A prisão preventiva do ex-ministro da economia Manuel Pinho e de Alexandra Pinho, sua esposa, não acrescenta, só por si, nenhum dado novo ao que, há muito, sabemos sobre a atuação deste antigo responsável do último governo de maioria absoluta do Partido Socialista.
Mas ao recordar o país destas decisões governativas, esta detenção deve recordar-nos que aquelas decisões ainda hoje têm consequências que estão por corrigir.
Um caso exemplar
Este caso é exemplar a vários títulos. Trata-se de uma investigação que decorre há dez anos sobre factos praticados há quase quinze. Não há justiça sem meios, não há justiça sem prazos.
É o mais flagrante exemplo da rotação da porta giratória entre política e negócios. O PS de José Sócrates venceu as eleições com maioria absoluta e um homem do grupo Espírito Santo chegou a ministro da economia. Uma das suas suas primeiras decisões foi nomear como presidente da EDP um seu amigo pessoal, também alto quadro do Espírito Santo e ex-ministro do PSD, António Mexia.
Ao seu gabinete no governo, chega João Conceição, que tinha criado os CMEC nos gabinetes de Durão Barroso e Santana Lopes. Mas o salário de João Conceição, agora assessor do socialista Manuel Pinho, nunca chegou a ser pago pelo ministério: a EDP fez a fineza de se ocupar dos honorários do assessor.
O resto já se sabe. Ao longo daqueles anos de ministro, Pinho recebia uma mesada do BES e, no final, a EDP ainda patrocinou um curso na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, onde Manuel Pinho se tornou docente.
O capítulo rasgado pelo bloco central
Alguns destes dados foram apurados no âmbito do inquérito parlamentar que o Bloco de Esquerda propôs e do qual fui eleito relator. Os deputados foram unânimes a concluir que, entre o gabinete de Manuel Pinho - João Conceição e Rui Cartaxo - e responsáveis da empresa - Manso Neto e António Mexia -, “além do fluxo permanente de informação, o que ocorreu foi uma deslocação da condução do processo legislativo, do seu ritmo e do seu conteúdo, para a EDP”. Igualmente, sobre a recompensa académica dada a Manuel Pinho, os dados apurados na CPI “reforçam e nunca contrariam” os indícios que levaram à abertura da investigação judicial.
Entre os 15 capítulos do relatório, houve apenas um que os deputados do PS, com a ajuda do PSD, fizeram mesmo questão de chumbar. Foi o segundo, dedicado precisamente à extensão da concessão do domínio hídrico de 26 barragens, processo concebido e executado pelos governos Barroso, Santana e Sócrates. O que recomendava afinal o malfadado capítulo? Apenas a revisão do equilíbrio económico-financeiro das concessões das barragens da EDP, através da comparação dos valores cobrados por Manuel Pinho com os ganhos efetivamente gerados. No capítulo que o bloco central chumbou, apresentei os valores que o próprio governo Passos Coelho enviou à Comissão Europeia: a EDP pagou ao Estado quase 600 milhões a menos.
Decisões “à Pinho” em 2020
Ainda recentemente, estas contas mal feitas ficaram de novo à vista, quando a EDP quis vender à Engie o direito a utilizar bens do domínio público em 6 barragens do Douro.
Em janeiro de 2020, face às primeiras notícias sobre a futura venda, o Ministério do Ambiente declarou que iria considerar “o valor atribuído aos ativos [em 2007] e os que agora vão ser pagos pelo novo utilizador, devendo-se reavaliar o equilíbrio económico e financeiro da concessão”, atribuído às concessões em 2007 pelo ministro Manuel Pinho.
Meio ano depois, já com o processo de autorização adiantado, a diretora de recursos hídricos da Agência Portuguesa de Ambiente veio lembrar ao Governo a sua promessa: a avaliação de 2007 está sob investigação judicial. Sem reavaliação das concessões, “não estão reunidas as condições para autorizar a transmissão”.
Ora, o governo acabou mesmo por autorizar a venda sem a reavaliar as concessões. Quando o Bloco requereu ao Governo a documentação do processo na APA, o parecer da diretora de recursos hídricos foi escondido e só chegou ao Parlamento por portas travessas.
O governo autorizou a venda sem conhecer o real valor das concessões vendidas e abdicou do valor que o Estado, por direito, poderia arrecadar com a autorização da mudança de concessionário. Tudo para não colocar em causa as contas de Manuel Pinho, tal como os deputados socialistas já tinham feito quando, em 2019, se juntaram ao PSD para eliminar do relatório do inquérito parlamentar às rendas excessivas o capítulo sobre o negócio das barragens.
Recusar factos consumados
O escrutínio da atuação de Manuel Pinho tem que ter consequências políticas.
Na justiça e nos seus prazos; no combate à corrupção e ao crime económico e nos seus meios; na correção dos erros cometidos e das suas consequências para os consumidores de eletricidade.
Estamos na semana em que o preço do mercado ibérico de eletricidade atingiu os seus máximos históricos, pesando como ameaça a consumidores industriais e domésticos, esses que, um em cada cinco, enfrentam a estação fria em situação de pobreza energética.
Corrigir os erros é o que conta agora.
Declaração política de Jorge Costa na Comissão Permanente da Assembleia da República a 16 de dezembro de 2021