Tribuna

Levantar a nossa humanidade contra a guerra

30 de junho 2025 - 15:05

Há momentos na História em que as civilizações parecem caminhar para o suicídio. Não será com o nosso silêncio. É preciso voltar à mesa da diplomacia, à defesa intransigente de todos os direitos humanos, de todos. Nenhuma solução virá da guerra.

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Ainda nos recordamos de Eleanor Roosevelt e da sua dedicação às Nações Unidas e aos Direitos Humanos? E de Ellen Wilkinson, que ajudou a criar a UNESCO, retratada num belíssimo painel de Vhils na sede, em Paris? Ainda vamos a tempo de honrar 80 anos de esforços do multilateralismo, da cooperação e da paz?

A guerra voltou. Na verdade, nunca desapareceu. Mas não se apresentava de forma tão aberta e declarada. Na invasão da Ucrânia pela Rússia. Num terrorismo odioso. Nas atrocidades de Israel na Faixa de Gaza. Nos bombardeamentos no Irão. Em tantos outros lugares do mundo, sobretudo em África. A monstruosidade do inimigo torna-se a desculpa para a nossa própria monstruosidade.

A paz pela força. Primeiro, a morte, depois uma compaixão que deixa de ser possível. As guerras podem ser ganhas, mas todos perdem na destruição e numa memória de gerações. Depois de tantos esforços de desarmamento, agora só nos é permitido falar a linguagem do politicamente correto das armas? Tornou-se natural e aceitável o ataque a centrais nucleares com o risco, por via de fugas radioativas, de atingir milhões de seres humanos.

Com esta posição pública, queremos erguer um coro de vozes contra a guerra. Não são os manifestos, nem os abaixo-assinados, nem as petições, que nos vão salvar. Mas a indiferença e o silêncio ainda menos. Ou a mera indignação calada, essa impotência ou torpor que tomou as nossas vidas. Mais vale a ingenuidade do que a cumplicidade. A única salvação está na negociação, na diplomacia, no multilateralismo. A melhor segurança nacional é a cooperação transnacional. Temos o direito à paz, a uma paz com direitos.

Nada se resolve pela força. Terroristas hediondos, regimes tirânicos, violências brutais de Estados contra povos. Algo vai mal, muito mal no mundo. Depois de lançada, a engrenagem da guerra perpetua-se. Durante décadas, os perigos de um conflito nuclear foram contidos por uma certa racionalidade dos poderes em confronto. E a ONU contava. Hoje, a ameaça nuclear tornou-se real, devido justamente à irracionalidade dos líderes mundiais e dos seus modos de ação e de decisão. E a ONU deixou de ser ouvida pelos que querem o pior. O pior pode mesmo acontecer.  

Há momentos na História em que as civilizações parecem caminhar para o suicídio. Não será com o nosso silêncio. É preciso voltar à mesa da diplomacia, à defesa intransigente de todos os direitos humanos, de todos. Nenhuma solução virá da guerra. Virginia Woolf teve a coragem de escrever Pensamentos de paz durante um ataque aéreo, em 1940: “É um som que interrompe qualquer pensamento contínuo e racional sobre a paz. E, no entanto, é um som que nos deveria impelir a pensar sobre a paz”. Tenhamos, também nós, a coragem de pensar a paz, de levantar a nossa humanidade contra a guerra.

Álvaro Siza Vieira, Ana Drago, António Sampaio da Nóvoa, Eduardo Paz Ferreira, Francisco Louçã, Isabel Allegro de Magalhães, Isabel Mendes Lopes, Isabel Moreira, Januário Torgal Ferreira, Lídia Jorge, Mariana Vieira da Silva, Marisa Matias, Marta Temido, Pedro Pezarat Correia, Pilar del Rio, Sérgio Godinho, Teresa Salgueiro


Artigo publicado no jornal Público a 30 de junho de 2025