Depois do testemunho que acabamos de ouvir, seria arrogância falar de mim. Os meus camaradas, Sita Valles, Admar Valles e Rui Coelho, têm quem os não esqueça e com enorme coragem estão aqui, hoje, 40 anos depois, os seus irmãos, a prestar, mais do que um testemunho, uma verdadeira homenagem.
Vou, como disse, pronunciar-me, não de mim mas sim deles. Deles, os que nos convenceram da sua opção socialista, e que afinal não passou de um embuste para nos inventariarem, rotularem e, chegado o momento, nos calarem.
Cumprido o programa mínimo do MPLA, com a conquista da independência, a 11 de Novembro de 1975, abriu-se o debate sobre o conteúdo do Programa Maior. O MPLA movimento, a frente aonde cabiam todos os patriotas e nacionalistas que se opuseram ao colonialismo, tinha que se adaptar aos novos tempos, "empenhar-se na reconstrução nacional de maneira a criar as bases para o socialismo e criar o seu dinamizador lógico, o partido da classe operária", diz-nos Agostinho Neto no discurso de encerramento da 3ª Reunião Plenária do C.C., que ocorreu de 23 e 29 de Setembro de 1976. Porém, a heterogeneidade das forças de libertação nacional engendraram o aparecimento de várias tendências ideológicas. Do MPLA movimento, ou seja, dessa frente, já pouco havia a esperar. Urgia a entrada em cena de uma outra força, de uma vanguarda que dirigisse a luta anti-imperialista e anti-capitalista. Ou o MPLA se transformava ou surgia a nova entidade. Foi ganhadora a primeira opção. Na citada 3ª Reunião Plenária, as moções apresentadas por Nito Alves ganharam a dianteira e as conclusões apontaram na transformação da Frente em Partido da Classe Operária.
Surpreendentemente, ou talvez não, os autores das teses que acabavam de se impor, com o apoio do presidente, sublinhe-se, há muito se sentiam acossados pelos seus inimigos de classe. Já estava em marcha a investida reaccionária do Jornal de Angola, da polícia política (DISA), os militantes de esquerda eram perseguidos, culminando na sua expulsão da organização, tendo-se atingido o cúmulo da provocação com a prisão de camaradas.
Na mesma 3ª reunião, onde vingaram as suas teses, levantaram-se vozes críticas acusando Nito Alves e José Van Dunen da prática fraccionista. Este último propõe então que se crie uma comissão de inquérito para apuramento de responsabilidades. A comissão é presidida por José Eduardo dos Santos mas não trabalhou.
Nito Alves resolve então defender-se, contra-atacando. Para tal redigiu um documento de cerca de 160 páginas, as 13 teses em minha defesa, que endereça, entre outros, ao Presidente, propondo que seja feita a distribuição interna do referido documento porque, se assim não for, ele próprio se encarregará da sua divulgação.
Entretanto ficou agendada a realização do congresso, (10 de Dezembro de 1977) aquele que vai transformar o movimento em partido. Nito continua a ser o alvo dos ataques das forças que se opõem ao progresso, ao mesmo tempo que a sua popularidade cresce nos bairros, onde se experimenta a implantação do Poder Popular no seio da juventude e nas forças armadas.
Está visto que vai ser ele e a tendência política que lhe está próxima, inclusivé o próprio presidente Agostinho Neto, pensávamos nós, quem vai ganhar o congresso. Mas as forças contrárias não baixam os braços e, muito pelo contrário, tudo fazem para que estes presumiveis vencedores não cheguem ao conclave. Apertam o cerco, os meios de comunicação social, controlados pelo poder, acirram as massas, as prisões continuam a acontecer, as rusgas sucedem-se nos musseques, a provocação sobe de tom e os membros do C.C., Nito e José VD, acabam, à revelia das conclusões da citada "comissão de Inquérito", por serem expulsos daquele órgão superior. Estava ao rubro a provocação que só esperava contar com a reação contrária para, com o apoio das tropas cubanas, desbaratar a insurreição popular, que foi o 27 de Maio. Prenderam e mataram os comunistas, aproveitaram ainda para ajustar as contas dos desentendimentos passados e aclamaram "sob o olhar silencioso de Lénine", como proclamou Agostinho Neto, o partido dos trabalhadores, com os comunistas nessa hora a cevarem as valas comuns as celas das cadeias e os campos, eufemisticamente chamados, "de reeducação".
É esta, em breves palavras, a trama do 27 de Maio. O que daqui para a frente aconteceu já foi profusamente contado. Mas, mesmo assim, não é demais repetir e lembrar para não esquecer.
Ouça aqui na íntegra a audição promovida pelo Bloco de Esquerda sobre os acontecimentos do 27 de Maio de 1977 em Angola,