Tariq Ali: Guerra é guerra, independentemente de quem a conduz

Intervenção de Tariq Ali na conferência organizada pelo movimento Stop the War, dez anos depois da grande manifestação antiguerra que procurou impedir a invasão ao Iraque.

22 de março 2013 - 14:55
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Tariq Ali: Todas as tentativas levadas a cabo pelos poderes imperiais e os seus estados vassalos na Europa para resolver o problema ocupando países, usando drones, pioram a situação em vez de a melhorar.

Duas coisas têm de ser ditas claramente, para começar.. A primeira é a pergunta posta frequentemente: “Que aconteceu às enormes multidões que saíram às ruas há dez anos?” E a resposta a isso é muito simples: a enorme maioria dos que há dez anos saíram às ruas para tentar impedir a guerra era gente que nunca se tinha manifestado. Foi a sua primeira manifestação, e a maioria deles acreditava realmente que se viessem às ruas em grande número, e em escala global seriam milhões, podiam impedir os políticos de ir para a guerra. E não se davam conta – temos de dizê-lo – que é preciso, hoje em dia, mais do que grandes manifestações para impedir os políticos de fazerem uma guerra com a qual se tinham comprometido e que planeavam há um ano e meio.

Nunca pensei que conseguiríamos impedi-los de ir para a guerra e disse-o na manifestação. Mas o facto de que tantas pessoas tenham participado foi, da parte deles, um sinal de que não acreditavam nas mentiras que os políticos estavam a dizer para justificar a guerra. Essa manifestação era para deter a guerra e para dizer aos políticos: “Sabemos que estão a mentir”. E claro que as pessoas que não foram ativas durante toda a vida achavam que se continuassem a manifestar-se durante uma semana e houvesse dois milhões de pessoas nas ruas em escala global, teríamos uma revolução. Não é assim que acontece. Mas o que é importante perceber é que a Coligação Stop the War, neste país em particular, continuou a atuar apesar das vicissitudes, apesar das mudanças de ânimo.

É importante manter ativa esta coligação. E muitos de nós, envolvidos nela, sabíamos o motivo pelo qual estas guerras não são acidentais e não vão parar necessariamente. Sejam grandes ou pequenas guerras. Que vão continuar.

E nisso, infelizmente, tivemos razão. Porque estas guerras são efetivamente guerras imperiais, apoiadas e desencadeadas pelo grande e único império global, os Estados Unidos. É preciso compreender esse facto. E abate-me que haja pessoas, especialmente nos Estados Unidos, que eram hostis à guerra quando Bush a travava, e que ficam impassíveis quando é Obama a travá-la. Porque realmente o que verificamos hoje nos Estados Unidos é a continuidade imperial. Guantánamo continua. Há mais ataques com drones no Paquistão, no Afeganistão, e no Iémene e na Somália sob Obama que sob Bush. O presidente dos EUA agora tem o poder – poder legal – de ordenar a execução de qualquer cidadão dos Estados Unidos, já para não falar de um cidadão de qualquer outro país do mundo. É esse o mundo em que vivemos.

E neste mundo a oposição não vem dos políticos mainstream do centro-esquerda ou do centro-direita. Infelizmente, Jeremy e um punhado de outros deputados são uma exceção, não são a norma. Em grande parte, os partidos de centro-esquerda e centro-direita por toda a Europa apoiaram guerras. Incluindo os Verdes alemães. Incluindo os Verdes franceses, não os ingleses. Apoiaram guerras. Por isso, nesta situação, é importante construir uma coligação de ativistas antiguerra que seja transversal a todos os partidos – não nos importa de onde vêm as pessoas desde que compreendam a necessidade de se opor a estas guerras.

Em segundo lugar, nesta Era tecnológica, onde o poder das imagens se torna extremamente importante, torna-se muito fácil – o que é uma tragédia e temos de tomar cuidado com isso – criar certas imagens e pô-las no ecrã para conseguir que as populações concordem com uma guerra. Falei com pessoas, incluindo alguns ativistas antiguerra, que disseram “Se eu soubesse que Saddam Hussein estava a cometer atrocidades às vésperas da guerra, talvez eu a tivesse apoiado”. Pessoas como estas deixaram-se levar na questão da Líbia e deram apoio à chamada “zona de exclusão aérea” em Benghazi. E caíram na armadilha de dar apoio a toda aquela expedição imperial. Foi um tiro que saiu pela culatra. Porque mesmo na própria Benghazi foi morto o embaixador americano, o embaixador italiano foi baleado e houve um atentado à vida do embaixador britânico. Assim, estas guerras, mesmo do ponto de vista dos objetivos imperiais não necessariamente funcionaram. Tiveram um resultado económico, os americanos puderam conseguir retirar do Iraque e estacionar nas periferias, mas o petróleo iraquiano é propriedade hoje das grandes companhias multinacionais. Na Líbia, todas as multinacionais estão lá para tomar conta do petróleo. Por isso, temos de ser cuidadosos antes de dizer que eles fracassaram. Não fracassaram económica e politicamente. E continuam. A França, desesperada por intervir na Síria, enviou tropas ao Mali e foi vitoriada por Obama pela intervenção devido aos seus próprios interesses. Um Mali desestabilizado pela guerra contra a Líbia, onde muitos africanos que Khadafi tinha empregado no Exército foram forçados e sair e foram criar destruição no Mali.

Assim, um desastre leva ao outro. E Hoje mesmo, enquanto nos reunimos aqui, uma parte do Exército combate a outra. São situações complexas, aquelas com que temos de lidar. E a questão é muito clara: não é que a maioria de nós apoiasse Khadafi, da mesma forma que não apoiámos o regime de Saddam Hussein ou de Assad. Nem é preciso dizer. Mas o que é preciso dizer e deveria ser dito, nesta cultura política em que nos inserimos, é que todas as tentativas levadas a cabo pelos poderes imperiais e os seus estados vassalos na Europa para tentar resolver o problema ocupando países, usando drones, pioram a situação em vez de a melhorar.

Assim, para concluir, eu diria que o modelo que criámos – eu sou muito crítico deste país e da sua política, mas estou muito orgulhoso deste movimento. Porque um movimento como este, conseguimos que se mantivesse em funcionamento, em grande parte devido à dedicação de nem tantas pessoas – são poucos os que o mantêm em funcionamento, quando ele colapsou país após país. E acho que uma das nossas tarefas tem de ser especialmente para as pessoas daqui, tentar reconstruir, recriar um movimento antiguerra globalmente. E lutar politicamente para convencer os que ficaram passivos, ou não querem confrontar-se com Obama, que guerra é guerra, independentemente de quem a conduz.

Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net

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