Este texto serve de apresentação e base de discussão para o Encontro Ecossocialista do Bloco de Esquerda, em 2025. Oferece um balanço da atual relação de forças mundiais e nacionais à luz da luta por um futuro ecossocialista e identifica perspetivas para a luta a partir da base.
Uma utopia que fala ao presente
A crise socioecológica e as alterações climáticas obrigam a uma transformação radical e urgente da economia e da sociedade. O capitalismo e a sua necessidade intrínseca de “crescer ou morrer” ameaçam o futuro da Humanidade.
O ecossocialismo é a resposta civilizacional às múltiplas crises do capitalismo, a alternativa que coloca a economia ao serviço da vida e que dá primazia ao debate democrático, ao invés das lógicas de intensificação e expansionistas do capitalismo tardio acoplado a um crescente autoritarismo. Como resposta civilizacional, o ecossocialismo só pode ser feminista, antirracista e emancipatório, reconhecendo que as lutas são interligadas. Este é um ecossocialismo que defende a socialização dos meios de produção, reprodução e do excedente social. A democratização da vida social e política, em todas as suas dimensões, construindo o poder popular, é fundamental a este projeto político. Na transformação ecossocialista da economia e da vida coletiva, repensar o trabalho é necessário, sabendo que é nele e na luta de classes, na sua dimensão ampla, que inclui também o trabalho reprodutivo e as lutas por uma vida justa, que reside o impulso transformador das relações sociais e instituições. Assim, cessar todas as formas de imperialismo e colonialismo é crucial, passando pelo complexo militar até ao agronegócio e outros complexos industriais que vulnerabilizam as populações locais e forçam às migrações e ao abuso.
O ecossocialismo encerra a construção duma nova sociedade não alienada pelo consumismo e com tempo para viver, sem divisões de classe. Nela, as populações, através dum processo descentralizado, da base para o topo, e não das leis do mercado, com as suas “leis de oferta e procura”, tomam em suas mãos as decisões sobre a economia e um novo modo de produção e consumo.
Num momento histórico em que a esquerda se vê, não poucas vezes, encurralada em posições defensivas, que a obrigam a defender conquistas passadas perante a ameaça de retrocessos, em que as direitas parecem ter capturado a todas as narrativas de mudança, o ecossocialismo é um alicerce para a disputa do imaginário coletivo e é um programa de ação política. Uma nova utopia mobilizadora, uma renovação do horizonte de mudança revolucionária, uma práxis para uma esquerda socialista do século XXI.
Das lutas locais à mudança global
Como intervir e impulsionar o movimento por justiça climática aprofundando a sua radicalidade e, ao mesmo tempo, alargar a sua capacidade de mobilização e de diálogo social? Como aproximar outros protagonistas da luta social, nomeadamente as organizações sindicais e laborais, dos combates ecológicos e climáticos, superando a falsa dicotomia entre a criação de emprego e a sobrevivência dos ecossistemas? É a partir das lutas concretas, que serão chamadas a marcar presença neste encontro, que tentaremos responder a estas perguntas. A reflexão a que nos propomos parte de uma perspetiva social e política ecossocialista, mas também dos combates concretos que se dão nos territórios, das suas experiências e dos seus protagonistas.
Neste Encontro Ecossocialista queremos debater os desafios que a exploração e apropriação desenfreada do capitalismo sobre o planeta e a humanidade colocam à esquerda e aos movimentos sociais. Queremos debater as ameaças ambientais na sua relação com as desigualdades sociais, o crescimento da direita e extrema-direita e o seu papel no agudizar da crise ambiental e social, como construir alianças entre movimento ecologista, lutas sociais e a esquerda emancipatória. Queremos explorar o debate da escala global até ao território nacional, em toda a sua heterogeneidade biofísica e socioeconómica. Queremos conhecer e contribuir para fortalecer as lutas que decorrem e os seus avanços e recuos, na recusa de caminhos que lesam o interesse público, desde o combate à mineração até ao grande agronegócio desenfreados, da construção de megacentrais solares até à expansão urbanística sobre ecossistemas frágeis. Apostamos na construção de alternativas: dos novos modelos agroalimentares baseados na agroecologia à democracia energética, até ao fortalecimento de serviços de ecossistema urbanos passando pela reabilitação de linhas de água e pelo desmantelamento de barragens obsoletas dispersas no território.
Sobretudo, procuramos refletir para a agir, bebendo das lutas em curso para as alargar, unir e radicalizar e, nesse trabalho, reforçar a esquerda ecossocialista que, cada vez mais, o Bloco se propõe ser.
Ecossocialismo, ponto de Encontro
Neste Encontro, colocamos em debate as várias dimensões que o ecossocialismo alberga, os conflitos e as sinergias que decorrem da interseccionalidade das lutas. Refletiremos a partir das várias perspetivas que se cruzam no ecossocialismo, desde as bases marxistas, que destacam a crítica ao capitalismo como sistema intrinsecamente destrutivo para a natureza e as pessoas, sem com isso negar a luta por mudanças imediatas dentro do sistema capitalista, por meio de reformas progressivas e regulamentações ecológicas. Bebemos da crítica ao neocolonialismo verde, que integra preocupações com o colonialismo histórico e as desigualdades, argumentando que o capitalismo dito verde não pode ser separado do imperialismo e da exploração dos territórios e povos do Sul Global. Acolhemos igualmente a perspetiva ecofeminista, que relaciona a exploração ambiental com a opressão de género, argumentando que ambas estão ligadas à lógica de dominação capitalista e patriarcal, visibilizando formas de trabalho e de relação com os ecossistemas muitas vezes secundarizadas, ainda que essenciais à reprodução da sociedade e da vida.
A esquerda e as lutas ecossociais dialogam
O encontro decorrerá em três plenários amplos e abertos que contarão, cada um, com um conjunto de oradores que lançam o debate, dando depois voz ao público para intervenções livres, animadas por moderações informadas. Num primeiro plenário, procuramos construir um diagnóstico comum do atual momento de crise ecológica e social, partindo da ciência climática, mas também das grandes mudanças políticas em curso. No segundo plenário, colocamos em diálogo protagonistas de lutas de Norte a Sul do país, para entender razões, causas e alianças possíveis. Por fim, juntamos perspetivas nacionais e internacionais para pensar os rumos concretos de uma esquerda ecossocialista para vencer no século XXI.
Sintetizando, são objetivos do Encontro Ecossocialista:
- Contribuir para robustecer o Programa Político do Bloco de Esquerda com os princípios ecossocialistas, traçando as estratégias adequadas ao tempo de crise que vivemos.
- Aprofundar o conhecimento de todos os militantes sobre esta temática, bem como debater com representantes de vários movimentos antiextrativistas, ecologistas e ligados à justiça climática para encontrar rumos comuns e conquistar vitórias.
- Incentivar os militantes e ativistas envolvidos em lutas sociais e ecológicas a ampliarem a divulgação destes princípios, ao mesmo tempo que se amplia o diálogo da esquerda e do Bloco com ativistas, investigadores e comunidades em luta.
- Reforçar a ligação aos movimentos por justiça climática e ecológica, avançar na intervenção ativista no setor, aproximando mais o Bloco destas lutas e vice-versa.
- Registar os principais debates, questões, polémicas e propostas, não só para memória futura, como para avançar na divulgação e elaboração das ideias ecossocialistas no nosso país, ao serviço das lutas e da transformação radical da sociedade.