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França: uma onda de despedimentos
Falou-se muito de uma pausa momentânea dos planos de despedimentos, por causa das eleições presidenciais e legislativas. Se isso é verosímil, nos sectores muito expostos mediaticamente, como o automóvel ou o petróleo, não o é para os restantes. Pois muito antes das eleições, as reestruturações e planos sociais tinham começado a multiplicar-se. Estamos agora num período de reorganização de alta intensidade do qual é preciso compreender os mecanismos conjunturais, mas também estruturais.
Antes de mais a crise económica e a austeridade
O abrandamento económico em França e na Europa arrasta a maior parte dos grandes sectores económicos: nomeadamente comércio, construção civil e obras públicas, automóvel, turismo. O abrandamento geral do investimento faz com que os sectores fabricantes de bens intermediários1 sejam também fortemente afetados, pelo menos no que diz respeito à carteira de encomendas francesas ou europeias. O apertar do cinto pelo Estado e pelas autarquias e regiões tem igualmente consequências sobre a atividade económica no respeitante às necessidades da administração, da saúde, da educação, etc. Tem também repercussões na questão do poder de compra dos agentes da função pública. E, a redução dos efetivos da função pública pesa sobre o nível geral da procura final, na proporção do seu impacto sobre a taxa de desemprego.
Uma causa mais estrutural: o ciclo de investimento
Nos anos 90, a introdução do grande mercado (interno) europeu permitiu, aos grandes grupos franceses, redesenhar a geografia dos seus ativos industriais. Finda a época de uma fábrica por país, vinha o tempo de um princípio superior de concentração e de especialização dos sítios. Foram fechadas fábricas e novos grandes investimentos de vocação europeia ou mundial foram realizados. Depois, veio a integração dos países da Europa central, oferecendo uma nova oportunidade de vendas mas também de produção com menos custos sociais.
As firmas precipitaram-se nesta outra oportunidade, multiplicando as aquisições, mas também importantes investimentos. No fim de contas, este duplo processo acabou numa super acumulação de capital, super capacidades produtivas à escala europeia. E este ciclo fecha-se agora com o efeito agravante das políticas de austeridade. O fenómeno é tão velho como o sistema económico no qual vivemos: a necessidade de investir sob o constrangimento competitivo (concorrência entre capitais) para ganhar em produtividade, para baixar os custos unitários de produção, para tomar posição no mercado, acaba sempre num ciclo de destruição de capacidades.
Esta reação negativa, se assim se pode dizer, é gerada pelos grandes grupos (transnacionais) para rever, mais uma vez, a cartografia dos seus ativos industriais, dos seus centros de investigação, leia-se das suas administrações. É a busca de novas sinergias e de novos dispositivos operacionais, antes que um novo ciclo se comprometa, qual doença congénita. Neste processo, nenhum país europeu é poupado (nem mesmo a Alemanha): fábricas fechadas, deslocalizações, transmissão ou reagrupamentos de atividades, alianças, co-empreendimentos, etc. Basta observar o sentido estratégico das alianças da Renault com a Daimler2 e da PSA com a General Motors3. Sabe-se já que a PSA vai reestruturar os seus locais de produção e que a General Motors quer ceder o seu local de Estrasburgo. Sabe-se que a Renault vai dar gás à sua fábrica de Tânger em Marrocos, em detrimento de um certo número de sítios europeus, etc.
A procura de novos modelos industriais e comerciais
As sucursais reorganizam-se também em nome – segundo elas – de revoluções tecnológicas ou comerciais: o E-comércio na distribuição, o pagamento online, a motorização elétrica ou híbrida no automóvel, o choque do low-cost no transporte aéreo ou nas telecomunicações (SFR, confrontado com a pressão do “modelo Free”, prepara-se sem dúvida para se reorganizar).
Não se trata de um aparecimento fortuito da ciência. As novas tecnologias estão quase sempre parcialmente disponíveis. Não é a ciência que faz, de repente, apelo aos capitais, são os capitais que contam com as inovações potenciais já inventariadas. Em certos casos, o objetivo é claramente a margem de lucro. Assim, além do suposto conforto para o consumidor, o E-comércio permite sobretudo uma descida nos custos de distribuição. Também o low-cost pode ser uma maneira de ganhar quota de mercado, mas é, antes de mais, o encarregado por baixar os custos de funcionamento e de encontrar um novo regime de rentabilidade, porque é antes de mais um low-cost social. Tal como o aceleramento dos desenvolvimentos a favor de novas motorizações automóveis que têm, sem dúvida, um forte interesse ambiental, mas têm como motivação primeira o risco recessivo durável, para os construtores, do preço dos combustíveis. O resultado está pois aí. Muitos sectores estão a rever os seus modelos industriais ou os seus modelos comerciais. É de novo um terreno favorável para a reorganização dos locais de produção, das redes de venda, das organizações operacionais, das subcontratações, das parcerias transfronteiriças, etc. Por vezes, também das profissões e qualificações. Todos os grandes países industriais estão envolvidos e os choques sociais são consideráveis.
