O escândalo de corrupção que está a abalar o governo turco tem motivado manifestações em várias cidades a pedir a demissão de Recep Tayyip Erdogan. A polícia reprimiu os protestos em Ancara e Istambul, disparando balas de borracha e gás lacrimogéneo.
Desde que o escândalo envolvendo familiares próximos de governantes rebentou, Erdogan tem dito que se trata de uma conspiração internacional contra a Turquia. Este domingo repetiu a acusação, estendendo-a à oposição. “As perdas totais desde 17 de dezembro já atingiram cerca de 120 mil milhões de dólares. Como é que isto se faz? Como é que se dá início a uma campanha destas? Isto é a obra de um bando, uma organização. Infelizmente, todos os partidos da oposição estão juntos nisso”, afirmou Erdogan numa cerimónia de inauguração em Akhisar.
Em comunicado emitido este domingo, o Partido da Esquerda Europeia condenou “a brutal represão” sofrida pelos manifestantes e apelou ao governo turco para que se demita na sequência do escândalo que envolve altas figuras do governo e do partido de Erdogan, o AKP. Para além disso, sublinha o PEE, “o partido religioso de Erdogan está a ameaçar os princípios da democracia e da sociedade plural ao tentar controlar os poderes do país, sobretudo a justiça e o exército”.
“Consideramos que Erdogan não pode manter-se no poder. Ele mostrou ser incapaz de resolver os principais problemas sociais do seu povo, adotar uma solução política e democrática para a questão curda, acabar com a ocupação militar do Chipre em cumprimento das resoluções da ONU e ter um papel positivo no conflito do Médio Oriente”, conclui o Partido da Esqueerda Europeia.
O esquema de corrupção que abriu a crise*
Uma investigação judicial apurou o envolvimento de dezenas de pessoas bem colocadas no sistema de poder num processo de vendas de ouro e transações financeiras entre a Turquia e o Irão, comportamento que teria violado as sanções internacionais impostas ao Irão por pressão dos Estados Unidos, Israel e outros países da NATO e União Europeia. Até ao momento, 16 pessoas foram formalmente acusadas de corrupção, fraude e branqueamento de capitais, mas círculos judiciais têm acusado a polícia de levantar obstáculos ao desenvolvimento do processo e de avisar os investigados para terem possibilidades de fugir.
Entre os 16 acusados de um total de 24 pessoas detidas e 52 investigadas, estão os filhos do ministro do Interior e do ministro da Economia, bem como o diretor-geral de um dos maiores bancos estatais turcos, o Halkbank. Existem igualmente suspeitas de envolvimento do filho do próprio chefe do governo autoritário, Recep Tayip Erdogan, que considera a operação como uma conspiração destinada a manchar a sua governação.
O Halkbank é suspeito de ter sido o canal para a movimentação irregular de mais de 87 mil milhões de euros através de um homem de negócios originário do Azerbaijão.
Apesar de acusar os magistrados de comportamento ilegal, Erdogan reagiu durante a semana às denuncias de corrupção substituindo dez ministros, mais de metade do seu governo islâmico, facto igualmente interpretado como sinal de divisões profundas dentro do partido islamita. A remodelação governamental não convenceu a opinião pública e a oposição, mantendo-se as manifestações contra a degradação da situação institucional enquanto o poder tenta silenciar os acontecimentos mais graves.
Muammar Akas, promotor de justiça que tem estado associado ao processo, divulgou uma carta aberta denunciando que os poderes públicos estão em guerra entre si enquanto a polícia tenta obstruir o aprofundamento da investigação.
Akas acabou por ser afastado do caso pelo procurador geral de Istambul, Turham Colakkadi, que o acusou de quebra de disciplina e transmissão de informações à comunicação social. Procurando defender-se da acusação de que este afastamento confirma a tese da obstrução ao trabalho da justiça, Colakkadi alega que “nada pode ser encoberto” e “independentemente da autoria dos crimes, ou dos filhos envolvidos, não deixaremos que o poder judicial seja corroído”.
O exército, uma das componentes fundamentais do sistema de poder turco e que tem na sua história quatro golpes de Estado ditatoriais na segunda metade do século passado, emitiu um comunicado garantindo que não tomará qualquer posição perante a crise política actual. Apesar de formalmente “devolvido às casernas” e da posição agora assumida, o exército tem mantido desconfiança em relação ao governo de Erdogan, alegadamente por se desviar das premissas laicas do Estado. Aparentemente, as forças militares observam o duelo entre o governo e o aparelho judicial aguardando desfechos, uma vez que têm tido, nos últimos anos, choques com essas estruturas do poder, não se revendo em qualquer delas.
* Publicado no portal do Bloco no Parlamento Europeu