No dia 13 de dezembro de 2013, completaram-se 45 anos de um dos capítulos mais sombrios da recente história do país: a edição do Ato Institucional número 5, o AI-5, que vigorou por uma década durante a ditadura militar.
Para analisar o instrumento que deu amplos poderes aos militares, o Brasil de Fato entrevistou o jornalista Cid Benjamin, autor do livro “Gracias a la vida: Memórias de um militante”. Cid lutou contra a ditadura e foi barbaramente torturado enquanto esteve preso em 1970.
Brasil de Fato – No livro, diz que o AI-5 tornou a repressão escancarada. Onde você estava e como era o contexto da época quando esse ato passou a vigorar?
Cid Benjamin – O AI-5 foi editado em dezembro de 1968. O endurecimento da ditadura era um processo que já se previa. Em um dado momento, foi votado na Câmara o pedido que a ditadura tinha feito para que houvesse licença para processar o deputado Márcio Moreira Alves. Ele tinha feito um discurso bobo, perto do 7 de setembro, conclamando as mocinhas a não dançarem com os cadetes, por conta da ditadura militar. Como a Câmara não deu licença para que o deputado fosse processado, isso foi tomado como pretexto para a edição do AI-5 que já vinha sendo preparado e aconteceria de qualquer forma. Eu estava na rua, semiclandestino, ainda não tinha começado a fazer ações armadas. Nossas primeiras ações foram em fevereiro do ano seguinte, mas já estava fazendo treinamento com armas quando houve a confirmação do AI-5. Não foi surpresa, era algo que já vinha se delineando, já era esperado esse fechamento maior da ditadura. Mas os termos não eram conhecidos.
O que mudou com o AI-5?
Diferentemente dos quatro atos anteriores, ele não tinha prazo para acabar. Os outros duravam 30, 60 dias etc. Eles permitiam uma série de medidas como a censura à imprensa, cassação de mandatos, demissão de funcionários públicos... Já o AI-5 ampliou o leque de arbitrariedades. Ele permitiu uma limpeza no Judiciário, que até então estava sendo poupado, e proibiu a concessão de habeas corpus para acusados de crimes políticos. Isso significava, na verdade, a luz verde para a tortura. Porque a pessoa era presa e ficava incomunicável na mão dos carcereiros pelo tempo que eles quisessem. Quando fui preso, por exemplo, em abril de 1970, a minha prisão só foi legalizada 20 dias depois. Eu poderia ter morrido e desaparecido nesse período inicial de torturas e não havia nenhum registo oficial. Esse contexto permaneceu até o último dia do governo Geisel, 31 de setembro de 1978.
O que o AI-5 revela sobre governos militares?
Ele instrumentalizou a ditadura para o ápice do autoritarismo. Ele deu todos os poderes. Nada poderia ser contestado. Como o Judiciário, a imprensa e o Congresso estavam cada vez mais castrados, o clima de medo se instituiu de forma muito grande. Qualquer denúncia de um vizinho, de um professor ou de um aluno poderia levar à prisão do denunciado com as consequências mais variadas. Garantias legais foram inteiramente suprimidas. Quando entrei pela primeira vez na principal sala de torturas do Doi-Codi no Rio, haviam dois cartazes rústicos, feitos à mão com os dizeres: “Aqui advogado só entra preso” e “Aqui é o lugar que filho chora e a mãe não vê”. As torturas que já aconteciam ganharam outro patamar. O AI-5 significou, entre outras coisas, o sinal verde para que a tortura se transformasse numa política de Estado.
Quarenta e cinco anos depois qual é a herança do AI-5 para a sociedade brasileira?
É a pior possível. Regimes autoritários tendem a embrutecer o país. Em todos os sentidos, não só no plano intelectual, como no plano das relações sociais e políticas. Estou convencido de que se não tivesse havido o AI-5 e, portanto, a tortura não tivesse sido uma política de Estado desenvolvida tão amplamente, casos como o pedreiro Amarildo não acontecessem tanto no país.
Acha que a tendência é que a Comissão da Verdade seja encerrada sem ter acesso aos arquivos da ditadura?
Acho um risco grave. Mas mesmo assim pode-se avançar muito. Embora o avanço substancial fosse com o acesso a esses arquivos. Falta disposição para criar um barulho com as Forças Armadas. Afinal, a presidência da República é a comandante das Forças Armadas. Não vejo a presidenta enfrentando os militares e exigindo esses arquivos dando um soco na mesa.
17/12/2013