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Vigilância: a prisão na nossa vida

A passagem da punição à vigilância levanta uma série de problemas. É problemática a evolução histórica da ideia de vigilância e da sua inscrição em muitos espaços da nossa vida, é problemática a generalização dos mecanismos e dos espaços de vigilância e controlo dos indivíduos, como também é profundamente problemática a forma como a institucionalização da vigilância em quase todos os espaços da nossa vida foi acompanhada por uma naturalização do discurso sobre ela e uma aceitação tácita de quem vigia e de quem é vigiado. Quando discutimos as câmaras de filmar que invadiram as Escolas Secundárias, as Universidades, os transportes públicos e muitas ruas das cidades, é muito mais frequente ouvirmos o argumento da necessidade de segurança do que a problematização sobre a criação de uma sociedade em que somos vigiados directamente a todo o momento. Por outro lado, Foucault já mostrou como a própria arquitectura institucional (por exemplo de hospitais, prisões ou escolas militares) expressa e estrutura a ideia da vigilância e do controlo sobre os comportamentos, e até os pensamentos dos indivíduos.
Contudo, o processo mais complexo parece estar na forma como a vigilância é um código simbólico em tantos espaços da nossa vida. Quando um indivíduo afirma que o seu vizinho que recebe o Rendimento Social de Inserção é um preguiçoso que não quer trabalho e vai ao café todos os dias, ou que os desempregados que ele não conhece não querem é trabalhar e acomodam-se, vemos como ao nível do discurso se materializa a ideia do indivíduo como vigilante que observa e toma posição sobre a vida do outro. Outro exemplo, bem mais complexo, é o da marcha pelo fim da violência sobre as mulheres que aconteceu no passado dia 25 de novembro em Lisboa. O slogan da marcha era “Nem mais uma, estamos vigilantes” com cartazes com um olho semelhante ao do Big Brother. Mesmo nos sectores mais emancipados, no movimento social, a ideia da vigilância assume protagonismo e novos significados. A ideia parece ser a de que é necessária uma co-responsabilidade social sobre a violência, porque se a violência doméstica é silenciada pelas paredes de uma casa e na família ninguém “mete a colher”, é necessário que seja exercida uma vigilância social e colectiva que torne o problema visível para o poder combater. Esta ideia da vigilância, e ao mesmo tempo de punição (que depois é expressa no manifesto) é mediatizada em relação aquilo que estrutura a construção dos papéis de género, logo que estrutura a desigualdade e o poder que produz e legitima a violência. A estes exemplos juntaríamos a possibilidade do controlo da nossa rotina diária através do uso de tecnologia entre muitos outros.
A generalização da vigilância através das câmaras nas escolas ou na rua, da arquitectura, do discurso, dos meios tecnológicos e até dos múltiplos significados sociais e políticos que ela assume, significa de facto uma entrada ainda que contraditória da prisão, das suas estratégias, formas de controlo e de poder nos nossos espaços de vivência e de actuação. Orwell não estava nada longe do problema, resta saber quem de facto controla as várias torres do(s) panóptico(s) do nosso Mundo. A essa discussão chegaremos, e não há-de tardar!…
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