Mais de 130 mulheres afegãs estão reunidas na Cimeira de Todas as Mulheres Afegãs, na Albânia, no que descrevem como uma tentativa de encontrar uma voz unitária para desafiar o poder dos talibãs.
A reunião, que demorou dois anos a organizar, estará a contar sobretudo com mulheres que já estavam foram do país uma vez que, conta o Guardian, algumas das que tentaram viajar a partir do Afeganistão foram impedidas de viajar, retiradas de voos ou paradas nas fronteiras.
Fawzia Koofi, da organização Mulheres pelo Afeganistão, explica que “durante estes três dias, as mulheres do Afeganistão de todas as origens vêm unir os seus esforços para cenários que mudem o corrente status quo numa altura em que as mulheres no Afeganistão estão a ser completamente apagadas da esfera pública”.
A organização espera chegar a uma lista consensualizada de exigências apresentadas pelas mulheres afegãs às instâncias internacionais sobre como lidarem com os ataques de que estão a ser alvo.
Lei do silenciamento foi contestada nas redes sociais
O movimento talibã, que domina o governo afegão, anunciou a 21 de agosto mais um documento que atenta contra os direitos das mulheres. Chamou-lhe a “lei sobre a promoção da virtude e a prevenção do vício”. De acordo com o artigo 13 desta legislação de 114 páginas, as vozes femininas podem conduzir ao vício pelo que as mulheres deixam de poder usar as suas vozes em público, não podendo cantar, recitar poesia ou ler em público. Têm ainda de cobrir por completo os seus corpos e cara, não podendo usar roupa fina, apertada ou curta. Também não podem interagir com não-muçulmanos, usar os transportes públicos sozinhas ou sequer olhar para homens que não sejam o seu marido ou familiares.
À BBC, Hamdullah Fitrat justificou as medidas com a “sharia” islâmica e a aprovação do “líder supremo” Hibatullah Akhundzada. Há três anos que as raparigas estão proibidas de ir à escola mas o responsável governamental, que recusou sentar-se em frente à jornalista Yogita Limaye ou a ser filmado ao pé dela, prometeu que o seu governo estava a “tentar resolver” o assunto e que “uma solução irá ser encontrada”, estando-se à espera de “uma decisão da nossa liderança”.
Noutra peça da mesma jornalista, a cadeia televisiva falou com jovens afegãs que, sob anonimato, explicam que “se sairmos temos medo, se apanhamos um autocarro ou tiramos a máscara temos medo, se falarmos mais alto temos medo”. Também obteve o testemunho de uma mulher que foi presa durante os protesto organizados por grupos de mulheres e que foram duramente reprimidos e que contou com foi insultada, espancada pelos talibãs, tendo as manifestantes sido “tratadas como animais” o que lhes deixou marcas que perduram.
O gabinete de direitos humanos da ONU considera a situação “intolerável”, diz que “apaga completamente” a presença das mulheres em público e apela à sua imediata revogação. Ravina Shamdasani, porta-voz da OHCHR, afirma que a lei “silencia as vozes das mulheres e priva-as da sua autonomia”, sendo uma “clara violação das obrigações do Afeganistão perante o direito internacional”.
O Afghanistan International noticia uma pequena manifestação de um grupo de mulheres na zona oeste de Cabul esta quarta-feira para protestar contra a lei, afirmando-se que se tratava de membros do Movimento do Afeganistão para Mudar a História das Mulheres e que na manifestação foi utilizada a palavras de ordem popularizada pelas mulheres iranianas, “mulher, vida, liberdade”, e os talibãs foram associados ao terrorismo. A ação foi filmada para as redes sociais e terá durado apenas 30 minutos por razões de segurança.
Mas se as manifestações no país permanecem pequenas, o movimento das mulheres afegãs ganha voz de outra. A NPR dá conta de vários vídeos que começaram a circular na Internet de mulheres afegãs a cantar como forma de resistência. Neste vídeo, três cantam que “a flor vai desabrochar, revelando uma corrente de liberdade”. Uma delas é Fatima Etimadi, de 34 anos, que diz à rádio pública norte-americana que os talibãs “estão a fazer as mulheres morrerem em vida” e que o canto é uma catarse da “dor e sofrimento de décadas”.
#صدای_زن_عورت_نیست#recognizegenderaparthaied pic.twitter.com/85bGGVtuaT
— Afghanistan Women's solidarity movement (@AfghanistanWom3) August 28, 2024
O tom de outras é mais triste com a que canta de véu que “selaram os meus lábios com silêncio, prenderam-me pelo crime de ser mulher, que vai criar agora os meus filhos?” Mas há quem acredite que “as ondas das vozes das raparigas vão destruir esta prisão” como cantam duas mulheres em burcas.
Muitos dos vídeos acabam com a frase “a voz não é imodesta”.
Afghan Women Singing in English for Freedom and Gender Apartheid 🇦🇫
The slogan "My voice is not private" of Afghan women after the Taliban enacted a new law for women and banned women's voices in the media.#Poems_For_Freedom #GenderApartheid #UN pic.twitter.com/rWxsPflX4v— Jahanzeb Wesa (@JahanzebWesa) August 30, 2024
Para além destes salientados por aquele órgão de comunicação social, muitos outros se podem encontrar como o de uma mulher que se filma a declarar: “canto a partir das ruas de Cabul, as mesmas ruas onde antes protestámos pelos nossos direitos e fomos brutalmente reprimidas, levando à perda de todas as nossas liberdades”. Continua depois afirmando: “sou uma mulher, sou o mundo que canta sobre liberdade e amor. Mantenho-me firme e não tenho medo da vossa crueldade.”
من از خیابان های کابل می خوانم .#صدای_زن_عورت_نیست #نه_به_طالب_نه_به_تروریست pic.twitter.com/sV074nnOGG
— azita nazimi (@NazimiAzita) August 29, 2024