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A batalha pelo significado dos resultados das eleições presidenciais francesas de 2012

Apesar da tentativa de apagamento mediático do resultado Frente de Esquerda, a análise dos resultados da primeira volta das eleições mostra que a Frente de Esquerda foi, dentre todos os concorrentes, o que obteve maior avanço nas presidenciais francesas de 2012. E que a estratégia de enfrentar diretamente Le Pen fez recuar fortemente os votos que a direita recebeu em muitas cidades e áreas populares. Por Jean-Luc Mélenchon
Jean-Luc Mélenchon, candidato presidencial da Front de Gauche em 2012 - Foto de S. Burlot do blogue de Jean-Luc Mélenchon

As urnas desmentiram a “análise” mediática, segundo a qual a campanha pela presidência não teria mobilizado os franceses. A participação alcançou 80%, nível alto e relativamente homogéneo em todo o país. O que aconteceu foi que os eleitores rejeitaram o tratamento mediático das questões e das discussões.

Sarkozy e Hollande monopolizaram, durante meses, pelo menos 75% do tempo de transmissão por rádio e TV. Mesmo assim, somados, os votos para esses dois candidatos não chegaram, na primeira volta, a 43% do total. Maioria significativa dos eleitores, portanto, não escolheu os candidatos mediatizados que chegaram à segunda volta.

Cerca de 80% dos eleitores não votaram, na primeira volta, no candidato que, eleito, terá todos os poderes da presidência. Um sintoma grave da negação da democracia que a monarquia presidencial da 5ª República representa.

Sarkozy perdeu eleitores

Nicolas Sarkozy perdeu 1,8 milhões de eleitores, em relação a 2007. A análise dos resultados por região mostra que só a grande burguesia se manteve fiel a Sarkozy. Nesse grupo, os votos mantiveram-se praticamente idênticos: 46,5% em Versailles hoje, e 47% em 2007; no VIIème. arrondissement1de Paris, Sarkozy até seduziu novos eleitores: passou de 56 a 58%; e também em Neuilly, onde teve 72,64%. As grandes fortunas, pois, cerraram fileiras em torno do presidente dos ricos.

Nos bairros populares, foi onde a direita mais encolheu. Em Pas de Calais, Sarkozy perdeu 50 mil eleitores. Em Saint-Quentin dans l’Aisne, Sarkozy caiu, de 31 para 25% dos votos. E em Perpignan, região popular, ou em Meaux, caiu de 34% a 27%.

A Frente Nacional moveu-se mais para a direita

Marine Le Pen acrescentou 2,6 milhões de votos ao resultado que o seu pai obteve em 2007. Com cerca de 18%, ela superou o recorde histórico da Frente Nacional em 2002, mas não ultrapassou a soma dos votos dados a seu pai e a Mégret (19%). 70% desse aumento é resultado do fracasso de Sarkozy. Os votos que Sarkozy perdeu na direita migraram diretamente para Marine Le Pen.

O que se viu portanto foi uma aceleração da direita rumo à extrema-direita, não algum avanço de Marine Le Pen sobre novos eleitores ou sobre o voto popular. Por exemplo, em Florange, comunidade junto aos altos fornos da indústria Arcelor Mittal, Sarkozy perdeu 606 votos e Marine Le Pen ganhou 636. Mas, aí, a Frente de Esquerda ganhou também 654, votos que, bem claramente, foram conquistados contra a abstenção.

Os vasos comunicantes que ligam Le Pen e Sarkozy à direita são especialmente visíveis no norte e no leste da França, onde a Frente Nacional alcançou os seus melhores resultados. Marine Le Pen obteve praticamente o mesmo número de votos que Nicolas em várias áreas: Picardie, Lorraine, Nord-Pas-de-Calais, mas também em Languedoc-Roussillon. Sem o trabalho da Frente de Esquerda, para conter o avanço da Frente Nacional, o cenário em que Sarkozy seria derrotado pela Frente Nacional não estaria muito distante. Le Pen de facto ultrapassou os 20% de votos em 11 regiões (uma, em cada duas) e em 43 departamentos.

