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“Se for mesmo para melhorar a vida das pessoas, terá o meu apoio”

O esquerda.net foi ouvir as expectativas de algumas pessoas sobre o acordo entre PS, Bloco, PCP e Verdes com vista a pôr fim às políticas de austeridade levadas a cabo pelo executivo liderado por Passos Coelho e Paulo Portas. As respostas foram diversas e vale a pena lê-las. Por Pedro Ferreira
Foto de Paulete Matos

Uma esperança (ainda) contida

“Na noite das eleições confesso que fiquei dececionado quando soube que a coligação PSD/CDS tinha ganho as eleições. Afinal, tanta contestação para quê? Por vezes, confesso que não entendo os portugueses. Espero que este acordo seja sólido para que tenhamos um governo que cumpra a legislatura e acabe com tanto sofrimento e desespero. Sei que vai ser difícil, mas se houver vontade havemos de chegar lá. Eu não fui dos mais afetados mas conheço pessoas que perderam muito, quase tudo. Contrariamente ao que alguns dizem, o António Costa foi um tipo inteligente; nada o obriga a dar apoio a este governo. Falou-se tanto de estabilidade e agora, para muitos, esta já não conta. Por uma vez, espero que o Presidente da República esteja à altura do cargo que ocupa e dê posse a este governo. Tenho por isso, uma esperança (ainda) contida.” (Nuno Quadros, 45 anos, engenheiro)

Só não queria que me tirassem o meu sustento

“É tudo muito estranho. As eleições foram há mais de um mês e ainda não há governo. Não sei se valerá a pena tentar consertar aquilo que já está tão estragado. O meu filho que vive no Canadá está sempre a dizer-me para eu ir para lá, porque Portugal está nas mãos de um bando de doidos. Só gostava que aqueles que mandam tomassem medidas para melhorar a vida das pessoas. Tenho a idade que tenho e nunca vi tanta miséria como hoje. E depois na televisão dizem que está tudo bem. Não percebo. Aquela menina lá do… como é que se chama? Do Bloco? Sim, da esquerda, do Bloco é que devia tomar conta disto. Gosto de a ouvir. Defende os pobres, os reformados, como eu. Mas ainda é muito novinha, não é? Olhe, vamos ver. De pobre já não passo. Só não queria que me tirassem o meu sustento. Trabalhei muito para criar os meus filhos e antes de fechar os olhos não gostaria de andar por aí ao deus dará.” (Maria Conceição, 73 anos, reformada)

Se for mesmo para melhorar a vida das pessoas, terá o meu apoio

“Não me peça o impossível, ou seja, acreditar nos políticos. Eu já nem voto, veja lá. A minha mulher está sempre a dizer-me que eu devia votar porque assim são os outros que escolhem por mim. Mas escolher o quê? Aquilo são empregos, e bons empregos mas são para eles. Eu estou desempregado há três anos, a minha filha vai arranjando uns trabalhos de vez em quando e até tem um curso de informática. Como é que isto se resolve, diga-me lá? O outro (Passos Coelho) também disse que com ele os sacrifícios acabavam e depois foi o que se viu. Quem é que me garante que agora não vai ser da mesma maneira? Uns roubam e os outros, se for preciso, morrem à fome. Desculpe lá não lhe dizer o que se calhar queria ouvir mas a mim já nenhum deles me convence. No entanto, e se desta vez for mesmo para melhorar a vida das pessoas, terão todo o meu apoio.” (Rui Pereira, 50 anos, desempregado)

Nenhum país progride a partir da pobreza e das desigualdades

“Há muitas diferenças entre estes partidos mas não considero que sejam inultrapassáveis se os interesses do país estiverem em primeiro lugar. A coligação PSD/CDS ganhou mas sem maioria e uma vez que não conseguiu fazer um acordo com as outras forças partidárias não tem condições para continuar a governar e por isso tem de ir para a oposição. Não há assim razões para tanta histeria e dramatismo. Falam de “golpada” e “oportunismo” o que é um disparate. Nos outros países, situações destas também acontecem e ninguém entra neste desvario. Se calhar é porque há muitos interesses escondidos por detrás disto e estão com medo de perder margem de manobra. Os últimos anos foram horríveis e está tudo pior. Nenhum país consegue progredir a partir da pobreza, do desemprego e das desigualdades. São poucos os jovens que pensam ficar em Portugal e os outros vão-se arrastando para ver se conseguem sobreviver. Isto é futuro? Não tenho medo do Bloco e dos comunistas. São pessoas como as outras com as suas ideias e os seus valores. Tenho esperança nesta solução alternativa de governo. Espero que o acordo seja forte para não ceder ao clima de medo que alguns já andam a espalhar por aí.” (Sónia Andrade, 37 anos, designer)

