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Ameaça Fascista na Grécia

O partido fascista Aurora Dourada tem empurrado o partido do Governo da Grécia mais para a direita - e abriu espaço para medidas de austeridade mais profundas. Por Katy Fox-Hodess.
O Aurora Dourada, que tem profundas raízes organizacionais em muitos bairros operários pobres nos arredores de Atenas, tem sido capaz de aproveitar o espaço aberto pelas políticas odiosas adoptadas pelo governo do Nova Democracia.

O cada vez mais ousado Aurora Dourada precipitou uma crise política em Atenas, cuja resolução está longe de ser certa. Aurora Dourada, o maior partido fascista na Europa e o terceiro maior partido na Grécia, tem crescido rapidamente durante a crise económica, tanto por usar os imigrantes, minorias étnicas e pessoas queer como bode expiatório, como por oferecer bens essenciais como comida para os cidadãos gregos empobrecidos pelo programa de austeridade do país .

Até este mês, tem operado com o consentimento implícito do governo de coligação liderado pelo Nova Democracia, de centro-direita, apesar das muitas provas de que militantes do partido têm usado violência para aterrorizar aqueles/as que vivem à margem da sociedade grega.

Mas o partido parece ter cruzado uma linha vermelha neste mês. Em meados de setembro, cerca de cinquenta "gorilas" da Aurora Dourada agrediram membros do Partido Comunista (KKE) que colavam cartazes políticos num subúrbio operário de Atenas. Na semana seguinte, Pavlos Fyssas, um cantor de hip-hop anti-fascista, foi assassinado por um membro assumido do Aurora Dourada no bairro operário de Keratsini.

O assassinato de Fyssas, um cidadão grego, que vem na esteira dos espancamentos de membros gregos do KKE, conseguiu o que os espancamentos e assassinatos de imigrantes por parte dos membros da Aurora Dourada não tinham no passado: a indignação pública generalizada e mobilizações de massa contra o partido. Os primeiros protestos foram organizados em menos de 24 horas, culminando numa marcha de 50.000 pessoas em direcção à sede do Aurora Dourada, na semana seguinte. Hoje em dia, o centro de Atenas está coberto de cartazes políticos e graffiti antifascistas.

Por altura do último fim-de-semana, o líder do partido, Nikolaos Michaloliakos, juntamente com outros deputados do Aurora Dourada e os militantes-chave do partido, tinham sido presos e acusados de pertencer a uma organização criminosa. Dependendo dos resultados dos julgamentos, o Aurora Dourada poderá vir finalmente a ser declarado um partido ilegal.

No entanto, se é verdade que a reviravolta no destino político do Aurora Dourada, após uma mobilização em massa impressionante, pode vir a alegrar a esquerda grega, o clima em Atenas na semana passada era de incerteza. A um nível mais imediato, os radicais receiam que a repressão do governo sobre o partido possa mais tarde ser usada como pretexto para reprimir os partidos de esquerda, uma preocupação fundada no facto de a retórica de centro-direita equiparar a violência da ultra-direita fascista com as mobilizações de esquerda.

E a ameaça do fascismo dificilmente é derrotada. Um cartoon político que circula on-line capturou o sentimento geral sobre a esquerda, mostrando o presidente do partido Nova Democracia, Antonis Samaras, arrancando do solo uma pequena planta com a forma do símbolo do Aurora Dourada, enquanto um enorme sistema de raízes em forma de suástica permanece enterrado.

A actual crise económica e política na Grécia tem suas raízes na crise económica mundial de 2008. Tal como a maioria da Europa mediterrânica - em particular Espanha, Portugal e Chipre - a economia da Grécia sofreu um grave choque com a crise global. Isto criou uma abertura para o capital global, e em particular capital europeu, pudesse renegociar condições mais favoráveis de acumulação no sul da Europa ao concordar em socorrer as economias do sul, em troca de um pacote de medidas de profunda e grave reestruturação económica. O abalo político e económico não têm servido tanto para reestruturar o capitalismo no continente, como têm revelado uma verdade que tinha estado coberta por um longo período de prosperidade baseada na dívida: apesar de duas décadas de integração europeia na zona euro, a Europa continua a estar dividida entre um norte rico e um sul subdesenvolvido. Como me disse um amigo grego, como é possível que a Suécia e a Grécia sejam parte de uma mesma união económica e política?

