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Bagdade Hoje

Bagdade. Chuvas torrenciais causaram inundações por toda a cidade de Bagdade na passada semana. Não era uma visão agradável: com o sistema de esgotos da cidade bastante envelhecido, a drenagem das águas tornou-se impossível, e as ruas encheram-se de água lamacenta e mal cheirosa parecendo estar fortemente poluída com detritos de esgoto. Na parte mais acima do rio, o Tigre subiu cerca de 4,5 metros em 5 horas, o nível mais elevado atingido pelas águas nos últimos 50 anos, e dezenas de aldeias ficaram inundadas.
Pelos padrões de Bagdade não podemos considerá-lo um grande desastre, dadas as recentes experiências da capital Iraquiana de atentados bombistas, assassinatos, ocupação e grandes massacres por sectarismo. Resolvi dar uma volta pela cidade para ver o quanto as pessoas tinham sido afectadas pelas inundações, o que fazia o governo para as ajudar e, de uma maneira mais generalizada, qual era o aspecto da cidade dez anos após a invasão liderada pelos Estados Unidos.
Conduzir nestas condições é quase impossível, pois as inundações tornam ainda pior os terríveis engarrafamentos já normais na cidade. As pessoas estavam de mau humor e, sem excepção, culpavam a incompetência e corrupção do governo por falhar na limpeza e reparação dos esgotos de cimento velhos, a maioria deles já da década de 1960. Alguns camiões cisterna que tentavam sugar a água de autênticas piscinas gigantes não tinham grande impacto.
Bagdade tem uma população de 7.6 milhões, ou seja um quarto de toda a população do Iraque. É uma cidade perigosa mas fascinante onde cada bairro tem uma diferente aparência sectária ou política. Embora os assassinatos políticos sejam frequentes pelos padrões de qualquer país – 178 pessoas foram mortas em Janeiro - existe muito menos violência do que no passado recente. Na pior das alturas, em 2006 e 2007, todos os meses morriam cerca de 3.000 Sunitas e Xiitas Iraquianos, principalmente em Bagdade. Nessa altura, eram constantes as explosões e tiros, mas na passada semana não ouvi um único tiro ou explosão de bomba.
O desenvolvimento mais positivo é o melhoramento da segurança, mas na maioria dos outros aspectos, Bagdade não mudou. Ainda tem o aspecto sujo, maltratado e pobre, a população cansada e a rebentar. Apesar do enorme rendimento de petróleo no Iraque – 100 mil milhões de dólares no ano passado – há mendigos em cada esquina. Um amigo disse-me: “Produzimos para cima de três milhões de barris de petróleo por dia, mas onde está o dinheiro?” Esta é uma frase que os Iraquianos repetem constantemente tentando entender porque têm de viver com apenas seis horas de electricidade por dia e porque é que metade da população está desempregada ou com trabalho precário.
Ao conduzir pelo centro leste de Bagdade em direcção ao bastião da classe trabalhadora Xiita de Sadr City, na semana passada, era evidente que as cheias eram piores nos distritos mais pobres. Além disso, a água era tão imunda e misturada com restos de lixo à superfície que era impossível dizer se tinha apenas alguns centímetros de profundidade ou se estávamos a ponto de mergulhar numa piscina profunda. O trânsito estava no seu máximo porque tinha havido severas cheias no dia 25 de Dezembro e, sabendo o que então tinha acontecido, as pessoas corriam para casa para tentar proteger o mais possível as suas casas.
Conduzimos até Nova Bagdade, onde antes a população era mista, mas de onde os Sunitas fugiram em 2006. Agora é um distrito Xiita com uma minoria de Cristãos. Os distritos dominados pelos Xiitas são de fácil identificação por causa das bandeiras verdes e fotos do Iman Hussein ou da família de al-Sadr. A classe trabalhadora Xiita pode estar um pouco melhor agora do que no tempo de Saddam Hussein uma vez que têm mais acesso aos postos de trabalho, mas a melhoria é relativa. Apesar da chuva ainda havia mendigos e vendedores ambulantes por toda a parte tentando vender grandes patos insufláveis brancos com asas azuis e bico laranja que pareciam ter sido concebidos para a piscina de alguém.