Outsourcing e deslocalizações
A estas razões conjunturais e estruturais acresce o grande movimento do livre-câmbio e da formação de preços. Se o mercado das “torradeiras”, para tomar um exemplo banal, está saturado e como consequência há concorrência mundial dos custos de produção das torradeiras… então, o país que ofereça a técnica e os custos menos elevados (incluindo transporte) ficará com o negócio. É um desenvolvimento irremediável da economia mercantil. Só que, doravante, esta competição não diz respeito apenas às torradeiras ou mesmo aos televisores, mas também a bens duráveis e equipamentos pesados. Há portanto uma lenta desagregação do emprego em muitos sectores assim expostos. Mas esta competitividade pelos custos, ao nível planetário, não considera nem os custos sociais devidos às transferências industriais, nem a pegada ecológica própria da explosão de fluxos de mercadorias transportadas! E, não há esperança de que sejam antecipadas seriamente as reconversões económicas e industriais, locais e regionais, ou que travem a mundialização industrial, em nome do ambiente.
Relançar o debate público sobre os despedimentos
Inexoravelmente a ausência de antecipação sobre os sectores e áreas de emprego leva à catástrofe social. O sistema liga o posto de trabalho à pessoa e, como se presos pelos pés ao betão da sua empresa ou sector, muitos dos assalariados estão condenados a afundar-se com eles. O sistema esmaga-os ao mesmo tempo que persegue a sua mutação e a sua crise. Ficar pela simples denúncia dos “despedimentos excedentes” seria, pois, demasiado limitado. Tanto que a lei (em França) interdita já os despedimentos tendo por única causa a simples melhoria da produtividade. A questão deveria, de preferência, colocar-se sobre… todos os despedimentos económicos. Para se enfrentar o problema dos despedimentos, é preciso começar por interessar-se pelos assalariados – todos os assalariados – e não lançar-se em tipologias académicas. Que sejam de Total (grupo francês cotado), de Arcelor Mittal (grupo indiano), da Caísse d’Epargne (grupo francês não cotado), de Visteon (cotado em Bolsa, mas subcontratado da Renault e da Peugeot Citroen), ou da charcutaria Benoît e filhos!
É preciso que cesse o princípio segundo o qual os assalariados beneficiam de um acompanhamento relativo, segundo o tamanho da sua empresa, a sua situação económica, o seu ramo ou mesmo a sua mediatização. Porque se sabe que um despedimento económico importante, numa grande empresa, tem consequências bem além do seu perímetro. O debate público (em França e na Europa) sobre os despedimentos vai ressurgir, em algumas semanas e num novo contexto parlamentar (consequência das eleições legislativas de 10 e 17 de Junho de 2012). O único meio de não salvar uns, abandonando outros, consiste em garantir a todos e todas a manutenção do seu salário e do seu estatuto até à reclassificação, por um sistema de segurança e de transição profissional. Com obrigações de resultados e responsabilidades por parte do sector concorrencial e não pela coletividade. Um único princípio que deveria ser universal: que os assalariados não representem os gastos do pugilato que travam as empresas pela partilha – às suas custas – da riqueza que criam. (16 de Maio de 2012)
Artigo publicado em A l'encontre
Tradução de Cristina Barros para esquerda.net
1 As indústrias dos bens intermediários recobrem atividades que produzem bens, a maior parte das vezes, destinados a serem incorporados noutros bens ou que são destruídos (“consumidos”) pela sua utilização, para produzir outros bens: produtos minerais, têxteis, madeira e papel, químicos, borracha e plásticos, metalurgia e transformação de metais, componentes elétricos e eletrónicos. (Redação A l’Encontre)
2 Cooperação sobre as gerações vindouras de “smart for two”, de Renault Twingo, com extensão dos produtos incluindo veículos elétricos. Posta em comum dos grupos moto-propulsores, tanto no domínio dos veículos particulares quanto no dos veículos utilitários. Compras em comum, o que acresce a pressão sobre os subcontratados. (Redação A l’Encontre)
3 O acordo entre PSA e GM é do direito suíço, o que implica que os desacordos sejam tratados por um Tribunal de Arbitragem em Genebra. Estas arbitragens não são passíveis de recurso. Este tipo de jurisdição privada tem crescido em amplitude nos últimos anos. É um acordo de duração de 10 anos. O acordo versa sobre a utilização de um únicoagente de logística: a logística é um elemento chave da ligação entre a subcontratação e a fábrica de montagem, tanto mais com o desenvolvimento do “fluxo estendido”, entre outros para evitar stocks (outra forma das sobre capacidades de produção). Há também, neste acordo, partilha dos gastos no desenvolvimento dos constituintes novos para os veículos das gerações futuras. É preciso situar estes acordos no quadro do mercado europeu saturado, onde a concorrência é muito forte, porque integrada no mercado mundial. Por isso, a implantação geográfica é tão importante como os produtos, com centros de gravidade que se deslocam para a Ásia e a América Latina. Há problemas de tamanho crítico para um grupo como PSA. No ramo automóvel, os acordos fazem-se e desfazem-se; daí a importância dos acordos sobre as participações, sobre as quotas de mercado e sobre os sistemas de arbitragem. Neste acordo, GM é mais ofensiva do que PSA. (Redação A l’Encontre)
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