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Em mais de uma década no poder, Chávez usou o petróleo para financiar programas sociais contra a pobreza

Nos quase 14 anos como presidente da Venezuela, o tenente-coronel reformado Hugo Chávez construiu uma imagem associada ao bolivarianismo. Dono do lema “socialismo do século XXI”, ampliou o papel do Estado na economia com nacionalizações, controlo de preços e parcerias público-privadas. Reportagem da revista CartaCapital.
Com o lema “O petróleo é agora de todos”, o carismático líder armou uma estrutura de fundos que permitiu o uso de enormes recursos para reforçar as suas políticas sociais. Foto de blmurch

Afastou-se dos Estados Unidos, o seu maior parceiro comercial, e reforçou laços com o regime cubano de Fidel Castro. Por outro lado, buscou criar alianças estrangeiras com potências emergentes, como China, Rússia e Brasil.

Crítico ferrenho do capitalismo, que acusou de “expropriar o povo” e de ser “a condenação da raça humana”, Chávez procurou adotar medidas para diminuir a desigualdade no país. Apoiado nas receitas geradas pelo petróleo da Venezuela, que detém as maiores reservas do mundo, reduziu os níveis de pobreza de 42% para 9,5%.

“Assumimos o compromisso de dirigir a Revolução Bolivariana até ao socialismo do século XXI, baseada na solidariedade, fraternidade, amor, liberdade e igualdade”, disse ao ser reeleito em 2006.

Ao longo dos anos, demonstrou-se um influente ator na América Latina, trabalhando com Bolívia, Cuba e Equador.

A partir de 2003, o governo passou a mostrar maior intervencionismo na economia, com controlos como a fixação dos preços de alimentos básicos, como arroz, farinha e leite. Com a elevação dos preços do petróleo em 2004, Chávez pediu uma série de reformas legais que permitiram o aumento das receitas com o item por meio de impostos e controle acionista dos projetos de energia concedidos na década de 1990 a petrolíferas privadas nacionais e estrangeiras.

Com o lema “O petróleo é agora de todos”, o carismático líder armou uma estrutura de fundos que permitiu o uso de enormes recursos para reforçar as suas políticas sociais, mas também para financiar uma onda de nacionalizações que caracterizariam a sua política económica.

Chávez ordenou a recuperação de mais de 2,5 milhões de hectares de terras de propriedade privada e a nacionalização de setores estratégicos, como cimento, aço, telecomunicações, alimentos, elétrica ou bancário.

A siderúrgica argentina Sidor, a empresa mexicana de cimento Cemex, o banco espanhol Santander ou os supermercados Êxito – com participação acionista francesa –, são alguns dos principais nomes nesta série de expropriações.

Enquanto isso, também com recursos do Estado, Chávez promoveu a criação de cooperativas, empresas cogeridas e de produção social como novas formas de “propriedade solidária”. No entanto, o setor privado ficou com cada vez menos espaço de manobra por causa do controlo do Estado e da inflação galopante. Em 2009, o Estado atingiu mais de 30% do PIB, uma ameaça à sua própria sobrevivência. A nova dinâmica nacional também foi estendida aos seus parceiros externos.

Confrontando politicamente os EUA, o seu principal parceiro comercial, o governo de Chávez começou a buscar novos mercados, mais de acordo com a sua linha ideológica, como China, Rússia e Brasil.

A China, que até recentemente não estava no mapa económico da Venezuela, é agora o segundo destino do petróleo nacional (500,00 b/d) e também um de seus principais financiadores, graças a uma série de acordos pelos quais o governo de Chávez conseguiu empréstimos de mais de 30.000 milhões de dólares em troca de petróleo.

O PIB da Venezuela, que em 1998 foi de 91.000 milhões de dólares, foi para 328.000 milhões em 2011, impulsionado principalmente pelo aumento dos gastos governamentais.

O governo de Chávez, no entanto, não conseguiu controlar a alta inflação e evitar a escassez de commodities cíclicas e os efeitos disso sempre são sentidos nas massas, que o seu governo sempre alegou tanto proteger.

Ao mesmo tempo, o país, com uma moeda supervalorizada para efeito de controlo de câmbio, se tornou muito dependente das importações de produtos agrícolas, em particular.