O PS devia ir para a oposição

“Voto no PS desde as primeiras eleições e julgo que aquilo que o António Costa está a fazer é um suicídio não só para o partido como também para o país. Não é possível qualquer entendimento com partidos com a natureza ideológica do Bloco de Esquerda e dos comunistas. A democracia portuguesa foi construída a partir da luta que o PS e outros, mas sobretudo os socialistas liderados por Mário Soares, travaram contra os comunistas que queiram fazer de Portugal um país satélite da antiga União Soviética. Já imaginou onde é que nós estaríamos se eles (os comunistas) tivessem ganho em 1975? Eu sei que o mundo mudou muito depois disso, mas o PCP não mudou nada. Vive num mundo que já não existe e isso pode ser muito perigoso para o futuro do nosso país. Na minha opinião, o PS devia ir para a oposição e trabalhar de forma construtiva com o PSD e o CDS preparando-se, desta forma, para futuras eleições. O secretário-geral do PS não pode querer ser primeiro-ministro a qualquer preço. Atitudes desta natureza degradam a vida política e é por isso que a abstenção aumenta a um ritmo preocupante. A Europa está de olhos postos em nós. E a imagem que lhes estamos a transmitir é pouco edificante. Vivemos em liberdade há mais de 40 anos e parece-me que aprendemos pouco com isso.” (António de Sousa, 63 anos, jurista)

Um passo para recuperar a dignidade

“É necessário encontrar outras soluções e por isso este acordo tem o meu total apoio. A democracia portuguesa tem muitas debilidades que é necessário corrigir. Depois de tantos anos é inconcebível que não tenhamos ainda conseguido eliminar os níveis de pobreza que deviam envergonhar todos quantos passaram pelo poder. Andar a discutir aumentos de 10 ou 15 euros relativamente a salários de 500 ou 600 euros é, na minha opinião, vergonhoso. Sei que o acordo é tímido mas ainda assim é preferível dar passos pequenos do que continuar a ter um governo que só sabe conjugar o verbo cortar em tudo o que diz respeito a serviços essenciais, isto é, na saúde, na educação e nos apoios sociais. Foi isto que Passos Coelho fez e os resultados estão à vista. No Verão passado estive de férias na Holanda e amigos meus mais atentos a estas situações perguntaram-me várias vezes como é que os portugueses conseguem viver com rendimentos tão baixos sem se revoltarem. Fico sempre sem resposta para perguntas deste teor, porque apesar de viver cá tenho igualmente dificuldade em encontrar uma explicação para tanta apatia.

Tive muita esperança quando o Syriza ganhou as eleições na Grécia e por isso estive em quase todas as iniciativas de solidariedade que se realizaram em Lisboa. No fim, recebi um balde de água gelada. Estes tipos falam muito de mercados, de défices, dívidas e ignoram por completo as pessoas. Por isso, é preciso mudar isto tudo. Olho para este acordo como um pequeno passo que gradualmente possa repor aquilo que nos foi roubado. Porque só desta forma conseguiremos recuperar a nossa dignidade. Espero não me voltar a desiludir.” (Bruno Ferreira, 33 anos, funcionário público)

Maioria não suporta mais austeridade

“Gostava que me dissessem onde é que está escrito que os partidos à esquerda do PS estão impedidos de estabelecer acordos com vista à formação de um governo maioritário como aconteceu agora.

A coligação de direita revela a mesma arrogância e falta de sentido democrático que demonstrou enquanto foi governo. Cavaco Silva, independentemente da decisão que vier a tomar, ficará na História como alguém que nunca se conseguiu libertar das suas ligações partidárias adulterando, desta forma, as funções que competem ao Presidente da República.

Alguns comentadores e também jornalistas têm vindo a demonstrar uma parcialidade incompatível com o exercício de uma profissão que num regime democrático não se deve desviar da verdade. E assim embarcaram no jogo da direita e foram ao baú das recordações para agitar os fantasmas de um passado que não é mais do que isso: passado.

A especulação, a mentira e até o insulto são as armas de que se servem para descreditar um acordo que se propõe ser uma alternativa às políticas falhadas do executivo de Coelho e Portas. Pergunto-me: Têm medo de quê?

