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Corrida Espacial 2.0 - o reflexo do neoliberalismo mundial

Num momento em que a exploração espacial assume um papel cada vez mais relevante na política expansionista das potências mundiais, assistimos a uma preponderância das empresas privadas. Isto levanta uma grande questão: a nova corrida espacial é o reflexo do neoliberalismo mundial?

Vive-se, atualmente, uma corrida ao espaço entre as potências imperialistas, como alternativa ao fim dos recursos naturais do planeta Terra. A agência Roscosmos, sucessora russa da exploração espacial soviética, anunciou recentemente o lançamento de uma missão a Vénus, chegando a declarar o planeta como “russo”. Por seu lado, a Índia emerge como novo e importante ator nesta corrida. A CNSA, a agência chinesa de exploração espacial, continua a afirmar a China como a nova maior potência, com o envio de um rover para Marte, bem como revelou planos futuros para a Lua, incluindo uma base de investigação lunar. A União Europeia, os Estados Unidos e restantes países alinhados com o ocidente têm-se focado na lua, através do Programa Artemis, tendo em vista uma nova missão em 2024.

Esta corrida ao espaço é sinal de uma nova guerra por recursos, com diversas potências a afirmarem-se como dominantes no panorama internacional da exploração espacial. No entanto, têm surgido novos atores - as empresas privadas.

No final do mês de outubro deste ano, Elon Musk, o multimilionário dono da SpaceX e assumido apoiante do Golpe de Estado da direita boliviana que depôs Evo Morales, devido às grandes reservas de lítio deste país, afirmou que uma futura colónia da sua empresa em Marte não seguiria as leis internacionais do planeta Terra. Mas o que é que isto significa?

Para melhor compreensão, é necessário retroceder um pouco. Em abril deste ano foi anunciado pela NASA (National Aeronautics and Space Administration), a agência federal norte-americana responsável pela exploração espacial, que a Blue Origin, a SpaceX e a Dynetics, ganharam contratos para o transporte de astronautas numa nova missão lunar, prevista para 2024. Note-se que as duas primeiras empresas têm como donos dois multimilionários, Jeff Bezos e Elon Musk, respetivamente. O primeiro é o homem mais rico do mundo, dono da Amazon, empresa mundialmente conhecida por uma política de ataque aos direitos dos trabalhadores. O segundo, dono da SpaceX acima apresentado, chegou ao ponto de apelidar as medidas de saúde pública norte-americanas de “fascistas”, por impedir que os trabalhadores trabalhassem e aumentando a sua riqueza.

Além disso, os possíveis cenários pós-eleições norte-americanas não são bons e deixam tudo em aberto. Enquanto Donald Trump defende o fim do financiamento direto dos EUA à Estação Espacial Internacional (ISS), em 2025, transferindo para as mãos de privados a colocação de satélites em órbita, Joe Biden assume uma posição mais ponderada, propondo uma extensão do financiamento da ISS, o que poderá adiar o lançamento da missão lunar prevista. Um crescente aumento da influência das empresas privadas na exploração espacial é previsível.

Este contexto suscita diversas questões, mas há uma que sobressai - afinal, quais são os limites do neoliberalismo? A realização de contratos públicos, em que empresas como as de Bezos ou de Musk recebem financiamento (público) para o transporte espacial, abre portas para uma privatização do espaço. Numa era como a que vivemos, em que a mudança e a inovação tecnológica ocorrem de forma cada vez mais acelerada, o combate ao neoliberalismo predatório e ao imperialismo mundial tem que ser levado a cabo em todas as frentes. Os avanços tecnológicos conquistados têm que ser partilhados, sob pena do sistema capitalista ultrapassar mais uma fronteira, desta vez invadindo o espaço.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo. Mestrando em Geografia na Universidade do Minho. Deputado municipal do Bloco de Esquerda em Barcelos
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