Muitos Cristãos Iraquianos têm fugido da perseguição e crime, mas em Nova Bagdade permaneceu uma razoável comunidade cristã de caldeus. A cúpula da sua igreja ergue-se acima das casas. Os Sunitas podem ter sido expulsos, mas existem sinais físicos da sua presença no passado. Uma antiga sede de segurança do tempo de Saddam Hussein foi transformada em prisão, com as bandeiras Xiitas e fotos do Imam Hussein e o seu irmão guerreiro Abbas por cima da portaria. Alguns metros à frente, rodeada por um lago de água, fica uma antiga mesquita Sunita tomada pelos Xiitas agora chamada a mesquita do Iman al Hussein.
Há sinais evidentes de que as forças de segurança do governo partilham o poder com as tribos e milícias. O exército Mahdi de Muqtada al-Sadr pode ter sido dissolvido, mas as milícias são apenas jovens com armas facilmente conseguidas em Bagdade. Na orla da cidade de Sadr, conduzimos com algum nervosismo por uma área dominada pelo Asa’ib Ahl al-Haq (Liga da Justiça) de Qais al-Ghazali, que lidera este violento grupo dissidente do movimento Sadrista principal. Foi este grupo que raptou o perito em computadores Britânico Peter Moore em 2008 e matou quatro dos seus guarda-costas.
Um pouco mais à frente esperamos muito tempo na entrada de Sadr City fortemente vigiada, quase uma cidade gémea do resto de Bagdade e que alberga 3 milhões de pessoas. Mas como as inundações estivessem a piorar e o trânsito estivesse impossível, regressamos ao centro de Bagdade. Um dia depois visitei o mercado de pássaros na área Shurja do centro de Bagdade, um lugar que eu costumava visitar às sextas-feiras em 1990 por estar cheio de entusiastas por rolas, pombos, falcões e águias. O seu amor obstinado por aves era um antídoto à perspectiva deprimente de Bagdade sob sanções.
Depois de 2003, o mercado foi alvo de vários atentados bombistas da al-Qaida, mas continuou aberto, apesar das mortes horríveis. “Nem mesmo 100 bombas nos vão fechar” , disse-me um dos lojistas na semana passada. Lamentou-se das pessoas das aldeias que vinham para o mercado com aves que eles próprios criavam e que vendiam abaixo do valor de cotação. É uma queixa generalizada dos naturais de Bagdade estabelecidos há muitos anos de que estão a ser inundados com pessoas do resto do Iraque, dirigentes políticos Xiitas do sul e antigos agricultores empobrecidos pelo colapso da agricultura Iraquiana.
O dono da loja de pássaros disse que além das aves também vendia animais e perguntou-me se eu estava interessado em comprar um filhote de tigre ou de leão. Mostrou-me as fotografias das crias a brincar na sua quinta nos arredores de Bagdade. Perguntei-lhe quem tinha dinheiro para os comprar e ele respondeu: “A maioria são sheiks tribais. Agora é moda ter filhotes como estes.” Algumas pessoas no Iraque têm muito dinheiro mas mantêm silêncio sobre o assunto.
Não se vê a nova elite rica a passear pelas ruas ou mesmo nos restaurantes. Podemos, no entanto vê-los passar com grande alarido em escoltas fortemente armadas, tal como muitos duques medievais e seus acompanhantes passavam com desprezo ao lado do campesinato.
Atravessamos o Tigre a caminho de Mansur quando fomos mandados parar ao lado na estrada, por uns soldados, juntamente com outros motoristas. Uma procissão de carros blindados e veículos civis com vidros fumados passaram com grande alarido. “É por isso que eu quero sair deste país,” disse o meu amigo que estava a conduzir. “Não sei quem era, mas é provavelmente um dos nossos novos governantes que não querem saber dos cidadãos iraquianos.”
PATRICK COCKBURN é o autor de “Muqtada: Muqtada Al-Sadr, o Renascer Xiita, e a Luta pelo Iraque. Artigo publicado em Counterpunch.
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