A esquerda avançou graças à Frente de Esquerda

O total de votos de esquerda aumentou muito em relação à eleição presidencial anterior: passou, de 13,3 milhões (36,4%) para 15,7 milhões (43,7%). É o melhor resultado eleitoral da esquerda em eleições presidenciais na França, desde 1988. François Hollande é responsável por apenas uma pequena parte dessa dinâmica: teve apenas 770 mil votos a mais que Ségolène Royal. Em Evry, o número de votos dos socialistas estagnou; e em Lille o Partido Socialista perdeu eleitores entre as duas presidenciais.

A parte essencial da dinâmica de avanço da esquerda veio, visivelmente, da Frente de Esquerda, que trouxe 2/3 dos novos votos que a esquerda conquistou.

A Frente de Esquerda sai constituída e fortalecida das eleições

Com cerca de 4 milhões de votos (11,11%), a Frente de Esquerda ganhou 3 milhões de votos, a partir do lançamento de Jean-Luc Mélenchon como candidato às eleições europeias de 2009 (6,5%). A força assim constituída deve ser considerada sólida, sobretudo porque está distribuída por todo o país: em nenhum dos departamentos a Frente de Esquerda teve menos de 7% dos votos; teve 10% e mais em 70 departamentos; e mais de 13% dos votos em 20 departamentos.

Assim se define uma nova força política, que se afirmou em todo o território, em todos os casos com mais votos do que os registados na implantação histórica das organizações que formam a Frente de Esquerda. Grandes cidades sem qualquer tradição comunista deram mais de 15% de votos ao candidato Jean-Luc Mélenchon da Frente de Esquerda: por exemplo, Grenoble, Toulouse, Lille ou Montpellier. E houve avanços espetaculares, em cidades nas quais Jean-Luc Mélenchon provocou fortes clivagens políticas. Foi o que aconteceu em Alsace, onde a Frente de Esquerda trabalhou a favor da abolição do Concordat, e aumentou o número dos seus eleitores em mais de 300%.

Também em Marselha, o discurso claro e sem meias palavras de Jean-Luc Mélenchon sobre os benefícios da mestiçagem encontrou eco popular de massa e empurrou a Frente de Esquerda para cerca de 14% na cidade e para mais de 20% em vários bairros populares da periferia no norte da cidade. Lá também, foi a estratégia de combater diretamente a Frente Nacional que polarizou a discussão e levou a Frente de Esquerda a derrotar a Frente Nacional.

Contrariamente ao que disseram os média, os muitos votos dados a Marine Le Pen não fizeram recuar Jean-Luc Mélenchon. O processo é completamente diferente: nos pontos onde houve avanço da FN, também houve avanço da Frente de Esquerda. Foi o que se viu sobretudo em áreas operárias, que de modo algum foram ‘seduzidas’ por Marine Le Pen.

Por exemplo, em Petit-Couronne na Seine Maritime, onde o encerramento da refinaria Petroplus ameaça com o desemprego 900 trabalhadores – e cidade que foi visitada por todos os candidatos em campanha -, o resultado foi claro: Sarkozy perdeu 249 votos; Hollande ganhou 114; Le Pen, 436; e Mélenchon, 693 e um claro maior avanço dentre todos os candidatos.

Sinal também dos bons resultados da estratégia da Frente de Esquerda, que se dedicou a fazer recuar a direita, os dois departamentos nos quais Sarkozy teve seus piores resultados – Seine-Saint-Denis e Ariège – são os mesmos nos quais a Frente de Esquerda obteve os melhores resultados, com cerca de 17% a picos de 25% em numerosas cidades populares.

Combater a deformação mediática dos resultados

Uma semana depois da primeira volta, os principais meios de comunicação apresentaram um quadro extremamente deformado da realidade dos resultados. Aqui, uma primeira desmontagm das principais mentiras publicadas (e repetidas).