Apesar de terem dado a vitória à coligação, estou convencido que a maioria dos portugueses não suporta mais austeridade que atingiu sempre os mesmos. Um círculo fechado e por isso sem fim à vista. Este acordo poderá não ser o ideal mas nas circunstâncias em que vivemos representa uma esperança. Para todos nós e sobretudo para aqueles que foram empurrados para o limbo do desemprego e da miséria ficando, desta forma, à mercê de políticas de caridade tão do agrado do governo e de certas organizações que transformaram a pobreza num negócio.” (Luís Duarte, 39 anos, empresário)

Se os partidos fossem iguais, a democracia não era necessária

“Termino o meu curso este ano e tal como a maioria dos meus colegas estou a pensar deixar Portugal porque aqui as oportunidades de trabalho são muito escassas.

No entanto, este acordo abre algumas expetativas porque pretende por fim à austeridade e assim recuperar o emprego. Se tal acontecer, prefiro ficar em Portugal e sei que muitos amigos meus que já se foram embora acabarão também por regressar.

Sou jovem e por isso não conheço muito bem as lutas que estes partidos tiveram entre si. Sei que são diferentes e continuarão a sê-lo. O que para mim é positivo porque se fossem todos iguais as pessoas não tinham escolha. O que em democracia não faz sentido.

Ouvi o discurso de Cavaco Silva e considero que foi muito negativo. Um Presidente não deve colar-se a nenhum partido. Deve antes distanciar-se dos mesmos porque representa o conjunto do país. Mas ele é do PSD e nunca foi neutro nas suas decisões.

Pertenço a uma geração que foi despolitizada. Eu, embora não tenha filiação partidária, estou atento à realidade e por isso tenho uma leitura muito negativa do governo do PSD e do CDS. Castigaram muito as pessoas, acusaram-nas de serem responsáveis pelos problemas financeiros do país. Na faculdade, tive colegas que tiveram que interromper ou abandonar os estudos porque não tinham meios para continuar o curso. O meu pai teve um ano desempregado mas, apesar das dificuldades que sentimos, conseguimos aguentar.

A ideologia subjacente a estas políticas tem impactos económicos e sociais muito negativos uma vez que privilegia o individualismo em detrimento da solidariedade. E no fim, “ganham” aqueles que têm mais capacidade económica e os restantes são excluídos. A cultura de vida que hoje se tenta inculcar nos jovens passa por hipervalorizar o egoísmo, como se este fosse uma virtude, um caminho inevitável para a nossa realização pessoal e profissional. Talvez por isso, tenham maltratado os mais velhos porque já não são produtivos. A minha avó que trabalhou muito e durante muitos anos foi um dia lá a casa e chorou muito porque lhe tinham cortado a reforma. Injusto, não acha?

Se estar contra este tipo de sociedade é ser de esquerda, então pode escrever que é desse lado que eu estou. E venha lá esse acordo para que eu e muitos outros não tenhamos que fazer as malas e ir para o estrangeiro à procura de uma vida decente.” (Daniel Ramos, 24 anos, finalista do curso de Ciências da Comunicação)

(...)

Neste dossier:

O acordo para parar o empobrecimento

Neste dossier, divulgamos o documento político acordado entre o PS e o Bloco de Esquerda e as medidas acordadas entre PS, Bloco, PCP e PEV para parar o empobrecimento, aumentar salários e pensões e defender os serviços públicos e o Estado Social.

Acordo para virar a página ao ciclo do empobrecimento

O acordo estabelecido entre o PS e o Bloco põe fim a um ciclo de degradação económica e social, garante “uma base institucional bastante para que o PS possa formar governo” e permite a adoção de “medidas que respondam a aspirações e direitos do povo português”.

As medidas acordadas entre PS, Bloco, PCP e PEV

Divulgamos aqui a lista de medidas acordadas entre os quatro partidos, para parar o austeritarismo, defender o Estado Social e abrir o caminho a uma estratégia para o crescimento económico.

Acordo à esquerda: o que disseram os partidos

O diálogo à esquerda teve vários momentos. Da noite eleitoral, passando pelas reuniões bilaterais, até ao anúncio do acordo, conheça as principais declarações dos dirigentes de PS, Bloco, PCP e PEV disseram.

A marcha de um milhão

Foram aqueles eleitores banidos por Cavaco quem trocou as voltas ao centrão. Mas este caminho ainda mal começou. Artigo de Jorge Costa.

Cronologia da queda do governo

A abertura para um entendimento que virasse a página da austeridade e impedisse a direita de continuar a governar foi enunciado antes e durante a campanha e reforçado pela vontade dos eleitores que retiraram a maioria absoluta ao PSD/CDS. Veja aqui a cronologia dos acontecimentos até ao chumbo do programa de governo.

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