Brasil: Horrores da ditadura militar revelados por torturador

Aos 76 anos e sem mostrar o menor arrependimento, o coronel reformado Paulo Malhães admitiu que torturou, assassinou e desfigurou cadáveres de militantes numa “Casa da Morte” clandestina criada pelos órgãos da repressão em Petrópolis, Rio de Janeiro.

29 de March 2014 - 19:53
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Malhães admitiu tortura, assassinato e desfiguração de cadáveres. Foto de Fotos Públicas

No dia 25 de março deste ano, o coronel reformado Paulo Malhães compareceu a uma audiência pública da Comissão Nacional da Verdade (CNV) e, num depoimento que durou mais de duas horas, confirmou que torturou, matou e ocultou cadáveres de presos políticos da ditadura militar.

A Casa da Morte de Petrópolis

Foi a primeira vez que um ex-agente da repressão confirmou a existência e o funcionamento da Casa da Morte de Petrópolis. Até o momento, sabia-se do sinistro centro de torturas pelo depoimento da sua única sobrevivente, Inês Etienne Romeu.

A casa era identificada pelos militares pelo nome de 'Codão' e foi montada após a ordem do então ministro do Exército Orlando Geisel ao Centro de Informações do Exterior (CIEx) de que todos os presos políticos banidos anteriormente do país deveriam ser executados se capturados novamente em território brasileiro. O primeiro preso a ter morrido na casa provavelmente foi Carlos Alberto Soares de Freitas, um dirigente da VAR-Palmares desaparecido em fevereiro de 1971. O número total de mortos nela é até hoje desconhecido, sabendo-se dos nomes de 22 militantes.

Parecido com Saddam Hussein

Desde que a CNV foi criada, em maio de 2012, apenas quatro agentes da ditadura tinham aceitado depor em audiência pública, e apenas dois haviam confirmado a prática, ou a existência, de tortura.

Malhães foi o quinto a depor e o primeiro a admitir a participação em tantos crimes.

"Como faço com tudo na vida, eu dei o melhor de mim naquela função", disse Malhães ao começar o depoimento. Chama a atenção a flagrante semelhança entre o torturador brasileiro e Saddam Hussein. Malhães admitiu ter torturado "uma quantidade razoável" de pessoas, ter matado “alguns” e confirmou ter mutilado corpos para impedir sua identificação caso fossem encontrados.

Dentes eram quebrados e o topo dos dedos, cortados

'Eu cumpri meu dever. Não me arrependo', disse. "Naquela época não existia DNA. Quais são as partes que podem identificar um corpo? Arcada dentária e digitais", afirmou, explicando que portanto os dentes eram quebrados e o topo dos dedos, cortados.

"Eu cumpri o meu dever. Não me arrependo", sublinhou.

Diante de fotografias de pessoas que, acredita-se, foram assassinados ou desapareceram depois de passar pela Casa da Morte, o torturador disse: "Essas pessoas que vocês estão citando eram guerrilheiros, eram luta armada, não eram pessoas normais. Não foram presos porque jogavam bolinha de gude ou soltavam pipa."

Argumentou que hoje as pessoas não conseguem entender quais eram os problemas enfrentados, e que a verdade precisa ser "informada".

"Quantos morreram? Tantos quanto foram necessários."

Foi um exibicionista

Terminado o depoimento, o advogado José Carlos Dias ressaltou a sua importância, principalmente por Malhães ter sido uma figura de alto escalão no regime militar.

"Acima dele, todos os degraus naturalmente tinham conhecimento da tortura. Era uma política de estado, usada para combater os que se opunham ao regime."

Segundo Dias, poucas vezes o Brasil teve uma confissão como esta, com um torturador não apenas admitindo mas também justificando a prática de torturar aqueles que considerava o inimigo.

"Mas eu não diria que ele foi corajoso. Acho até que ele foi um exibicionista, mostrando todo esse caráter mórbido que está presente no caráter dele."

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