Os três organismos internacionais responsáveis ​​pela negociação do resgate, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional, são conhecidos colectivamente na Grécia (e por todo o sul da Europa) como a "troika", uma frase que evoca intencionalmente memórias de ditadura. De facto, a troika atua em grande medida como uma ditadura, operando através do governo grego, que se tornou uma espécie de estado fantoche, alienando muita da soberania política e económica do país no memorando que determina as condições do resgate de 110 biliões de euros, e tentando gerir a caos social em que veio por arrasto.

Nos termos do memorando, a Grécia concordou em vender empresas públicas rentáveis ​​e cortar duramente nos gastos sociais para pagar sua dívida e equilibrar o orçamento (uma exigência a que os governos do norte da Europa, incluindo a Alemanha, não se impuseram). Um importante terminal de contentores no Porto de Pireus, por exemplo, foi vendido à companhia de navegação Cosco, detida pelo Estado chinês, sem os regulamentos sociais que têm acompanhado as privatizações de portos noutros países europeus. A sindicalização é agora quase impossível, e os trabalhadores são empregados numa base diária com os salários baixos, poucos benefícios e as condições de saúde e segurança que seriam de outra forma impensáveis no país.

Este processo é muitas vezes descrito pelo termo "austeridade", um termo ideologicamente mistificador destinado a encobrir a realidade grega de 30% de desemprego geral, desemprego de 60-70% por cento entre os jovens, e cortes salariais do sector público à volta de 35-50% - além ao aumento da mortalidade infantil, a insegurança alimentar, trabalho sexual, uso de drogas, as taxas de infecção de VIH / SIDA, crime, e outros sinais de desespero económico e miséria social. Aspectos adicionais da mistificação ideológica comummente empregues no Norte da Europa para justificar a acumulação por expropriação no Sul incluem uma série de preconceitos que retratam os gregos e europeus do sul em geral como preguiçosos, irresponsáveis ​​e incapazes de se auto-governarem.

A vaga inicial de protestos anti-austeritários contínuos, a partir de maio de 2010, seguiu-se à assinatura do primeiro memorando. Seguiu-se uma enorme manifestação de meio milhão de pessoas no centro de Atenas e uma série de manifestações e greves gerais. A segunda vaga começou em 2011, durante a onda mundial de protestos de ocupação que se estenderam desde a Praça Tahrir no Egipto até à Plaza del Sol em Madrid passando pela Oscar Grant Plaza, em Oakland. Manifestantes na Grécia seguiram o exemplo com ocupações massivas de praças públicas, incluindo a Praça Syntagma, no centro de Atenas. Esta vaga durou até 2012, mas, posteriormente, houve uma relativa acalmia no movimento até este verão, despoletando um período de reflexão por parte da esquerda grega sobre como avançar na luta. Mas desde a Primavera, com a frustração de uma tentativa de privatizar a estação de televisão pública grega, o movimento tem vindo a a despertar novamente, precipitado pelo assassinato de Fyssas e pelo crescimento do movimento anti-fascista.

Abundam teorias entre a esquerda grega sobre o tipo e a extensão da ligação entre o Aurora Dourada, a Nova Democracia e a polícia, mas o que é claro é que o partido tinha até este mês conseguido operar com quase total impunidade. As autoridades policiais estão a ser investigadas por supostas ligações com "gorilas" do Aurora Dourada, diz-se que oficiais se juntaram ao partido em números assustadoramente grandes. No entanto, a crítica mais incisiva ao Aurora Dourada, da parte da esquerda, diz respeito às razões por detrás da tolerância do governo ao partido. Falei com militantes de esquerda de uma ampla gama de organizações, na semana passada em Atenas e, embora tenham sido enfatizados diferentes aspetos da situação, há um forte consenso sobre a existência de uma linha única que atravessa a crise económica, a troika, o governo austeritário e os fascistas.

Eles observaram, por exemplo, que ataques contra imigrantes não têm sido apenas prerrogativa dos fascistas, mas têm também sido levados a cabo aberta e legalmente pelo governo da Nova Democracia através de uma ampla campanha de discriminação racial e encarceramento de imigrantes sem documentos, tudo ao serviço de um objetivo declarado de deportações em massa. Estes ataques não só são legalmente sancionados pelo governo grego, como são implicitamente sancionados pelos países do norte da UE, que permitem que o Estado grego ataque imigrantes sem papéis (95% dos quais, pensa-se, entram na Europa através da Grécia) sem levantar qualquer objeção.