Críticas

Por diversas vezes, o líder bolivariano foi criticado pela oposição por tentar dominar os meios de comunicação do país e se fazer omnipresente na vida dos venezuelanos. Seduzia com o povo de forma carismática e desafiava constantemente os seus opositores, que o derrotaram em poucas ocasiões nas urnas.

Poucos meses após assumir o poder em 1999, lançou o programa dominical “Alô, Presidente”, com duração média de cinco horas aos domingos. Como principal plataforma de exposição, utilizou as cadeias de rádio e televisão (de transmissão obrigatória) para informar os venezuelanos, libertar recursos ou inaugurar obras em aparições sempre impregnadas por um estilo próprio, com piadas, contos e músicas.

Também atacava a oposição e os meios de comunicação privados, que chamava de “apátridas”, “burgueses” ou “imperialistas”. As acusações de conspiração contra o seu governo eram constantes.

Mas a “guerra mediática”, como afirmava Chávez, começou realmente durante o golpe de abril de 2002, que o afastou do poder por 48 horas, quando os canais privados optaram por exibir desenhos animados e não informar sobre as manifestações nas ruas que pediam o retorno do presidente.

Chávez decidiu em 2007 não renovar a concessão da RCTV, a mais antiga emissora de televisão do país, que tinha grande audiência, o que provocou uma onda de protestos liderados por estudantes e muitas críticas internacionais.

Desde então, apenas um canal de oposição continuou com transmissão em sinal aberto, a Globovisión, mas com um alcance limitado a Caracas e à cidade de Valencia, enquanto a frequência da RCTV – a de maior alcance – passou a ser usada pela estatal TVES.

A Globovisión, apesar de não ter sofrido o mesmo destino da RCTV e de outras 30 emissoras de rádio, recebeu multas milionárias, dezenas de processos administrativos e acusações contra os sócios do canal, chamado por Chávez de “terrorista mediático”.

A deposição

Em abril de 2002, Chávez foi deposto por um golpe da cúpula militar em meio a manifestações contra o seu governo. Pouco depois, acabou devolvido ao poder por militares leais e multidões entusiasmadas.

Após o golpe, Fidel Castro forneceu milhares de médicos, agrónomos, assessores militares e militantes a Chávez para montar as chamadas “missões” sociais que lhe deram mais apoio popular. Este, por sua vez, tornou-se o salvador de uma Cuba frágil após a queda da União Soviética, com o fornecimento de petróleo e ajuda económica.

Chávez também passou a criar iniciativas regionais como o grupo de integração económica e coordenação política Aliança Bolivariana das Américas (ALBA), integrada por Bolívia, Cuba, Equador, Nicarágua e ilhas das Caraíbas anglófonas, assim como o Petrocaribe, de subsídios petrolíferos.

Implacável com os opositores, isolou quem não estava com ele e retomou de Fidel Castro os EUA como inimigo do país. No entanto, foi suficientemente pragmático para manter o seu calendário de eleições e referendos e para continuar a enviar um milhão de barris diários de petróleo a Washington.

Chávez governou de forma pouco convencional, misturando o seu olfato político e o ensino militar, delegando poderes apenas a um pequeno grupo de colaboradores, do qual talvez saia o seu herdeiro político.

Sob esta ótica, o seu ministro dos Negócios Estrangeiros e vice-presidente, Nicolás Maduro, foi apontado como seu sucessor no auge da sua batalha contra o cancro. Definido por Chávez como “um revolucionário por completo, um homem com muita experiência, apesar da sua juventude”, Maduro foi designado pelo bolivariano para sucedê-lo em 9 de dezembro, dois dias antes de embarcar para uma cirurgia em Cuba.

Ao morrer, Chávez concentrava um grande poder em suas mãos. Era presidente, comandante-em-chefe das Forças Armadas e presidente do PSUV. Além disso, os seus partidários controlam a maioria parlamentar e ostentam uma maioria no Supremo Tribunal de Justiça.

Filho de dois professores de educação primária e criado por sua avó materna, Chávez cresceu em Sabaneta, estado de Barinas (sudoeste). Casou-se e se divorciou duas vezes, e teve quatro filhos.

5-3-2013

(...)

Neste dossier:

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