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IP privatiza manutenção ferroviária

A Infraestruturas de Portugal (IP) vai fechar os “centros de manutenção ferroviária” e subcontratar este trabalho a privados. A Comissão de Trabalhadores (CT) critica a medida e acusa: “todo o saber fazer, adquirido ao longo de sucessivas gerações, passa a ser detido por interesses privados”.
Linha do Douro – Foto de Giacomo Giugiaro/flickr
Linha do Douro – Foto de Giacomo Giugiaro/flickr

Segundo o “Público” desta quarta-feira, a Infraestruturas de Portugal (IP) vai extinguir os “centros de manutenção ferroviária” de Alfarelos, Régua, Nine e Esmoriz e substituí-los por contratos de prestação de serviços com empresas privadas. O jornal refere que o mercado da manutenção ferroviária tem funcionado em Portugal em regime de oligopólio, predominando as empresas Fergrupo a norte, Somafel no centro e a Mota-Engil no sul.

Recorde-se que o antigo dirigente do PS Jorge Coelho regressou à administração da Mota-Engil em maio de 2018 para o quadriénio 2018-2021, desta vez sem funções executivas.

Segundo a administração da IP, os 33 trabalhadores afetos aos centros de manutenção serão integrados noutros serviços nas categorias de operários, encarregados e especialistas de via. Atualmente, estes trabalhadores vigiam a via férrea para verificar problemas, fazer obras de manutenção e fiscalizar empreitadas.

A IP justifica a medida por, supostamente, as ações de manutenção da via serem atualmente asseguradas não por mão-de-obra intensiva mas “por equipamentos e maquinaria pesada, que a IP não dispõe”. A administração da empresa diz ainda, segundo o jornal, que a sua estratégia passa por “as actividades de inspecção, diagnóstico e fiscalização, que anteriormente eram integralmente asseguradas por meios internos, serem complementarmente asseguradas por prestadores de serviço, através de contratos plurianuais”. O “Público” refere ainda que a IP não respondeu a um conjunto de perguntas que lhe fez, sobretudo não disse quanto prevê gastar com os contratos de manutenção, em comparação com os gastos feitos até agora com recursos próprios.

CT diz que empresa perde know-how e segurança ferroviária diminui

A CT diz, em comunicado citado pelo jornal, que “esta decisão contraria tudo o que deveria ser a verdadeira estratégia para a manutenção” e que “todo o saber fazer, adquirido ao longo de sucessivas gerações, passa a ser detido por interesses privados”.

Em declarações ao “Público”, Fernando Semblano da CT da IP aponta: “Deveriam contratar mais trabalhadores para aprenderem com os antigos e assegurarem um bom serviço de manutenção. O outsourcing [subcontratação] vai enfraquecer a qualidade desse trabalho”.

O membro da CT acusa a administração da IP de gastar mais dinheiro a comprar serviços privados do que se usasse recursos próprios e critica a política governamental, salientando que “infelizmente é mais fácil as Finanças autorizarem contratos de outsourcing do que autorizarem a contratação de trabalhadores”. Na antiga Estradas de Portugal “também fizeram outsourcing por causa das PPP e hoje a capacidade técnica da IP na rodovia é quase nula. Na ferrovia, ninguém vem de fora para aqui a saber como se faz o caminho-de-ferro. Aprende-se cá dentro”, sublinha o representante dos trabalhadores.

Fernando Semblano alerta ainda para os riscos de passar a faltar fiscalização e “beliscar a própria segurança ferroviária”. “A mesma empresa fiscaliza em causa própria. Devia haver trabalhadores da IP, que percebem do assunto, a acompanhar em permanência os trabalhos dos privados pois só assim se tem garantias em termos de qualidade e de segurança”, frisa.

Segundo o jornal, o problema é “particularmente sensível” no caso do desaparecimento do centro da Régua, pois trata-se de uma linha, do Douro, com especificidades geotécnicas únicas por a via férrea ocupar um estreito corredor entre montanhas de rocha granítica e o rio.

Romper com o colete de forças que bloqueia o investimento público nos transportes”

Note-se que o Bloco de Esquerda apresentou em abril passado uma proposta de plano ferroviário nacional para as próximas décadas, para recuperar a ferrovia com o objetivo de promover a coesão do território, proteger o ambiente e aumentar a capacidade produtiva do país.

Na apresentação do projeto, Catarina Martins salientou que, ao longo de décadas, "houve um projeto claro para desmantelar a ferrovia" e apostar na rodovia "com as suas PPPs, portagens, e o preço incomportável dos combustíveis". A coordenadora bloquista defendeu então a necessidade de "repor o nível de investimento público que Portugal já teve no início do século, e que foi perdendo" e lembrou que a fusão das antigas Refer e Estradas de Portugal na IP, durante o governo de Passos Coelho/Paulo Portas, agravou as dificuldades da ferrovia.

Em intervenção na Assembleia da República a 31 de maio, no debate de urgência “Supressões nos transportes públicos urbanos e suburbanos”, agendado pelo Bloco de Esquerda, o deputado bloquista Heitor de Sousa criticou as falhas na ferrovia, nomeadamente a falta de pessoas, de comboios, de manutenção da infraestrutura.

“Como dizia o poeta, o défice zero está para o investimento público como “o rio que tudo arrasta se diz que é violento, mas ninguém diz violentas as margens que o oprimem” (Brecht). É urgente romper com o colete de forças que bloqueia o investimento público nos transportes”, concluiu Heitor de Sousa.

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