Marine Le Pen fez 20% e alcançou seus objetivos- Falso

A desinformação sobre os resultados da Frente Nacional começou logo às 20h da noite das eleições, quando vários média anunciaram, erradamente, que Marine alcançara e ultrapassara os 20% dos votos. De facto, chegou só aos 17,9%. Além de oferecer números errados (erro de mais de 11%), essa notícia mentirosa deforma completamente o significado do resultado da FN. Porque faz crer que Marine Le Pen teria sido bem sucedida e teria conseguido o que se propôs conseguir. Não foi bem sucedida e não conseguiu. A mesma mentira levou a uma comparação errada com o resultado da extrema direita em 2002. De facto, se tivesse recebido 20% dos votos, Marine Le Pen teria ultrapassado o resultado histórico da extrema direita em 2002.

Na verdade, com os seus 17,9%, Marine Le Pen recebeu menos votos que o seu pai e Bruno Mégret em 2002. Quanto aos jornalistas que tomaram como prova de alta inteligência esquecer esse argumento, e se puseram a repetir que ela teria tido 1 milhão de votos a mais, esqueceram-se também que, em comparação com 2002, havia agora mais 4,8 milhões de novos eleitores inscritos.

Estranhamente, todos os média repetiram incansavelmente que a Frente de Esquerda não conseguira ultrapassar Marine Le Pen, mas nenhum se lembrou de dizer que Marine Le Pen fracassou no esforço para alcançar as metas que ela mesma fixara. Não chegou aos 20%. Nem, como também dizia que aconteceria, chegou à segunda volta. Tampouco os jornais e televisões noticiaram que Marine Le Pen também fracassou no projeto de impedir que Jean-Luc Mélenchon chegasse à metade dos votos que ela receberia. Tivemos mais que isso: foram 62%.

Não deu na televisão: a Frente de Esquerda fez recuar a FN

Embora ainda não tenha tido sucesso no plano nacional, a Frente de Esquerda já começou por alcançar a meta a que se propôs, de aparecer à frente de Le Pen em várias grandes cidades e muitos bairros operários. Em Lille, a Frente Nacional caiu, do 3º lugar em 2002, para o 4º lugar em 2012. A Frente de Esquerda subiu muito: para 15% dos votos. O mesmo cenário em Montpellier: do 2º lugar em 2002, a Frente Nacional caiu para o 4º lugar em 2012. E também aí a Frente de Esquerda teve mais votos e apareceu à frente de Le Pen, tendo subido para o 3º lugar.

A queda da Frente Nacional foi ainda mais acentuada nas áreas populares das grandes cidades, como Vaulx-en-Velin, Aubervilliers, Stains ou Mantes la Jolie. Várias vezes vista no 1º lugar nessas regiões em 2002, em 2012 a Frente Nacional apareceu em 4º lugar, amplamente derrotada pela Frente de Esquerda. Em Vaulx-en-Velin, a Frente Nacional passou da posição de mais votada em 2002, para o 4º lugar em 2012 (21/7% dos votos para o pai, em 2002, e 13,83% para a filha em 2012). E a Frente de Esquerda derrotou a Frente Nacional e chegou ao 2º lugar, com 18,42% dos votos. Em Grigny, na cidade da Grande Borne em Essonne, a Frente Nacional caiu de 17 para 11%; e a Frente de Esquerda apareceu com mais de 21% dos votos.

Os trabalhadores votam Le Pen - Falso

Mais uma ficção criada e divulgada pelos média: que os trabalhadores teriam votado Le Pen. Para criar essa ficção, os média acreditaram mais em sondagens do que nos números saídos das urnas. Foram “sondagens à boca da urna”, feitas em amostras não significativas, com apenas algumas centenas de trabalhadores. Estimaram que os votos operários para Le Pen ficariam entre 29 e 35%, variando conforme a sondagem. E os votos operários para Jean-Luc Mélenchon não ultrapassariam 11% (IPSOS) e 18% (IFOP)! Já a simples diferença entre as estimativas obrigaria a não confiar demais nas “sondagens”. Mas, mesmo quando são mais confiáveis, as mesmas sondagens significavam que 65-70% dos operários não votam na Frente Nacional. E sem considerar a abstenção entre os operários, que os pesquisadores situam em torno de 30%.

