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Petróleo: um governo sem máscara

O governo está inclusivamente à procura de mais investimento com outras concessões para exploração de petróleo e gás.

Quinze minutos a ouvir a ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, a falar1 na conferência da Eurasian Energies Futures Initiatives do Conselho Atlântico em Washington em setembro do ano passado são uma experiência esclarecedora. A ministra mentiu aos potenciais investidores americanos, colocou António Costa como um mentiroso descarado, menosprezou autarcas e movimentos populares do país inteiro, provou ao país que de facto já estava decidido em 2016 que haveria um furo em Aljezur em 2017, independentemente de quaisquer consultas públicas, e também mentiu a si mesma.

Pode ver aqui, se tiver paciência, a partir dos 46 minutos e 53 segs. A transcrição é a seguinte: "É sempre difícil lidar com as organizações populares e as autarquias, a nossa organização política tem um nível nacional e as autarquias. As autarquias não gostam deste tipo de investimento [produção de petróleo e gás], pois acham que a alternativa é o turismo. Eles pensam que este tipo de exploração e produção pode entrar em conflito com as outras atividades económicas, que em Portugal é especialmente o turismo. Por isso estamos a tentar trabalhar na literacia oceânica, até nestas áreas, para explicar os impactos reais deste tipo de actividades, por um lado. Pelo outro lado, melhorámos o nosso enquadramento legal para ser mais exigente, porque temos legislação europeia, mas temos legislação mais exigente em Portugal. Por isso, queremos fazer este tipo de atividades, mas queremos fazê-las em segurança." Neste primeiro trecho, a ministra do Mar menospreza autarquias e movimento, iletrados em matéria de "oceanidade" e nos impactos reais da exploração petrolífera, e mente aos potenciais investidores, dizendo que Portugal tem legislação mais exigente do que a União Europeia, quando se prepara um furo de petróleo a 2 km de profundidade em qualquer altura do ano e a 50 km da costa de Aljezur, que não teve sequer uma avaliação de impacto ambiental.

O discurso segue: "E queremos que as populações saibam que o vamos fazer em segurança. Acho que é muito importante estar do lado certo do mundo, no que diz respeito à proteção e conservação dos recursos e dos oceanos. Não temos crescimento e atividade económica independentemente do preço. Queremos ter crescimento e investimento, e atividade económica, mas em caso de dúvida preferimos o planeta e o oceano.". Aqui, começamos a mistificação de que há alguma espécie de esclarecimento por parte do governo em relação à exploração de combustíveis fósseis: as duas ou três mal-amanhadas sessões dinamizadas pela Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis pautaram-se pela omissão de todos os impactos ambientais e pelas promessas vãs de independência energética, desmentidas pelos contratos de concessão. Acresce que a ENI e a GALP foram até isentas de apresentação de cauções e de seguro de responsabilidade civil no furo de Aljezur. A ministra acaba mentindo a si mesma, ao dizer que em caso de dúvida prefere o planeta. Em vez de dúvidas, há certezas em relação à exploração de petróleo: vai danificar os locais onde for feita a prospeção, quanto mais a exploração.

Culmina: "Por isso é que é tão importante para nós ter um quadro legal tão exigente. É a única maneira da população confiar em nós, de acreditar que estamos a fazer o nosso trabalho. Que estamos a utilizar o enorme potencial que temos no nosso mar, mas que estamos a fazê-lo da maneira correta. Não é lirismo da minha parte, eu acredito mesmo que temos de fazer isto assim. É por isso que não temos em Portugal movimentos como temos em outros países da Europa contra este tipo de exploração, porque estamos a fazer as coisas silenciosamente. É lento? Ok, é mais lento do que aquilo que gostaríamos, mas é melhor assim porque temos de explicar o que estamos a fazer, o que estamos a fazer para proteger, o que estamos a fazer para preservar o planeta e para preservar o oceano.". Aqui atingimos o apogeu: a ministra reincide na mentira do quadro legal exigente, e desmente António Costa, que várias vezes veio dizer que o que interessava era conhecer os recursos do país e não explorar, e que Portugal seria carbono neutro em 2050. Termina explicando a estratégia do governo: fazer tudo pela calada, o mais silencioso possível, tentar assim evitar que o movimento anti-petróleo responda.

Antes de todo este discurso a Ministra tinha aberto o jogo ao dizer que "O investimento dos EUA em exploração e produção de hidrocarbonetos em Deep offshore em Portugal era bem-vindo" e anunciando que "O primeiro poço de prospeção vai ser realizado no próximo ano, a 2 quilómetros de profundidade, a 50 km da costa do Alentejo.". A farsa já exposta do processo de consulta pública que nunca o foi está clara, tendo a ministra anunciado a perfuração já fora do período estabelecido pelo contrato de concessão, quando o governo deveria ter cancelado o contrato da ENI-GALP.

Ficámos a saber muito através desta video da ministra, nomeadamente:

- Que o governo não tem qualquer pretensão de cancelar os contratos de exploração de petróleo em terra e no mar;

- Que o governo está inclusivamente à procura de mais investimento com outras concessões para exploração de petróleo e gás (confirmado por uma apresentação para a Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida em fevereiro deste ano, com o Ministério do Mar a mentir uma vez mais ao dizer que o governo "está interessado em conhecer os recursos do país");

- Que o primeiro-ministro mentiu em sucessivas ocasiões;

- Que o silêncio de todo este processo, desde 2007, é uma estratégia partilhada com governos anteriores, para fazer avançar a introdução da exploração e produção de petróleo e gás no país sem contestação social;

- Que as declarações de outro ministro, do Ambiente, de que a exploração de petróleo no mar "é normal" representam o sentimento deste governo.

As conclusões a tirar são relativamente simples: o movimento contra a exploração de petróleo e gás em Portugal terá de subir a parada e tomar por má qualquer promessa deste governo em relação a este assunto. A máscara caiu: será contra a vontade do PS que se travará o caminho para o precipício. Mas a pressão começa a dizer respeito a todos os que sustentam o governo.

Dia 11 de março, no Cinema São Jorge, em Lisboa, teremos a partir das 15h uma reunião pública de vários movimentos contra a exploração de petróleo e gás em Portugal. Somos muitos mas todos os que ainda não estão também lá fazem falta.

Artigo publicado em sabado.pt a 8 de março de 2017


Sobre o/a autor(a)

Investigador em Alterações Climáticas. Escreve com a grafia anterior ao acordo ortográfico de 1990
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