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Esquerda do PS chamada à escola

Quinze anos depois, os professores voltam a ser tratados como inimigos. De novo por uma maioria absoluta do PS, que agora apela à PGR contra a greve. No tempo de Maria de Lurdes Rodrigues, ouviu-se a voz de Manuel Alegre. E agora?

Assim que viu Pedro Nuno Santos fora do governo, o senso comum jornalístico deixou de tratá-lo como ativo tóxico (cuja continuidade como ministro era dada por improvável desde o anúncio falhado sobre o novo aeroporto). De imediato, alçou-o de novo ao cargo de futuro-líder do PS e chefe de uma oposição interna. Tão rápido trânsito deixa mal disfarçada a agenda política da maioria dos analistas. Em contrapartida, vale a pena olhar para o atual lugar de Pedro Nuno Santos na perspetiva de uma agenda outra, assumida, a da esquerda: parar o empobrecimento e as políticas de governo que o promovem.

É certo que "o governo não será o mesmo sem Pedro Nuno Santos", como frisou Alexandra Leitão. Será mais fechado no aparelho do partido (com as promiscuidades que o enxameiam) e no absolutismo de António Costa. É também certo que, ao demitir-se do secretariado nacional do PS, Pedro Nuno Santos ganha mais amplitude para eventuais manobras críticas da governação. O calendário de Costa ficou mais apertado, sem dúvida.

Mas o que nos traz a este artigo é o papel do ex-governante, agora livre dos constrangimentos impostos pelo Conselho de Ministros, como principal expoente da "esquerda do PS".

O governo apresentou na quarta-feira uma queixa na Procuradoria-Geral da República contra os sindicatos que convocam a atual greve de professores e funcionários. Não trato aqui de opções sindicais discutíveis e que certamente devem ser debatidas, sobretudo na ótica da conquista do apoio da comunidade escolar (incluindo alunos e suas famílias). Para o que aqui importa, considerando a razão que de facto assiste aos grevistas, esta queixa do governo à PGR exprime uma opção de António Costa: repetir agora, em 2023, o erro cometido por Sócrates em 2008 - o choque total com os professores.

Em 2008, Mariana Vieira da Silva, número dois do atual governo, era assessora política da ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues. Essa tutela fez desabar sobre as escolas uma avalanche de burocracia e autoritarismo que as tornou irrespiráveis até hoje. Com a precariedade, o congelamento das carreiras e a austeridade, veio a desvalorização salarial da profissão. Como pano de fundo, a insistência do centrão na mentira do "número excessivo de professores”. Em artigo recente, um antigo deputado do PS, Ascenso Simões, traça um rigoroso balanço dessa política errada.

Quando então se levantaram em uníssono, numa das maiores manifestações do Portugal democrático, os professores tiveram o apoio da oposição de esquerda, mas também da "esquerda do PS", incluindo de Manuel Alegre, que criticou abertamente a litigância do ministério contra os professores.

Talvez a "esquerda do PS" não veja hoje na educação o tema mais confortável para um início de conversa. Pedro Nuno Santos é próximo do atual ministro e tem uma vocal apoiante na deputada Alexandra Leitão, que era secretária de Estado da Educação no verão de 2019. Nessa altura, contra a vontade do governo, o parlamento preparava-se para reconhecer todo o tempo de serviço dos docentes para efeitos de colocação na carreira e o primeiro-ministro usou esse pretexto para tentar provocar uma crise política (o PSD retirou então o seu voto).

Portanto, talvez o assunto seja incómodo. Mas é agora que a "esquerda do PS" deve pronunciar-se. Tal como em 2008, os professores merecem ter ao seu lado uma aliança política ampla. Esta não inclui certamente a direita, que tenta apenas, de novo, capitalizar descontentamentos. Pelo seu lado, a "esquerda do PS" só dirá ‘presente’ se reconhecer que a política do choque total é a resposta errada às razões dos professores.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Jornalista.
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