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Gisberta

Este ano já foram assassinadas cerca de 300 pessoas transexuais em todo o Mundo, vítimas de crimes de ódio. Quantas mais Gisbertas precisam de morrer?
Gisberta Salce Junior. Foto do arquivo das Panteras Rosa

Fez ontem dez anos que Gisberta foi assassinada no Porto. O horror do crime chamou a atenção do país, mas a indignação com a violência não produziu logo as respostas necessárias. Gisberta era uma mulher transexual e foi vítima de múltiplas discriminações. Além da pobreza e do racismo, o crime de que foi vítima foi demonstrativo da cultura de ódio contra as pessoas transexuais. E essa cultura não era só daqueles jovens. O mesmo Estado que julgava os adolescentes que a assassinaram, não reconhecia as pessoas transexuais, condenando-as a serem humilhadas no seu dia a dia por lhes serem negados documentos correspondentes à sua identidade (ou seja, documentos que tivessem o nome e o sexo de acordo com a sua real situação), condenadas a não encontrarem emprego, a serem relegadas no acesso a habitação e desprotegidas de todo o tipo de insultos e violência.

O caso de Gisberta deu origem à primeira marcha pela diversidade sexual no Porto. Desde 2006 até hoje, muitas foram as conquistas. O nosso país é hoje mais respeitador. Foi assim com a eliminação de discriminações dos casais do mesmo sexo no acesso ao casamento ou à adoção. Mas foi assim também com uma lei, aprovada em 2011, que pela primeira vez permitiu às pessoas transexuais mudarem o seu registo de sexo e nome sem terem de passar por longos processos humilhantes e julgamentos em tribunal que frequentemente lhes negavam o pedido. Ao abrigo desta lei, que se iniciou com uma proposta do Bloco, 287 cidadãos transexuais puderam mudar os seus documentos.

Muito ficou por fazer. No caso da saúde, falta garantir os cuidados necessários. A educação sexual continua a ser uma miragem nas escolas e muita gente nem sequer sabe o que é exatamente a transexualidade. E é preciso acabar com a ideia, a que a lei ainda não conseguiu escapar, de que para verem reconhecida a sua identidade as pessoas trans devem ser diagnosticadas como padecendo de uma doença mental. Não, as pessoas trans não são doentes. São cidadãs, tão cidadãs como cada uma ou cada um de nós.

Este ano já foram assassinadas cerca de 300 pessoas transexuais em todo o Mundo, vítimas de crimes de ódio. Quantas mais Gisbertas precisam de morrer?

Artigo publicado em “Jornal de Notícias” a 23 de fevereiro de 2016

Sobre o/a autor(a)

Deputada. Dirigente do Bloco de Esquerda. Economista.
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Neste dossier:

10 anos sem Gisberta, o que mudou

A 22 de Fevereiro de 2006 o país acordou com a notícia da morte de Gisberta Salce Junior, encontrada assassinada num poço depois de três dias de tortura. O crime de ódio alertou a sociedade que fingia ignorar a fragilidade das vidas de tantas pessoas trans, a quem era negado o direito à identidade, ao acesso ao trabalho e a cuidados de saúde, expondo-as à violência gratuita. 10 anos passaram, o que mudou entretanto? Dossier organizado por Joana Louçã.

Uma década depois, teria a vida de Gisberta sido diferente?

Nos últimos anos, a apropriação pelos média mainstream têm banalizado as identidades, vidas e vivências trans. Mas será que o dia a dia das pessoas melhorou? Por Joana Louçã.

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“Em Portugal há pessoas trans a morrer na indiferença geral”

A última entrevista que publicamos no dossier de homenagem à Gisberta foi feita a Sacha Touilh, de 30 anos, ativista trans francês. Por Joana Louçã.

"Muito cedo percebi que as questões pessoais são necessariamente políticas"

O esquerda.net entrevistou Alice Cunha, de 19 anos, ativista trans dos coletivos Lóbula e Panteras Rosa. Por Joana Louçã.

"O problema é não atribuirmos a autodeterminação às pessoas"

esquerda.net entrevistou Gabriela Moita sobre a lei da identidade de género, o acesso que a ela têm as pessoas e de que forma deveria ser melhorada, os problemas que enfrentam as pessoas que queiram fazer uma transição e as diferentes etapas do processo. Por Joana Louçã.

“Não queria que ninguém passasse pelo que eu passei por ser trans”

Entrevista a Duarte Gaio sobre as reivindicações da comunidade, a importância do ativismo trans e o que mudou dez anos depois do assassinato de Gisberta. Por Joana Louçã.

Agenda das homenagens a Gisberta

Calendário e descrição dos eventos marcados em homenagem à Gisberta.

O movimento LGBTI em Portugal: datas e factos

Esta cronologia, preparada por Bruno Maia, João Carlos Louçã e Sérgio Vitorino, mostra as datas mais importantes para o movimento LGBTI em Portugal nos últimos 114 anos. Só em 1982 se dá a descriminalização da homossexualidade e é em 1999 que Lei das Uniões de Facto passa a aplicar-se também aos casais homossexuais, apesar de ainda carecer de regulamentação. Pelo meio, ficam inúmeras episódios de homofobia e discriminação, mas também a criação de movimentos que vieram dar visibilidade à luta LGBTI. 

Glossário Trans

O que significa gender bender, género não binário, transmisoginia ou MTF?

Da Gisberta ao que está por fazer: memória e futuro de uma luta

Não me esqueço que, no início da primavera de 2006, alguma imprensa continuava a falar da Gisberta como “o travesti assassinado”, mesmo depois de saberem que a Gisberta era uma mulher trans. Não me esqueço dos debates e da resistência de alguns ativistas em falar em transfobia, palavra desconhecida e que foi preciso incluir no vocabulário da luta. Artigo de José Soeiro.

Geração Gisberta

Vale a pena analisar em detalhe cada uma das consequências que atribuímos ao “caso Gisberta”, os seus avanços, percalços, insuficiências, as resistências que se exerceram (inclusivamente a partir de dentro do movimento), bem como reconhecer que cada uma das transformações que refiro encerra, em si, contradições profundas. Artigo de Sérgio Vitorino.

Pessoas trans e intersexo: quem nos silencia?

As pessoas trans e intersexo sabem e podem falar por elas próprias.

LGBTI: O que é Intersexo?

A natureza não decide onde a categoria "masculina" termina e a categoria "intersexo" começa ou onde a categoria "intersexo" termina e a categoria "feminina" começa. Os seres humanos é que decidem. Por Sociedade Intersexual Norte Americana.