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Espaço Público e Novíssimos Movimentos Sociais
Existe hoje uma certa ideologia segundo a qual o espaço público seria uma esfera onde as desigualdades (de classe) e as diferenças (de género, de etnia, de raça, de orientação sexual...) se desvaneceriam. Esta idealização, em parte traduzida pela concepção de Jürgen Habermas sobre a esfera pública burguesa, pressupõe que os indivíduos suspendam tudo aquilo que os diferencia durante essa travessia "encantada" do espaço público, em função de um consenso ao serviço de uma ordem social coesa pequeno-burguesa, assente no cariz racional, independente e reflexivo das interacções em lugares onde esse espaço ideológico se consubstancia num espaço topográfico (um lugar: praça, rua, jardim...).
Por intermédio da linguagem e da troca comunicacional seria possível estabelecer, então, uma plataforma de entendimento na qual se basearia a "urbanidade", a "civilidade" ou mesmo a "cidadania". Ora, esta mesma lógica consensualista está paradoxalmente presente nos novíssimos movimentos sociais assentes na metáfora da rede e que, sem esquecer as diferenças que os separam, têm ocupado praças e ruas ("acampadas", "movimento dos indignados", manifestação do 12 de Março). Tais movimentos, ao reivindicarem um carácter difuso, inorgânico, anti-partidos e anti-política, possibilitam, frequentemente, uma apropriação conservadora e uma absorção reaccionária. Ao esquecerem as diferenças de classe entre os seus participantes, criam uma festiva identidade momentânea própria da multidão, mas avessa a uma organização transformadora. Não estará a esquerda, ao endeusar tais movimentos, a cair numa ratoeira?
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