as relações do Pentágono com os militares hondurenhos. Pode retirar o embaixador dos EUA. Pode dizer que nada há a negociar, em vez de insistir na "mediação" entre o governo legítimo e os líderes golpistas.
Por que não faz ele tudo isto? Também há um motivo simples. Obama tem pelo menos quatro outros itens super-urgentes em relação à sua agenda: confirmação de Sonia Sotomayor no Supremo Tribunal; uma confusão que não pára no Médio Oriente; a sua necessidade de fazer aprovar a legislação sobre saúde (se não em Agosto, então em Dezembro); e subitamente uma enorme pressão para abrir investigações sobre os actos ilegais da administração Bush. Lamento, mas as Honduras estão em quinto lugar.
Assim, Obama hesita. E ninguém ficará contente. Zelaya pode ainda voltar ao cargo, mas talvez só daqui a três meses. Tarde demais. Fiquem atentos à Guatemala.
Immanuel Wallerstein
Comentário nº 261, 15 de Julho de 2009
Tradução de Luis Leiria