Se se correlacionam os votos para a Frente Nacional e o universo dos operários inscritos para votar, 80% dos operários não votam na Frente Nacional. Pois, nesse contexto, os média falavam, já há um ano, de “verdadeiro plebiscito operário, para Marine Le Pen” (Journal du Dimanche, 24/4/2011) ou a apresentavam, generosos, como “candidata preferida dos trabalhadores” (Le Monde, mesma data2). Os jornais e televisões não reconheceram o erro e, pior, insistiram na mesma via de deformar a realidade, como em matéria de i-télé, no dia seguinte às eleições de 2012, que requentava a metáfora “Marine Le Pen vence o plebiscito operário”.3 Outro resultado, que se lia evidentemente nas mesmas sondagens, jamais apareceu em manchetes e “análises” jornalísticas: a tendência de voto de comerciantes e chefes de empresas, afinal, votos quase tão importantes quanto o voto operário. Nenhum jornal, revista ou televisão escreveu, sobre Marine Le Pen, que é “a candidata preferida dos patrões”.

Especialistas em repetir avaliações dos institutos de sondagens e jamais interessados em analisar detalhadamente os resultados das urnas, os média fizeram silêncio absoluto sobre os avanços da Frente de Esquerda entre os operários. Isso, apesar do que se viu em Florange (Arcelor-Mittal), em Montbéliard (PSA Sochaux), em Saint-Nazaire (instalações da transnacional Alstom) ou em Douai; e em Lens, no Nord-Pas-de-Calais, a Frente de Esquerda conquistou mais votos que a Frente Nacional, entre 2007 e 2012.

Os resultados eleitorais em Montbéliard mostram bem a dinâmica operária da Frente de Esquerda.

Essa cidade, que é há muito tempo feudo eleitoral do coordenador geral da campanha de François Hollande, Pierre Moscovici, foi visitada por Jean-Luc Mélenchon no dia 24 de janeiro, em apoio à luta dos trabalhadores da empresa PSA - Peugeot Citroën, no principal polo industrial da França.

Não se viu avanço da esquerda - Falso

A falsa impressão de que não teria havido avanço na esquerda francesa resulta de todos os jornais e redes de televisão terem dado atenção exclusiva aos resultados da Frente Nacional. É resultado também de vários média da direita francesa terem apresentado os resultados de Nicolas Sarkozy como se fossem muito maiores do que o previsto. O próprio Sarkozy trabalhou também na direção desse tipo de propaganda de manipulação. Sarkozy disse no jornal republicano Est, dia 25/4: “Não houve qualquer avançoda esquerda. O total da esquerda foi inferior aos números de outras eleições”.4

Os votos dizem exatamente o contrário. A direita perdeu 3,2 milhões de votos (Sarkozy perdeu, só ele, 1,7 milhão) e a esquerda ganhou 2,3 milhões, um dos melhores resultados de toda a 5ª República.

Ao subestimar o avanço da esquerda, os média calaram também completamente a origem do avanço que houve. 2/3 dos votos que a esquerda conquistou foram votos para a Frente de Esquerda. Foi a primeira vez, em 30 anos, que dois candidatos do campo da esquerda alcançaram uma percentagem de votos de dois dígitos. Os votos dados a Jean-Luc Mélenchon permitiram também deslocar o centro de gravidade de toda a esquerda, afinal, para a esquerda. A esquerda autónoma que havia no Partido Socialista sempre representou menos de 20% dos votos. Hoje, representa 30%. E afirma-se, com a Frente de Esquerda, como o único voto útil para fazer recuar a Frente Nacional e forçar adiante o avanço de toda a esquerda francesa.

Publicado no blogue de Jean-Luc Mélenchon. Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu, disponível em redecastorphoto.blogspot.pt


Notas dos tradutores

1 Uma das 20 áreas administrativas em que se divide a cidade de Paris. Sobre o VIIème. Arrondissementlê-se na Wikipedia: “É a região da cidade onde vivem os mais ricos, desde o século 17, quando se tornou novo endereço da mais rica nobreza da França”.

3 Também, um ano depois, dentre outros, em: 23/4/2012, i>TÉLÉ, em: “Marine Le Pen plébiscitée par les ouvriers?

4 25/4/2012, Est Républican, em: “Nicolas Sarkozy: Je suis très déterminé

(...)

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