Na mesma linha, o governo da Nova Democracia tem realizado políticas profundamente misóginas, homofóbicas e transfóbicas tendo como alvo profissionais do sexo e pessoas VIH / SIDA, incluindo a deportação de imigrantes seropositivos/as, de volta para países onde não poderão receber tratamento adequado, e publicação online de fotos de profissionais do sexo seropositivos/as.

O Aurora Dourada, que tem profundas raízes organizacionais em muitos bairros operários pobres nos arredores de Atenas, tem sido capaz de aproveitar o espaço aberto pelas políticas odiosas adoptadas pelo governo do Nova Democracia. As duas organizações políticas têm-se desenvolvido simbioticamente, com a Nova Democracia a representar a face legal da violência racista e da opressão e a Aurora Dourada representando a face oculta, criminal. Muitos argumentam que a Aurora Dourada tem sido tolerado porque tem sido eficaz na sua organização e na mobilização do país para a direita ao nível das bases, limitando-se a levar a lógica das políticas da Nova Democracia à sua extrema conclusão.

Um segundo argumento relativo à ligação entre o Aurora Dourada e o governo da Nova Democracia enfatiza como o aumento da violência fascista fornece uma espécie de distracção conveniente, protegendo o governo de ter de enfrentar as mobilizações contra suas contínuas e duras políticas de austeridade, que têm resultado em pobreza e miséria. Quando os imigrantes, pessoas queer e esquerdistas estão literalmente a ser espancados e esfaqueado nas ruas, focar-se na luta contra os fascistas torna-se uma questão de sobrevivência. Enquanto a troika tem evitado em grande medida a discussão do caos social gerado pelas suas duras exigências, o assassinato de Fyssas atraiu críticas públicas por funcionários fora da Grécia, que sentem que ter neo-nazis a assassinar esquerdistas impunemente nas ruas de Atenas poderá vir a minar a hegemonia ideológica dos estados do norte e o capital forjado durante a crise. Mesmo continuando a diminuir proteções sociais, a Europa neoliberal deve pelo menos manter um compromisso ostensivo às normas básicas de direitos humanos para legitimar novas medidas de austeridade.

As próximas semanas e meses serão críticos para a esquerda grega, que, apesar da sua energia renovada depois da mobilização contra o Aurora Dourada, permanece dividida por velhas diferenças sobre questões como a viabilidade de uma via parlamentar de socialismo e a compatibilidade do socialismo num país com uma economia de mercado integrado na Europa. Dentro da esquerda parlamentar, a questão mais imediata diz respeito a quando convocar eleições, com alguns argumentando que as eleições antes do final do ano permitirão à esquerda capitalizar da indignação pública dirigida ao Aurora Dourada, enquanto outros argumentam que é necessário mais tempo para granjear mais apoio. Enquanto os esquerdistas de todo o espetro estão unidos na luta contra o fascismo, a questão da estratégia socialista continua a ser vexante.

Em particular, os esquerdistas fora da coligação de esquerda radical Syriza (bem como alguns dos seus próprios membros) têm questionado se será possível reverter a austeridade sob um governo Syriza sem sair da zona euro, dada a dependência económica e política do Estado grego face à troika. Esta questão tornou-se um ponto central de discórdia dentro da esquerda, atraindo críticas de alguns setores da liderança do Syriza. Ao mesmo tempo, os líderes do Syriza têm enfatizado a necessidade de se construir uma base de apoio mais ampla, para além da extrema-esquerda, apelando aos setores da classe média que permanecem ligados ao projecto europeu, a fim de disputar efectivamente o governo de centro-direita nas próximas eleições.

Questões de estratégia socialista à parte, a nível prático há uma necessidade urgente de mobilizar esforços para organizar meios de apoio e mobilização dos trabalhadores urbanos e dos desempregados de modo a neutralizar o sucesso do Aurora Dourada, que criou raízes profundas em alguns dos distritos de Atenas através de, entre outras coisas, programas de distribuição de alimentos "só para gregos". Num país onde a segurança alimentar se tornou uma preocupação real, é fácil entender porque é que essa tática tem sido bem-sucedida. Ao mesmo tempo, mais trabalho precisa de ser feito para tornar explícitas as relações entre a ascensão do fascismo e o programa de austeridade, para que as mobilizações anti-fascistas possam ser aprofundadas e ampliadas, gerando um movimento anti-capitalista revitalizado.

Socialismo ou barbárie é a ordem do dia.

Artigo publicado na revista Jacobin a 16/10/2013.

Tradução de Adriana Rosa Delgado para esquerda.net

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